Em 2020,Kipupa Malunguinho silencia em respeito à pandemia

Evento que celebra a religiosidade da Jurema Sagrada e a cultura popular teve sua edição de 2020 cancelada por conta do coronavírus. Um seminário online sobre Malunguinho acontece nesta sexta (18) para compensar a falta da festa presencial

por Paula Brasileiro sex, 18/09/2020 - 14:24
Reprodução/Flickr Kipupa Malunguinho Em 2020, o evento foi cancelado por conta da pandemia do coronavírus. Reprodução/Flickr Kipupa Malunguinho

Há 15 anos, juremeiros e juremeiras de Pernambuco, e de todo o Brasil, ganharam um evento para celebrar a fé e a ancestralidade ligadas ao culto da Jurema Sagrada, religião de matriz indígena, o Kipupa Malunguinho. A festa conta com uma programação formada por atividades religiosas, educativas e artísticas que têm como objetivo celebrar e homenagear essa tradição e seu representante maior, o mestre Reis Malunguinho.

Porém, o ano de 2020 ficará marcado pelo silêncio na mata do Catucá, local onde a festa é realizada, no município de Abreu e Lima, Região Metropolitana do Recife. Em respeito aos protocolos de segurança impostos pela pandemia do novo coronavírus, que proíbem aglomeração de pessoas, o evento não será realizado. 

Realizado pelo Quilombo Cultural Malunguinho e Casa das Matas do Reis Malunguinho, o Kipupa reúne, todos os anos, pessoas vindas de todos os lugares do território brasileiro, tendo contabilizado já 10 mil participantes em uma única edição. O evento, um dos únicos voltados à religiosidade indígena no país, cresceu rapidamente transformando-se em importante ferramenta de manutenção e proteção dessas tradições. "São 15 anos dessa trajetória, de muito sucesso. O Kipupa hoje assume esse lugar dentro do Estado como sendo o maior evento da cultura popular e dos povos tradicionais de Pernambuco, já que não temos mais a Festa da Lavadeira. O Kipupa ocupa essa lacuna que deixou tanta saudade e ele assume no Brasil como sendo um evento do país do povo da Jurema", diz o fundador da festa, Alexandre L’Omi L'Odò, sacerdote juremeiro, historiador e mestre em Ciências da Religião. 

A organização da festa pretendia trazer uma atração nacional e os nomes de Leci Brandão e Rita Benedito foram cogitados. Também seriam celebrados os 90 anos da sacerdotisa Terezinha Bulhões e do Terreiro Xambá. A chegada do coronavírus, no entanto, frustrou os planos não só dos realizadores como dos frequentadores do Kipupa. "Realmente, quando começou a pandemia a gente começou a perder as esperanças porque já imaginávamos que seria impossível aglomerar 10 mil pessoas num contexto de pandemia, então todos os planos foram por água abaixo", lamenta Alexandre.

Alexandre L'Omi L'Odo é um dos idealizadores e fundadores do Kipupa. Foto: Reprodução/Flickr Kipupa Malunguinho

A espiritualidade também se posicionou orientando seus seguidores a não realizar qualquer programação sem a devida segurança. Os filhos, prontamente, obedeceram. "Malunguinho, que é a divindade que tá à frente, ele se manteve apoiando o lado de que não haveria o evento. Ele sempre orientou que a festa se faz a qualquer momento mas o importante nessa hora seria preservar a vida. Foi uma orientação expressa da própria divindade, ele disse que não queria de jeito nenhum, a gente até tentou forçar a barra mas ele bateu o pé e disse que não e a gente respeita primeiramente as vontades dele". 

O Sacerdote explica ainda, que este é um momento delicado, para todos de maneira geral, e que tem sido necessário um certo afastamento de determinadas atividades para que a espiritualidade possa atuar. "Para a Jurema, esse momento tem sido de muito trabalho espiritual já que eles estão recebendo muitas pessoas do outro lado e é preciso orientar os espíritos que estão perdidos lá. Então, nesse momento é importante o silêncio, o resguardo, ficar quieto".

Para 2021, Alexandre ainda não tem qualquer previsão e acha precoce tomar qualquer decisão em relação ao futuro do evento agora. "É muito cedo ainda, não temos vacina nem uma solução viável para a resolução do coronavírus. Em setembro do ano que vem talvez ainda estejamos nesse processo, mas estamos de coração bem tranquilo esperando todo o desfecho dessa situação; apenas rezando muito na Jurema por todos aqueles que estão sofrendo e pedindo muito para q a Jurema e os bons espíritos de luz e os orixás possam abençoar a vida de todos e a gente possa sair dessa situação".   

O evento já chegou a reunir 10 mil pessoas na Mata do Catucá. Foto: Reprodução/Flickr Kipupa Malunguinho

Sendo assim, o Kipupa Malunguinho passará pelo seu 15° ano silenciado, mas não por completo. Nesta sexta (18), acontece o seminário Malunguinho 185 anos vivo na alma de um povo. Aberto a todos os interessados, o evento online vai cumprir a etapa educativa do Kipupa. "Mesmo com a trajetória de quase 20 anos de luta do Quilombo Cultural Malunguinho, que é a instituição que realiza o Kipupa Malunguinho ainda é um grande desconhecido da sociedade e não tem 30% do reconhecimento que Zumbi dos Palmares tem como líder pela luta da liberdade do seu povo. Ele (Malunguinho), é o único líder quilombola que não morreu, ele se manteve vivo no terreiro e se comunica com todos, por mais forte que seja o racismo no Brasil, Malunguinho é o exemplo de superação da vida sobre a morte e a cada ano ele agrega mais e mais pessoas".

O Seminário será conduzido pelo professor titular da Universidade federal de Pernambuco e PhD em História, Marcus Carvalho. A transmissão começa às 20h30, no canal de Alexandre L'Omi no Youtube. Os participantes receberão certificado após a atividade. 

 

 

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