Toni Morrison, um ícone da cultura afro-americana

Primeira e única autora afro-americana a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, Toni Morrison morreu aos 88 anos

ter, 06/08/2019 - 14:30
Mandel NGAN (2012) Toni Morrison é homenageada com a Medalha Presidencial da Liberdade pelo então presidente americano, Barack Obama Mandel NGAN

Primeira e única autora afro-americana a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, Toni Morrison morreu aos 88 anos, após uma breve doença - informou a família em um comunicado divulgado nesta terça-feira (6).

"Apesar de sua morte representar uma tremenda perda, estamos gratos por ela ter tido uma vida longa e bem vivida", afirmou a família.

A escritora faleceu na segunda (5), no Centro Médico Montefiore, em Nova York.

Morrison escreveu 11 romances em uma brilhante carreira literária e premiada que durou mais de seis décadas.

Ganhou o Prêmio Pulitzer e o American Book Award em 1988 por seu romance de 1987 "Amada". Ambientada após a Guerra Civil americana na década de 1860, a história era centrada em uma escrava que fugiu de Kentucky para o estado livre de Ohio.

O livro mais tarde foi transformado em um filme estrelado por Danny Glover e Oprah Winfrey com o título de "Bem-amada".

Morrison recebeu vários outros prêmios, incluindo o Prêmio Nobel de Literatura em 1993.

À época, a Academia sueca celebrou, em sua obra, "uma poderosa imaginação, uma expressividade poética e o quadro vivo de uma face essencial da realidade americana".

Em 1996, foi homenageada com a Medalha de Honra da National Book Foundation. Em 2012, o então presidente Barack Obama lhe entregou a Medalha Presidencial da Liberdade e, em 2016, Morrison recebeu o prêmio PEN/Saul Bellow pelo conjunto de sua obra na literatura de ficção americana.

"O olho mais azul", seu primeiro romance, foi publicado em 1970. Ela prosseguiu com "Sula" em 1973 e, depois, publicou outros nove romances. Entre eles, "Voltar para casa", de 2012, e "Deus ajude essa criança", de 2015.

Também passou um tempo como editora na Random House e lecionou na Universidade de Princeton. Foi a primeira negra a receber uma cátedra na renomada instituição, um santuário por muito tempo reservado aos homens brancos.

Morrison também escreveu vários ensaios, como "Playing in the Dark", no qual descortina o lugar do escravo na construção - por oposição - da identidade do branco americano. A autora destaca que, durante muito tempo na ficção americana, os negros serviram de contraste para valorizar o herói branco.

- Defesa dos direitos civis

Filha da Grande Depressão, Chloé Anthony Wofford (sobrenome do fazendeiro branco proprietário de seus avós escravos) nasceu em 18 de fevereiro de 1931, em Lorain, perto de Cleveland, no estado de Ohio (norte dos EUA), em uma família trabalhadora de quatro irmãos.

Educada por um pai que detestava os brancos e por uma mãe alegre e acolhedora, Toni Morrison cresceu em um meio pobre e multicultural. Disse nunca ter tido consciência da segregação racial até partir, em 1949, para a Howard University, conhecida como a "Harvard Negra", em Washington.

Com uma formidável autoconfiança, seguiu seus estudos na Universidade de Cornell, onde defendeu sua tese sobre o suicídio de William Faulkner e de Virginia Woolf. Torna-se professora de Literatura no Texas, antes de voltar para Washington.

Em 1958, casa-se com Harold Morrison, um estudante de Arquitetura de origem jamaicana. Separam-se em 1964, e ela e seus dois filhos, de 3 anos e de 3 meses, vão viver em Nova York.

No momento em que a América ferve, em meio à luta pelos direitos civis, ela se torna editora na Random House e milita pela causa negra, publicando as biografias de Mohammed Ali e de Angela Davis.

Reeditada várias vezes, sua antologia de escritores negros "The Black Book" (1974) estimula toda uma geração de autores a fazer ouvir sua voz.

Movida "pela alegria, e não pela decepção" e dotada de uma força de vontade e de um humor à toda prova, Toni Morrison publica "O olho mais azul" aos 39 anos. Nele, conta a história de uma adolescente negra, uma de suas colegas, que sonha com a beleza das bonecas de olhos azuis e que afunda na loucura, após ser violentada e de engravidar do pai.

"Eu não tinha nada além da minha imaginação, um terrível senso de ironia e um enorme respeito pelas palavras", conta ela.

O reconhecimento chega em 1977 com "Canção de Salomão", e o triunfo mundial, em 1985, com "Amada". Ganhador do Pulitzer, este livro conta a história de uma antiga escrava que matou a filha para que ela não repetisse sua trajetória. Em 2006, foi considerado pelo jornal "The New York Times" o "melhor romance dos últimos 25 anos".

Acostumada com os debates polêmicos, em 1998, em meio ao "escândalo Monica Lewinsky", afirma que Bill Clinton é o "primeiro presidente negro" americano.

"Foi tratado como um negro na rua, já culpado, já criminoso", explicaria essa democrata convicta alguns anos depois.

Ardorosa apoiadora de Barack Obama, no dia seguinte à vitória do republicano Donald Trump na eleição à presidência dos EUA, em 2016, publica na revista "New Yorker" o artigo intitulado "Mourning for Whiteness" ("Luto pela brancura", em tradução livre).

Se, no início, ela se concentra em escrever "para os negros", sua escrita mestiça, folclórica, quer, em um segundo momento, ultrapassar a "obsessão da cor" para atingir o leitor no que ele tem de universal.

"Eu amaria escrever sobre os negros sem ter de dizer que são negros. Exatamente como os brancos escrevem sobre os brancos", gostava de repetir, com sua voz grave, entrecortada pelo riso franco.

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