Jovens calouros relatam métodos de preparação para o Enem

Estudantes aprovados em processo seletivo de universidade pública do Pará compartilham rotina e falam sobre os problemas impostos pela pandemia

seg, 07/06/2021 - 10:47

A preparação para o vestibular exige foco nos estudos. Porém, a pandemia do novo coronavírus dificultou o aprendizado. Estudantes relatam pressão e dificuldades na adaptação do formato remoto de aulas.

O primeiro colocado no vestibular da Universidade Estadual do Pará (Uepa), Victor Hugo da Costa, de 18 anos, disse que assistia às aulas remotas nos assuntos em que tinha mais dificuldade e também as que tinham conteúdos além da grade curricular do Enem. “Passava algumas horas fazendo os exercícios presentes nos livros do colégio (os materiais do Poliedro) e alguns livros mais complexos, que eu utilizava mais para olimpíadas científicas (Halliday para física e Atkins, para química). Talvez mais fundamental que os exercícios, a leitura me ajudou bastante”, relatou.

O estudante falou também sobre como recuperou seu hábito da leitura. “Minha habilidade de leitura havia aumentado consideravelmente, e isso havia melhorado meu desempenho em praticamente tudo. Eu passei a ter uma dificuldade bem menor em aprender novos assuntos, interpretar questões e escrever, habilidades essenciais para realizar um vestibular. Por isso, eu atribuo à leitura boa parte do meu resultado. É realmente uma pena que boa parte da população não seja incentivada a ler e a ver a leitura como uma atividade lúdica que resulta no aprimoramento pessoal”, destacou.

Victor Hugo passou no curso de Medicina e comenta que deseja no momento entrar na área de Neurologia ou Neurocirurgia. “No ano de 2020, participei de algumas olimpíadas científicas de neurociências (OPNeuro, da UFPA, e OBN, da UFRJ). Gostei bastante das aulas e dos assuntos que aprendi nelas. Cheguei até a utilizar algumas informações na redação”, disse.

Ele relatou também que sua maior dificuldade foi o Ensino a Distância, pois estava acostumado a estudar à tarde na escola e que rende mais no ensino presencial. Ele disse ser mais confortável estudar em um ambiente escolar. “Minha casa não é exatamente um lugar barulhento, mas também não é silencioso. Eu tenho uma baixa resistência a barulho, então geralmente eu botava música para estudar”, contou.

“É complicado estudar quando seu caderno, sua mesa de estudos, ou qualquer outra coisa, está a poucos metros do local em que você dorme, ou quando é fácil mudar da tela do aplicativo pelo qual o professor ministra a aula para a tela do Whatsapp, ou qualquer outra rede social. São diversas distrações terríveis que muitos alunos enfrentam na hora da preparação”, assinalou.

Victor também tem uma dica aos candidatos: não perder a esperança. “É fato que a educação no Brasil é bem desprezada pelo governo, como foi observado nos recentes cortes nas universidades federais. Conseguir emprego também é difícil e ensino superior não é garantia de adquirir um ótimo trabalho, como costumava ser. É difícil dedicar-se a algo tão complicado e tão desgastante quanto o vestibular com tão poucas garantias, mas, no final, acho que é um passo importante para mudar de vida”, disse.

“A sociedade infelizmente não é justa para todos. Contei com muito apoio e sacrifícios da minha família para chegar até aqui, porém nem todos possuem esse privilégio”, observou Victor. “Eu posso ter passado em primeiro, mas creio que as verdadeiras lendas e vencedores sejam aqueles que superaram condições e origens terríveis para entrar em uma universidade.”

“Para os alunos de ensino médio, de escolas públicas e privadas, eu recomendo estudar para olimpíadas científicas (OBMEP e OPM, de matemática, OPAQ, de química, OBA, de astronomia, OBF, de física, OBB, de biologia, OBG, de geografia etc.)”, falou Victor. “Infelizmente, nem todas as escolas podem fornecer uma preparação adequada e, caso forneça, o aluno deve ser bastante esforçado”, finalizou.

Desamparo e incertezas

Eduardo Lobato, de 18 anos, passou em 2º lugar geral na Uepa (Universidade Estadual do Pará) e disse que enfrentou momentos de insegurança no início. “Durante a pandemia, eventualmente ocorriam aqueles momentos de sensação de incerteza, desamparo, principalmente no começo, quando quase todos foram pegos de surpresa com tudo isso”, afirmou.

Ele também disse que sua principal estratégia foi fazer exercícios como forma de fixação, pois era a melhor maneira de absorver os assuntos. “Pela manhã, via as aulas, anotava. De tarde, relia as anotações, e partia pro exercício. Se sentisse alguma dúvida, partia para um livro, ou videoaula. Treinar redação também é essencial, fazia de uma a duas por semana”, relatou.

O estudante disse que, mesmo com a rotina de estudo, dificuldades existiam durante o ano de preparo. “Acredito que a maior dificuldade é a incerteza, aquela certa pressão que colocamos em nós mesmos para ter resultados, isso acaba desestabilizando muita gente. Acho fundamental refletir sobre isso, e tentar estar em sintonia com seu eu interior”, contou.

Para Eduadro, ainda é necessária a criação de ações que ajudem outros estudantes a ter a oportunidade de um estudo digno. “Fui muito privilegiado por gozar de condições materiais e familiares que me permitiram a dedicação integral ao estudo, principalmente no período da pandemia, que agravou tantas desigualdades socioeconômicas, reforçando ainda mais a necessidade de programas de ações afirmativas. Elas são muito necessárias para garantir mais equidade no acesso ao ensino superior”, afirmou.

Segundo dados da Uepa, Eduardo concorreu com 5.655 candidatos inscritos para concorrer a uma vaga no curso de Medicina e foi classificado em 2º lugar. “Escolhi com base na afinidade que tenho pela área, mas principalmente pela atuação dos profissionais, na forma como muitos a exercem e desempenham uma função essencial para o bem comum. Também me espelhei em pessoas da família, que tenho como referência de profissionais exemplares”, disse o jovem. Ele também contou que ficou surpreso com a classificação. “Não esperava, pelo menos até corrigir a prova, ter tido um desempenho do nível que eu tive. O estudo que fiz ao longo do ano me garantiu certa confiança de ter um resultado bom, mas ainda sim me surpreendi muito com o resultado final, foi muito gratificante e recompensador.”

Eduardo também deu dicas para quem vai se candidatar a uma vaga este ano: “Busquem formas, além do estudo, de satisfazer as necessidades sociais e de lazer. Pode ser um hobby, amigos, parceiros, família. Essas atividades devem ter um tempo reservado, porque auxiliam muito para desestressar. Quanto ao estudo, sugiro o equilíbrio, para não desgastar muito. É mais vantajoso dosar ao longo da semana os conteúdos, para ter uma abordagem mais eficaz”. Ele relatou o quanto é gratificante ingressar no curso dos sonhos. “Depois de ver o resultado, de entrar no curso que queres, percebes que valeu a pena, e a realização pessoal compensará os momentos de esforço.”

Conteúdos da prova

A professora e psicanalista Cindy Hage, professora também do segundo colocado, falou sobre como ela prepara seu conteúdo para as aulas de redação e literatura. “O conteúdo em si das aulas é todo baseado na matriz de referência do Enem, só que eu busco sempre trazer atualidades em alguns acervos”, disse. “Eu percebo que o aluno está apresentando uma dificuldade, faço uma revisão e posso mudar o meu cronograma para reforçar um tópico”, destacou a professora.

Cindy também analisou o desempenho de seus alunos. “Sinceramente, eu esperava, porque o professor conhece o seu aluno. Eu faço acompanhamentos com eles desde o início, trabalhando um pouquinho a questão do equilíbrio emocional e autocuidado. Eu percebia nos meu alunos uma vontade muito grande de vencer, eu via a dedicação mesmo no período de pandemia com o sistema remoto as aulas híbridas”, assinalou.

A psicanalista relatou que a maior dificuldade foi a autocobrança de seus alunos. "Acaba dificultando a aprendizagem porque eles estão querendo buscar sempre um nível de superação e às vezes eles não conseguem entender que a preparação precisa ser intermitente, é periódica. Cada período você vai subindo um degrau e vai conseguindo atingir as suas metas.”

Cindy destacou a importância de se abordar esse assunto e deu um conselho para os alunos do vestibular deste ano. “Organizar direitinho por dia como eles vão revisar as matérias sempre de maneira estratégica, para que eles possam perceber quais os conteúdos de cada disciplina em que eles ainda estão instáveis, quais são as questões que eles ainda podem estar errando. Horário de estudos e principalmente uma organização quanto à resolução de questões são muito importantes”, orientou. “É importante cuidar da saúde mental, praticar também uma atividade de yoga, meditação, para ter um ano mais leve, equilíbrio”, concluiu.

Por Sabrina Avelar e Yasmin Seraphico.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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