Tatuadores temem futuro incerto da atividade
Projeto de lei definido como 'Novo Ato Médico' teve tramitação encerrada, mas ainda protagoniza receios entre tatuadores profissionais
Em um futuro cada vez mais questionável, o cenário da tatuagem no Brasil apresenta divisões conflituosas. Além dos estigmas sociais referentes a usos, os procedimentos, de um modo geral, tornaram-se um fator preocupante na área da medicina. Alvo de revolta e desacordo entre tatuadores e vários profissionais de saúde, o Projeto de Lei (PL) 350/2014, da Senadora Lúcia Vânia (PSB-GO),teve tramitação encerrada, nessa segunda-feira (1º), pela própria autora. Definido como “Novo Ato Médico”, o projeto previa alterações em dois artigos vetados pela Presidente Dilma Rousseff, na Lei do Ato Médico, em 2002. A nova inserção defendia apenas médicos para exercerem procedimentos invasivos na pele, que consistem no rompimento das barreiras naturais, ou penetrações em cavidades do organismo.
Em meio a este cenário, os tatuadores ainda protagonizam receios no que diz respeito às questões do projeto que inviabilizam seus direitos como profissionais para atuar legalmente no mercado de trabalho. Isto porque, apesar do arquivamento da proposta, a própria senadora ou outros membros que tiverem interesse podem solicitar a reabertura para análise no Senado.
De acordo com a médica e diretora da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD-nacional), Leandra D' orsi Metsavaht, as novas regras seriam para prestar melhores condições à sociedade e, consequentemente, menos riscos à saúde. “Nenhum médico tem interesse em tatuar, apenas queremos que os procedimentos médicos que são de nossa competência sejam exercidos por nós. A profissão de tatuador deveria ser regulamentada, pois não existem leis, faculdades, formação para esses profissionais e, devido a isso, existe uma banalização na função, que expõe a sociedade aos riscos de contrair doenças infectocontagiosas”, salientou Leandra, ainda destacandi que é preciso capacitar os tatuadores.
Na Região Metropolitana do Recife, existem poucos espaços que possuem alvará de registro para funcionamento e é crescente a inserção de tatuadores que atuam sem licenças da vigilância. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o HIV e doenças infecciosas causadas por bactérias ou fungos, doenças de pele ou dermatites e alergias das pigmentações, compõem o cenário de estúdios clandestinos, pondo em risco a integridade de quem procura pelo serviço. Entre as doenças transmitidas mais comuns estão a hepatite B e C.
"Em vez de proibir, precisamos de ajuda"
Atuante no mercado há 15 anos, o tatuador Bruno Leonardo, conhecido como Bruno Tatoo, revela ao Portal LeiaJá as dificuldades que a categoria enfrenta para se manter consolidada no cenário profissional. “Nós, tatuadores, não temos cursos, especialização, orientação para medidas de segurança e primeiros-socorros. Somos autônomos e nunca tivemos nenhuma forma de incentivo do poder público. Em vez de proibir, precisamos de ajuda”. Ele também critica a proposta do 'Novo Ato Médico. "A medida parece partir de alguém que não respeita ou não gosta da cultura da tatuagem e modificação corporal. Acredito que o ato médico seria mais uma forma de arrecadar dinheiro com licenças ou cursos específicos. Isso com certeza é um insulto aos profissionais da tatuagem", opina o profissional. Funcionário de Bruno Tatoo, Flávio Palmeira, que tatua e é body piercing, opina sobre o projeto de lei e explica os procedimentos das tatuagens. Confira no vídeo:
Com 14 tatuagens no corpo, Álvaro Bezerra, de 25 anos, relata que a escolha pelo profissional interfere bastante na qualidade do serviço.“Os perigos das tatuagens à saúde estão diretamente ligados aos maus cuidados de quem opta pelo processo”, pontua Álvaro. Para um alvará de funcionamento, a Anvisa estabelece que alguns fatores sejam levados em consideração. São eles:
Ambiente
O espaço físico precisa atender às dimensões para a execução das atividades, bem como possuir autorização sanitária para tornar-se um estabelecimento com a finalidade de um estúdio.
Anti-sepsia
O espaço necessita de área para procedimentos de desinfecção, esterilização e assepsia. Materiais como pinças ou alicates necessitam de esterilização na autoclave, bem como alguns utensílios devem ser individuais e manter-se lacrados e abertos na frente do cliente.
Descarte
A remoção dos materiais usados deve proceder com processos de desinfecção e esterilização. O descarte não pode ser feito em lixo comum. Devem ser reservados e recolhidos para incineração.
Profissionais
Além de estar em dias com as vacinações de Hepatite e tétano, e usar Equipamentos de Proteção Individual (EPI) nos procedimentos, os profissionais devem estar registrados oficialmente como pessoa física ou jurídica para ter a legalidade do funcionamento.
Economista pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e também tatuador, Jairo Freitas analisa as limitações da área e almeja a regulamentação da classe no Ministério do Trabalho. “O mercado está cada vez mais informal e irregular, e é necessário um movimento a favor da aceitação do ‘body art’ pela sociedade no Brasil, tendo em vista que em muitos lugares do mundo já existe regulamentação. Como a profissão não é exclusiva de algumas cidades, existindo a prática, inclusive no interior, é necessária a criação de lei federal para unificar os procedimentos e exigências da categoria em todo o País.”, enfatiza Jairo, acrescentando que os problemas de saúde ocasionados pela má fiscalização atingem diretamente o Estado, no âmbito da saúde pública.
Oriunda de um percurso ocidental, a tatuagem surge no mundo entre 2000 a 4000 a.C e. Como símbolo cultural, é inserida entre nativos de lugares como Polinésia, Filipinas, Indonésia e Nova Zelândia. Inicialmente usada para fins de cerimônias culturais, a introdução de pigmentação por agulhas, na área subcutânea da pele era realizada por tintas de fuligens a sais metálicos. Com o decorrer do tempo, a prática passou por transformações e tornou-se arte. No Brasil, a criação elétrica chegou por volta dos anos 60, tornando-se mais comum na contemporaneidade como formas de representações marcadas no corpo.
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