Saiba como Paulo Freire se tornou patrono da Educação

Paulo Freire ganhou o título após comandar a Secretaria de Educação da cidade de São Paulo durante a gestão de Luiza Erundina

por Camilla de Assis dom, 23/06/2019 - 08:00
Reprodução/Site do Instituto Paulo Freire Filósofo ficou conhecido mundialmente por sua dedicação à educação Reprodução/Site do Instituto Paulo Freire

“O educador Paulo Freire é declarado Patrono da Educação Brasileira”. Essa é a frase, presente no artigo primeiro da Lei 12.612/2012, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff, que oficializou a instituição do título de Patrono da Educação brasileira ao filósofo e sociólogo Paulo Freire. O projeto de lei, criado pela deputada até então do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Luiza Erundina (atual PSOL), tramitou no Congresso Nacional por sete anos e levantou uma série de opiniões contraditórias sobre o educador.

Por um lado, houve quem acreditasse que a pedagogia de Paulo Freire, desenvolvida ao longo dos seus anos de educação, fosse a salvação para o Brasil. Por outro, pesquisadores afirmaram que os ensinamentos de Freire abrem espaço para manipulação e doutrinação. Mas, no final das contas, o atual patrono da educação brasileira pregava a educação como forma de transformação social, reconhecimento e reivindicação de direitos.

Práticas pedagógicas

Um dos seus feitos mais importantes foi o movimento em massa de professores para a alfabetização de 300 adultos na cidade de Angicos, o Rio Grande do Norte, em 1963. A metodologia usada se baseava em usar os fonemas de palavras utilizadas no cotidiano dos trabalhadores para ensino das palavras. O feito foi realizado em 40 horas. A alfabetização em série de Paulo Freire inspirou o Plano Nacional de Alfabetização, arquivado durante do regime militar e nunca mais posto em prática.

Outra atuação de importante reconhecimento de Paulo Freire vem do livro 'Pedagogia do Oprimido'. Sua ideologia política e social afirmava que a educação seria o meio para despertar consciência crítica dos estudantes. Contudo, observou também que os professores utilizam seus títulos de autoridades para oprimir. Freire também estudou que os docentes não estão preparados a abrir discussões e realizar debates, estimulando a aprendizagem crítica, mas apenas fazer do aluno um receptáculo vazio de conhecimento técnico. A obra do filósofo é a única na lista dos 100 livros mais solicitados pelas universidades de língua inglesa, segundo o projeto Open Syllabus.

Nesse sentido, foi constatado por Freire que o status de opressor coloca a pessoa em vantagem na sociedade. Assim, quem oprime tende a continuar no mesmo patamar da opressão e todo o método de “não pensar”, bastante debatido por Freire, é planejado pelos que estão no poder.

Legado para a eternidade

Muito além de quem foi Paulo Freire, o seu legado é a mostra de que o Brasil pode ser uma país justo e igualitário. Quando o filósofo colocava em prática seu método de alfabetização, o sistema eleitoral brasileiro só permitia o voto de quem sabia ler e escrever. Muito além de mostrar como assinar o nome e saber algumas palavras, Paulo Freire colocava no mundo adultos eleitores.

O ex-presidente do Centro Paulo Freire de Estudos e Pesquisa, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Agostinho Rosas, considera a pedagogia paulofreiriana revolucionária para a humanidade. “A perspectiva de Paulo Freire para educação é de uma educação libertadora, portanto é uma educação que não é para pobres, não é para os desvalidos, mas é para o ser humano”, diz Rosas. O estudioso também salienta que a grande diferença do filósofo Freire para as pessoas comuns é que ele teve a “coragem de botar no papel, escrever e afirmar suas ideias de sociedade, de ser humano de mundo”.

Para o docente, a obra 'Pedagogia do Oprimido' é um sucesso para a educação mundial. “É por isso que a Pedagogia do Oprimido, que completou 50 anos, é uma pedagogia tão lida, tão discutida e tão buscada nesse nosso Planeta Terra. Porque é uma pedagogia que fala da boniteza da vida humana, da gentileza do ser humano para com a vida, para com o mundo, fala da humanização desse ser humano, que vai de enfrentamento por uma busca por um homem coletivamente melhor, um ser mais social”, explica Rosas.

A pedagoga Bárbara Almeida, em entrevista ao LeiaJá, informou que aplicar os ensinamentos de Paulo Freire é uma forma de desenvolver a capacidade plena desde a infância. “Quando uma criança sai da condição de oprimida, ela também apresenta desenvoltura corporal, como também reduz sua timidez, entre outros tipos de benefícios”, conta Bárbara.

De 1989 a 1991, Paulo Freire foi secretário de Educação da cidade de São Paulo, na gestão da prefeita Luiza Erundina. Lá, ele trouxe novos rumos e alavancou os índices de alfabetização municipais. Foi também pioneiro nas discussões de tecnologia na educação.

Vida e morte

Nascido em Recife em 1921, Paulo Freire passou por uma infância conturbada. Já adulto, formou-se em direito, mas nunca exerceu a profissão. O dom de Freire era para ensinar aos demais. Mas apenas em nos anos 1960 que sua pedagogia despontou quando desenvolveu o método de Angico.

Após Freire ganhar notoriedade, o então presidente João Goulart, em 1964, assinou o decreto que instituiu o Plano Nacional de Alfabetização. Após a investida dos militares no golpe, aplicado no mesmo ano, o projeto educacional foi interrompido.

O filósofo foi preso e decidiu-se exilar na Bolívia. Morou em países como Estados Unidos, Chile e Suíça. A volta ao Brasil se deu definitivamente em 1980. Após se estabelecer no país, lecionou na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 2 de maio de 1996, Paulo Freire morreu no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, após um ataque cardíaco, deixando uma viúva e cinco filhos.

Pedagogia em risco

O presidente Jair Bolsonaro já afirmou coletivamente que irá retirar a pedagogia freiriana das escolas. De acordo com o capitão reformado do Exército, o filósofo é doutrinador de ideias marxistas. Em entrevista, Bolsonaro também revelou que irá mudar o patrono da educação brasileira e que está apenas na espera de “aparecer alguém”.

Já em maio de 2017, nos 20 anos completos da morte de Freire, o deputado Eduardo Bolsonaro postou em suas redes sociais uma comemoração: “20 anos sem Paulo Freire… GRAÇAS A DEUS”. Neste ano, por sua vez, o ministro da Educação Abraham Weintraub relacionou os baixos índices educacionais brasileiros com a pedagogia freiriana.

COMENTÁRIOS dos leitores