Alunos e universidades alegam corte de bolsas da Capes

'Sem bolsa, eu não tenho condições financeiras de continuar, vou ter que trancar o curso', desabafa estudante de doutorado da UFRPE

por Lara Tôrres dom, 22/03/2020 - 16:56
Pixabay . Pixabay

Na última quarta-feira (18), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC), publicou uma portaria que altera as regras e critérios para distribuição das bolsas de mestrado e doutorado entre os cursos e universidades do país. O texto, que data de 9 de março, prevê a possibilidade de redução ou aumento do número de vagas para cada programa de pós-graduação, conforme a nota obtida pelo curso na avaliação do Ministério da Educação. Além disso, a medida torna sem efeito portarias anteriores que haviam sido estabelecidas através de um processo de diálogo entre a Capes e o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop).

A Portaria nº 34 foi alvo de críticas do próprio Foprop, que declarou em carta aberta à Capes sua surpresa diante da medida, além de pedir a imediata revogação da decisão. “Tendo por referência o modelo divulgado recentemente, as bolsas distribuídas deveriam ter sido implementadas em 05/03, o que não aconteceu, contribuindo para um clima de incerteza e apreensão, impactando a motivação de docentes e discentes já selecionados para as bolsas concedidas oficialmente (...) Assim, conclamamos a CAPES a proceder à imediata revogação da Portaria 34, de 09 de março de 2020, e a restabelecer o caminho do diálogo de que tanto o Brasil necessita, particularmente nesse momento de crise gerada pela pandemia causada pelo COVID-19, cujo enfrentamento demanda o fortalecimento da nossa capacidade de produção científica”, afirma a carta do Fórum.

Outras entidades, como a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o Colégio de Pró-reitores de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação das Instituições Federais de Ensino Superior (Copropi) e a Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC) também manifestaram seu repúdio à publicação, à falta de diálogo por parte da Capes e demonstraram preocupação com o futuro da pós-graduação no país. Na última sexta-feira (20), vários estudantes que tinham a expectativa de iniciar cursos de pós-graduação com bolsas no semestre 2020,1, cujo início foi adiado devido à pandemia de Covid-19, começaram a ser informados pelas instituições de ensino que não seriam contemplados com as medidas de fomento, devido à redução do quantitativo de vagas causada pela reformulação das regras de distribuição. A revolta foi imediata: no Twitter, o perfil oficial da Capes recebeu várias críticas e cobranças, fazendo com que a hashtag #NenhumaBolsaAMenos figurasse entre os assuntos mais comentados do país.

Não são apenas os futuros alunos que afirmam que houve corte no quantitativo de bolsas de pós-graduação disponíveis. Diversas instituições de ensino do país têm se manifestado contra a portaria da Capes, afirmando que perderam números consideráveis de vagas, o que causará grandes prejuízos à universidade, aos alunos e à ciência brasileira. A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) declarou em nota oficial que, tendo como referência o início de 2019, a universidade perdeu 133 bolsas (95 de mestrado e 38 de doutorado). “Isso representa uma diminuição de 31% das nossas bolsas de mestrado e 8% das bolsas de doutorado. Em alguns casos, foram retiradas todas as bolsas anteriormente concedidas aos programas, em outros, as perdas foram da ordem de dois terços. Nem mesmo nossos dois programas nota 6, padrão de excelência internacional, foram poupados”, declarou a instituição.

A Universidade de Brasília também se manifestou publicamente. “No início deste mês, os cortes atingiram entre 1% e 50% das bolsas de 46% dos cursos. Em 9% dos cursos, mais de 50% das bolsas foram cortadas. Em 6% deles, o corte foi integral. Mesmo naqueles cursos considerados de excelência houve a perda de 30% dos auxílios. Com a nova portaria da Capes, o problema se agravará”, declarou a universidade por meio de nota oficial publicada em seu site.

Em entrevista ao LeiaJá, a pró-reitora de Pesquisa da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), professora Maria Madalena Guerra, afirmou que a portaria do mês de fevereiro já previa uma perda de bolsas na instituição. A situação teria se agravado com a publicação da Portaria nº 34 de 9 de março. “Tinha saído uma portaria no início do mês, iríamos perder 88. Passamos agora a perder 182 bolsas. Temos alunos de fora do país que vieram na certeza de que iam ter bolsas e elas não estão aparecendo mais. Programas tinham 14 bolsas e passaram a ter 7. Alguns perderam todas. É um desastre tremendo quando o Brasil precisa da ciência, quando o ministério pede ajuda da universidade com pesquisas e corta bolsas, isso vai acabar com a pós-graduação especialmente nas regiões menos favorecidas”, afirmou a pró-reitora.

Alexsandra Frazão é uma das estudantes prejudicadas pela publicação da nova portaria. Ela começaria o curso de doutorado em Biociência Animal da UFRPE, que tem conceito 5 na avaliação do MEC, mas foi informada pela coordenação do curso que sua bolsa não será mais concedida. Ela contou que, sem esse apoio, não será possível se manter enquanto faz o curso. “Eu ia entrar numa seleção recente e estava só esperando a bolsa. Depois da portaria, fomos informados que não vamos receber mais. Sem bolsa, eu não tenho condições financeiras de continuar, vou ter que trancar o curso e procurar outra área de atuação, infelizmente. Estamos em contato com a coordenação da universidade. A única atualização foi que os alunos iam ter as bolsas mantidas e conforme eles fossem defendendo as teses, a universidade iria perdendo as bolsas”, contou ela.

Questionada pelo LeiaJá, a Capes afirmou que “não há corte de bolsas” e “o número global de bolsas continua o mesmo” sem, no entanto, comprovar essa afirmação por meio de planilhas com os dados dos números totais de bolsas antes e depois da publicação da portaria, conforme solicitamos. A Coordenação afirmou ainda que a referida portaria “faz apenas uma alteração pontual para valorizar os cursos com melhores notas na avaliação” e que “os critérios do Modelo de Distribuição de Bolsas, como foi divulgado em fevereiro, continuam os mesmos”.

Uma nota oficial publicada no site da Capes na última quinta-feira (19) e enviada ao LeiaJá como forma de resposta afirma que “a CAPES acelerou a convergência das diretrizes para privilegiar os cursos mais bem avaliados”, sendo necessário alterar as portarias publicadas em fevereiro para alcançar esse objetivo. Na visão da Coordenação, “essas novas limitações foram incluídas no modelo para permitir o controle da velocidade de correção das distorções que motivaram a elaboração do modelo de concessão". "Com essas alterações, cursos com notas mais altas, como os de excelência, receberão mais rapidamente um número maior de bolsas que, muitas vezes, estavam alocadas em cursos com nota mínima há vários anos”, acrescenta a entidade. A resposta oficial, no entanto, não atende a todos os questionamentos realizados pela nossa reportagem.

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