Djamila Ribeiro dá dicas de como ser antirracista

Filósofa escreveu um manual informações que podem ajudar a reverter o quadro atual do racismo no Brasil

sex, 13/12/2019 - 12:12
Mauro PIMENTEL A pesquisadora e filósofa feminista Djamila Ribeiro durante palesta no evento WOW Festival (Women of the World) no Rio de Janeiro, em novembro de 2018 Mauro PIMENTEL

"Nunca entre numa discussão sobre racismo dizendo 'mas eu não sou racista'...", provoca a escritora Djamila Ribeiro. Em seu 'Pequeno Manual Antirracista' (Companhia das Letras, 136 páginas), publicado no fim de novembro, a filósofa feminista negra busca levar ao grande público, com uma linguagem didática, uma discussão que costuma ficar restrita a círculos acadêmicos e de militância.

"Hoje tem pessoas que até reconhecem o racismo, sabem que o Brasil é racista, mas não pensam quanto que é importante tomar atitudes em relação a isso", explicou, em entrevista à AFP.

Informar-se sobre racismo, ler mais autores negros, reconhecer os privilégios de ter nascido branco, apoiar ações que promovam a igualdade racial nos diferentes âmbitos da sociedade, entre outras ações, pode ajudar a reverter o quadro atual, afirma a acadêmica, de 39 anos, referência do feminismo negro no Brasil.

"O que está em questão não é um posicionamento moral, individual, mas um problema estrutural. A questão é: o que você está fazendo ativamente para combater o racismo?", questiona no livro, de pouco mais de cem páginas.

Inspirado no livro "How To Be An Antiracist", do historiador americano Ibram X Kendi, e citando passagens de autoras de referência, como Angela Davis, Audre Lorde e Bell Hooks, Djamila resume em dez curtos capítulos os principais caminhos para se somar a esta causa, que ganha ainda mais relevância no momento atual de "retrocessos" sociais no governo do presidente Jair Bolsonaro, defende.

Informar-se e questionar o entorno

O primeiro passo é se informar, sugere a autora.

"No Brasil, há a ideia de que a escravidão aqui foi mais branda do que em outros lugares, o que nos impede de entender como o sistema escravocrata ainda impacta a forma como a sociedade se organiza", diz em um dos capítulos.

Essa desigualdade se perpetua e pode ser vista nas estatísticas: apesar de representar 55,8% da população brasileira, os negros e pardos estão sub-representados no Congresso (24,4%) e em cargos de chefia (29,9%), ganham em média salários 73,9% mais baixos e têm 2,7 vezes mais chances de ser mortos do que os brancos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

Apoiar políticas afirmativas é fundamental para reparar estas desigualdades, afirma Djamila, que dá como exemplo a lei de cotas, que desde 2012 reserva à população afrodescendente um número determinado de vagas em universidades públicas.

Para que o acesso a uma educação de qualidade se reflita também no mercado de trabalho, é importante questionar e transformar os ambientes laborais.

"Qual a proporção de pessoas negras e brancas em sua empresa? E como fica essa proporção no caso dos cargos mais altos? (...) Há na sua empresa algum comitê de diversidade ou um projeto para melhorar esses números? Há espaço para um humor hostil a grupos vulneráveis?", pergunta a autora.

Discutir também a "branquitude"

O debate racial costuma se concentrar na discussão sobre as dificuldades que a população negra enfrenta, sustenta Djamila, mas não nos privilégios da população branca, considerados em geral como fruto do próprio esforço e não de um sistema desigual.

"É fundamental discutir a partir da perspectiva daqueles e daquelas que se beneficiam da estrutura racista para enxergar seus privilégios e desnaturalizá-los, entender os lugares sociais" de cada um, afirma.

Após reconhecer seus privilégios, "o branco deve ter atitudes antirracistas", sugere no manual.

"Não se trata de se sentir culpado por ser branco: a questão é se responsabilizar. Diferente da culpa, que leva à inércia, a responsabilidade leva à ação. Dessa forma, se o primeiro passo é desnaturalizar o olhar condicionado pelo racismo, o segundo é criar espaços, sobretudo em lugares que pessoas negras não costumam acessar", acrescenta.

O racismo, conclui a autora, é "um sistema de opressão que nega direitos, e não um simples ato da vontade de um indivíduo. Reconhecer o caráter estrutural do racismo pode ser paralisante. Afinal, como enfrentar um monstro tão grande? No entretanto, não devemos nos intimidar. A prática antirracista é urgente e se dá nas atitudes mais cotidianas".

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