Corte de verbas ameaça universidades públicas no Brasil

Sem dinheiro, instituições de todo o país correm o risco de parar. UFPA divulgou nota oficial e comunidade acadêmica organiza ato público marcado para o dia 29, em Belém.

qui, 27/05/2021 - 11:17

As universidades federais de todo o país entraram em alerta com o corte de R$ 1 bilhão nos investimentos destinados às instituições. Em relação ao ano de 2020, a redução dos gastos foi ampliada para 18,16%, comprometendo o funcionamento e a manutenção das universidades, além de prejudicar o financiamento de assistências estudantis, pesquisas, entre outros.

Universidade Federal do Pará (UFPA) emitiu nota oficial contra os cortes. O reitor Emmanuel Tourinho gravou vídeo para chamar a atenção da sociedade. No dia 29 deste mês, sábado, às 8 horas, será realizada manifestação pública para exigir a retomada dos recursos da universidade e o não bloqueio das verbas. Em Belém, o ato será na Praça da República. 

Segundo Gilberto Marques, professor da Faculdade de Economia da UFPA e diretor-geral da Associação dos Docentes da (Adufpa), as universidades públicas vêm enfrentando cortes orçamentários anualmente desde 2014, agravados com a PEC 55 (Proposta de Emenda Constitucional), aprovada em 2016, que reduz gastos públicos voltados para o investimento social.

Paralelamente a isso, Gilberto explica que houve um processo de expansão bastante significativo das vagas de graduação e pós-graduação nas universidades e também dos serviços das instituições. Entretanto, ele assinala: “Não temos a mesma contrapartida no aumento das vagas de professores e de técnico administrativo (setor), tampouco da estrutura da universidade. Ela não consegue crescer na mesma proporção que cresce essa oferta de vagas”, diz.

No caso da UFPA, Gilberto afirma que, entre 1990 e 2018, os estudantes de graduação e de doutorado cresceram em 168% e 13.467%, respectivamente, enquanto o número de professores aumentou apenas 68%, causando uma sobrecarga no trabalho docente – acompanhado de uma maior exigência da produção de projetos de pesquisas e publicação de artigos científicos em revistas qualificadas –, além da redução de espaços democráticos.

“Esse conjunto de elementos, na realidade, nos demonstra que é mais do que bloqueio financeiro. Mas o bloqueio financeiro é um elemento decisivo para essa intensificação da precarização da educação”, observa Gilberto.

Ainda que as universidades públicas não parem de funcionar totalmente, Gilberto aponta que os cortes orçamentários ainda podem prejudicá-las de diversas formas. Ele cita o possível retorno do ensino presencial, que vai exigir uma reestruturação física e operacional das instituições, obras nas salas de aula, além de outras readequações.

“Isso exige gasto financeiro e o que está se vendo é o contrário, o governo está cortando isso. Esse impacto é maior ainda e não é só para dentro da universidade, é para fora também", destaca Gilberto.

Extensão universitária

A UFPA tem dois hospitais universitários, o João de Barros Barreto e o Bettina Ferro, que em 2018 realizaram 4.460 cirurgias e fizeram 221.568 consultas. Esse atendimento à população, ressalta Gilberto, "é fundamental e alguns casos não são encontrados em outras unidades públicas, nem mesmo na rede particular”.

Gilberto também comenta sobre os projetos de extensão que levam a universidade até a população: “Quando você vai cortando as verbas que mexem com a estrutura da universidade, todo esse serviço é prejudicado e a população vai sofrer com isso. Corre-se o risco de chegar a uma determinada situação em que a universidade não vai ter condições de pagar a conta de luz ou os contratos que ela mantém para o seu funcionamento cotidiano”, salienta.

De acordo com Gilberto, a UFPA teve um corte orçamentário de R$ 30,4 milhões e aproximadamente R$ 6 mil de verbas de assistência estudantil. Ele afirma que isso está associado aos cortes feitos nos anos anteriores em outras áreas como a ciência, tecnologia e órgãos públicos que fornecem bolsas e recursos para a pesquisa científica, acarretando no reajuste da oferta de alguns serviços. “É mais do que um corte especificamente da universidade, é um conjunto de políticas e de redução orçamentária que a atinge para além desse corte imediato”, acrescenta.

O professor também destaca a redução na oferta de bolsas ocasionada pelos cortes orçamentários. “Vai ter uma oferta menor de bolsas de iniciação científica, de extensão e outros tipos de bolsa que são fundamentais não só para inserir o aluno na pesquisa científica e no trabalho da universidade, mas também para ajudar os alunos a se manterem, pagar o transporte, a alimentação, materiais”, explica.

Além disso, a precarização na educação causada pela redução de investimentos também foi agravada pela pandemia. Em relação a isso, Gilberto aborda as dificuldades no ensino e da aprendizagem, do ato do professor em realizar as aulas e dos alunos em assimilar o conhecimento.

Ele também cita o ensino remoto. “No caso da UFPA, ainda que emergencial e temporário, o que nós percebemos é uma dificuldade maior em se concentrar e participar, realizar atividades conjuntas com outros alunos. Tudo isso fica profundamente comprometido. E do ponto de vista dos docentes, há uma maior sobrecarga. É uma quantidade maior de reunião, de atividades, de pesquisas, conferências realizadas de forma remota, o que significa maior custo para o professor”, complementa.

Para Gilberto, o corte de verbas agrava estruturalmente a já difícil situação das universidades. "Na realidade, nós estamos diante de ataques à instituição. Há uma intimidação direta ao exercício da profissão, da pesquisa científica e da elaboração acadêmica”, aponta.

Gilberto afirma que a UFPA, hoje com 55 mil estudantes, é fundamental para o Estado do Pará, sendo extremamente importante para a região amazônica como um todo. Ele ainda argumenta que a sociedade precisa “abraçar” a UFPA, assim como as outras instituições do Estado do Pará, que abrigam estudantes do Brasil todo e até mesmo de outros países.

O professor também fala que a universidade precisa divulgar mais as suas ações como instituição para que a sociedade. “Fora isso, eu acho que nós temos que continuar pressionando a bancada parlamentar, particularmente a federal, para reverter essa política de corte de verbas imposta pelo governo e impulsionar o processo de mobilização”, complementa.

A perspectiva dos estudantes

Tel Guajajara, estudante de Direito e coordenador geral do Diretório Central dos Estudantes da UFPA (DCE), assim como Gilberto Marques, também menciona que não é de agora que as universidades públicas têm sido prejudicadas em razão dos cortes nos investimentos.

“Várias universidades vêm sofrendo cortes no orçamento da infraestrutura, sobretudo também nos projetos internos que existem nelas como, por exemplo, as assistências estudantis, ocasionando a evasão (dos alunos) por não terem apoio, uma assistência de fato para ajudá-los”, explica Tel.

O estudante afirma que os cortes são a matriz dos grandes problemas que as universidades têm enfrentado nos últimos anos. Entretanto, para ele, um dos fatores determinantes para a precarização em questão é a informação que chega às pessoas e que as fake news têm sido um desafio para a imagem das escolas e universidades públicas.

“A opinião popular acredita que a universidade hoje não tem um papel relevante para a educação, coisa que é errada e que é mentira. A universidade é um grande centro de formação de recursos humanos, de desenvolvimentos tecnológicos, prestação de serviços à sociedade e é responsável pelas pesquisas e descobertas para melhorar a vida do povo brasileiro”, complementa. Tel acrescenta que os cortes financeiros atacam diretamente novos alunos.

Segundo o estudante, atualmente a UFPA tem mais de 1.200 alunos quilombolas e indígenas com uma própria assistência estudantil e que vai sofrer impactos diretos.

Tel destaca que, apesar das experiências vividas no ano de 2020, muitos acreditavam que em 2021 seria diferente em termos de evolução na prevenção da covid-19. “A UFPA precisa lidar com a inclusão digital, com a ampliação dos professores, entrada e saída de alunos. Tudo isso se agrava e precisamos ter muito fôlego porque, querendo ou não, os cortes vão afetar isso”, acrescenta.

O estudante afirma que o movimento estudantil como um todo precisou passar por readaptações. Antes, as mobilizações eram feitas nas ruas e, apesar das dificuldades, eles precisaram ingressar no mundo virtual.

“A gente (DCE) ficou responsável por fazer grandes ações em defesa da universidade, para ir em audiências, protocolar pedidos, ir atrás e se colocar à disposição. A nossa importância nesse processo foi de entender, dentro dos conselhos superiores das universidades, o que estava sendo passado para mobilizar os estudantes para a luta”, diz.

Tel ressalta que, durante a pandemia, os mais prejudicados foram as pessoas que se encontram no nicho mais baixo das classes sociais. Ele comenta ainda sobre a dificuldade da permanência dos alunos nas universidades públicas, principalmente no governo atual.

“É histórico do Brasil não saber lidar com a educação pública. O futuro dela está em nossas mãos, de mudar a nossa realidade e de conseguir pensar em políticas públicas efetivas que vão dar melhoria para a vida desses estudantes, pensando no acesso e na permanência deles”, defende.

Tel defende uma maior organização em defesa da educação pública no país. “As saídas que temos hoje são de muita mobilização, seja no âmbito jurídico, seja no Congresso Nacional, dentro das comunidades, seja nos debates dentro dos conselhos das universidades, dentro da sala de aula e também nas mídias sociais”, diz.

Por Isabella Cordeiro.

 

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