No calor do Recife: a rotina de quem trabalha em campanhas

O LeiaJá foi às ruas e ouviu experiências de quem busca renda extra durante as eleições

por Lara Tôrres qui, 26/11/2020 - 19:03
Júlio Gomes/LeiaJáImagens . Júlio Gomes/LeiaJáImagens

Com o índice de desemprego em 14,4% no trimestre encerrado em agosto, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), muitos trabalhadores veem as eleições municipais de 2020 como uma possibilidade de empregabilidade e renda, ainda que temporária, através do trabalho nas campanhas. No Recife, capital de Pernambuco, haverá segundo turno no dia 29 de novembro, com os candidatos João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) concorrendo à Prefeitura e enchendo a cidade de bandeiraços, panfletagens e distribuição de adesivos. 

Micherlaine Silva, 26, mora no bairro do Pina, Zona Sul do Recife, é vendedora de bolos e começou a trabalhar na campanha da candidata petista na última quarta-feira (25). Ela conta que não houve um contrato formal e o acordo é trabalhar das 8h às 13h até o sábado, dia 28 (fim do período eleitoral), com uma remuneração de R$ 40 por dia, paga ao final da campanha. Para trabalhar das 8h às 20h com uma hora de intervalo, a remuneração é de R$ 80 por dia. 

O trabalho intenso em pé e sob o sol, de acordo com Micherlaine, é cansativo, mas vale a pena. Lidar com os eleitores durante uma campanha acirrada, por outro lado, já impõe mais dificuldades, mas ela se sente segura em sua função. 

No que diz respeito à pandemia, a trabalhadora também diz se sentir confortável de lidar com pessoas na rua, devido ao uso de máscaras e álcool gel. Segundo Micherlaine, a responsável por contratá-la, que não foi identificada, "explicou a gente como lidar com o público, como abordar o público, como fazer”.

Michele Keide tem 38 anos, mantém um depósito com sua esposa e foi contratada para trabalhar na campanha do candidato do PSB da última segunda-feira (23) até o sábado (28), com expedientes que vão das 8h às 16h. Ela, que trabalhava balançando uma bandeira no semáforo, conta que foi contratada através de uma lista de pessoas no WhatsApp, mantida por uma agência de promoção de eventos, que terceiriza a contratação dos profissionais. 

No que diz respeito a estar na rua lidando com os eleitores, Michele conta que há sempre pessoas que já têm um candidato definido e manifestam suas opiniões, mas que até hoje, “não teve xingação não”. 

O pagamento ficou acertado para o sábado, último dia de campanha, no valor de R$ 60 por dia, totalizando R$ 360. Perguntada se esforço é válido, Michele relata que é cansativo e difícil trabalhar em pé, sob o sol forte, mas, ela diz: “se eu ficar em casa, eu sei que eu não vou estar ganhando nem R$ 10”.

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Victória Hadassa é enfermeira por formação, atualmente trabalha com vendas como Microempreendedora Individual (MEI) e, durante a campanha eleitoral, foi contratada para o cargo de supervisora de uma equipe de panfletagem da campanha do candidato João Campos. 

Contratada por meio de uma agência com a qual firmou um contrato temporário de trabalho por 11 dias, ela revela que sua remuneração é de R$ 150 por dia para oito horas de trabalho com intervalo para almoço. Os promotores supervisionados por ela entregam panfletos nos semáforos e recebem diárias de R$ 60 para a mesma carga horária. 

Sobre o dia-a-dia de trabalho, Vitória afirma que “a palavra-chave de trabalhar com campanha é estresse”, uma vez que além de condições climáticas, em sua função é preciso lidar com eleitores, coordenadores de campanha e com os promotores que ela supervisiona. 

“Na minha equipe tem seis, mas há equipes que são 10 promotores, 20 promotores. Para o supervisor é muito desgastante, porque além de lidar com as pessoas, você lida com o sol, você lida com a chuva, você lida com outras pessoas que não têm o menor interesse no partido que a gente está divulgando, aí tem xingamento, pessoas que querem confusão. Precisa ter muita paciência para poder lidar com tudo isso”, comenta a supervisora de campanha.

Victória fala que há lugares onde é melhor de trabalhar, em termos de estrutura para se proteger do sol e locais para descanso e pausas, enquanto outros exigem mais, fisicamente, do profissional. Para ela, nas condições em que trabalha atualmente, o trabalho compensa o que é pago. “Vão ter pontos que só vão ter sol, sem uma sombra como tem aqui, e não tem facilidade de ir ao banheiro. Aqui minha irmã mora próximo, então tenho um apoio. Para mim, está sendo favorável, compensando o que eu estou ganhando. Depende das condições, neste trabalho que eu estou desenvolvendo, para mim está sendo ok”, opina.

Geyson Michel tem 26 anos, é trabalhador autônomo e faz parte da campanha de Marília Arraes, segundo ele, como militante. Ele conta que, diariamente ,tem uma jornada de cinco horas com intervalos para descanso, e não exerce uma só função determinada para todos os dias. “Na verdade eu entrego panfleto, seguro bandeira, grito, não tem uma função fixa não”, descreve. 

Questionado sobre como se deu a sua contratação, ele diz que o coordenador da campanha lhe apresentou um contrato e solicitou alguns dados, entre eles CPF e “conta bancária para eles depositarem”, mas afirmou em seguida que “não existe remuneração”. Com o acirramento da campanha à Prefeitura, em especial nos últimos dias da corrida para o segundo turno, Geyson comenta que, às vezes, enfrenta hostilidade de algumas pessoas na rua, mas consegue lidar com o problema tranquilamente, de modo pacífico. 

“Quando vai abordar alguém, a gente dá bom dia, boa tarde, e quando a pessoa rejeita, a gente não liga, tudo na paz. (...) Apesar de que a gente às vezes recebe muita agressão verbal, mas aí a gente descarta isso daí”, garante o militante. 

O LeiaJá procurou as assessorias de imprensa da candidata Marília Arraes (PT) e de João Campos (PSB) para saber o número total de pessoas contratadas para trabalhar nas campanhas da eleição municipal do Recife em 2020, mas até o momento não obtivemos resposta.

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