Aos 60 anos, 'Godzilla' atrai nova geração de fãs
Enquanto um monstro digitalizado com tempero hollywoodiano invade as telas de todo o mundo, os japoneses redescobrem com felicidade e nostalgia seu bom e velho Godzilla, quando um ator pingava de suor dentro de uma fantasia de látex.
Para assoprar as 60 velas do "Rei dos monstros", o filme clássico do horror pós-nuclear de 1954 foi restaurado e limpo, e os japoneses puderam novamente se emocionar - ainda que em preto e branco - por quinze dias de projeção em Tóquio, berço das primeiras aventuras e destruição da criatura das águas.
Poderíamos pensar que, depois dos dinossauros tão realistas de Jurassic Park, e dos efeitos especiais deslumbrantes do último Godzilla "made in USA", os movimentos bruscos, fantasias óbvias para esquecer o homem, truques visíveis em maquetes, a magia não iria funcionar. Bem, este não foi o caso. Uma nova geração de "Godzifans" nasce no Japão.
Kenichi Takagi, de 44 anos, é um deles. Levou seu filho de 10 anos para assistir pela primeira vez este clássico, dirigido por Ishiro Honda nos famosos estúdios Toho, apenas nove anos depois da guerra, a derrota... e a bomba nuclear.
Gojira, e não Godzilla
Porque, mesmo com traje de borracha artificial, o Godzilla sempre fala ao subconsciente dos japoneses que hoje, assim como há 60 anos, são movidos pelos mesmos medos e são igualmente impotentes ante os desastres naturais ou humanos.
Para registro, a criatura agora mundialmente conhecido como Godzilla, se chamava originalmente "Gojira", um cruzamento entre "gorila" e "kujira", a palavra japonesa para baleia.
E é sempre com este nome que as pessoas o conhecem no Japão. Mas quem o renomeou, com God em seu novo nome? Mistério.
Neste Japão, que se recuperava dolorosamente do desastre da guerra, e onde a televisão ainda não havia invadido as casas, o filme foi um enorme sucesso e atraiu cerca de 10 milhões de pessoas aos cinemas.
No roteiro original, a criatura é despertada por testes nucleares, emerge de um mar furioso e começa a nadar em direção ao litoral do Japão para semear o terror, uma alegoria de uma catástrofe nuclear.
No imaginário de muitos japoneses, Godzilla foi rapidamente assimilado ao produto monstruoso dos testes nucleares atmosféricos americanos sobre Atol de Bikini no anos 1950. Vinte e três marinheiros de um barco de pesca japonês sofreram com a radiação nuclear, seu capitão morreu.
De repente, a criatura se tornou um símbolo do Japão pacifista: saindo da água, a "besta" também tirou das profundezas as memórias trágicas do Apocalipse nuclear que vitrificou Hiroshima e Nagasaki nove anos antes.
A este terror atômico, somou-se ainda todos os tipos de desastres que atingem regularmente o arquipélago japonês.
Alegoria do martírio
"Desde crianças, nós crescemos pensando constantemente nos tufões, terremotos, tsunamis, em todo o tipo de coisas que os seres humanos são incapazes de controlar", diz Yuji Kaida, um pintor que acaba de dedicar uma exposição ao seus "retratos" de Godzilla.
Para Sadamitsu Noji, um fã de 34 anos, Godzilla é como uma página em branco em que cada espectador pode projetar suas próprias ansiedades e medos antes de dormir.
"Sob a sua raiva e fúria, Godzilla expressa inúmeros sentimentos contraditórios e todos podem encontrar o seu próprio", disse à AFP.
Portanto, como com King Kong no topo do edifício Empire State, nasceu uma forma de empatia com Godzilla.
Estrela do filme de 1954, Akira Takarada, hoje com 80 anos, viu a última produção de Hollywood, e não mudou sua opinião sobre o seu monstro favorito: "Eu mais uma vez percebi que o Gojira não é apenas um destruidor, mas também uma vítima nuclear. Eu não posso deixar de sentir simpatia por ele".
A alegoria do martírio nuclear ganhou ainda mais força com o desastre de Fukushima em março de 2011, provocado por um tsunami traumático e monstruoso.
"Nós não queríamos fazer um filme" sobre isso, "mas era quase impossível filmar um Godzilla sem pensar, sem levantar a questão", explicou recentemente Gareth Edwards, o diretor britânico dp último Godzilla.
"Abrimos a caixa de Pandora da energia nuclear e não podemos fechá-la. Quando algo dá errado, as consequências são extremamente graves. De alguma forma, o monstro do nosso filme reflete essa ideia", disse.