Os brasileiros são os mais ansiosos do mundo
Conhecido mundo afora pela alegria, samba no pé e bom futebol, o Brasil também ficou em primeiro lugar entre as nações com maior percentual de pessoas com algum tipo de transtorno de ansiedade
Transtorno de ansiedade faz vítimas em várias regiões do país. Foto: Chico Peixoto/LeiaJáImagens
A ansiedade é um sentimento natural, parte do repertório de emoções do ser humano e na dose certa, tende a ser proveitosa por garantir até os dias atuais a sobrevivência da humanidade justamente por ativar o medo quando uma pessoa está em situação de alerta. Uma pessoa ansiosa pode estar doente quando o sentimento se torna um transtorno e causa limitações à vida dela.
Pensamentos negativos constantes, fobia social, sensação de medo sem motivo real e preocupação em excesso com o futuro são algumas das características que podem indicar um distúrbio de ansiedade. No corpo humano, a ansiedade é uma sensação decorrente da excessiva excitação do Sistema Nervoso Central consequente à interpretação de uma situação de perigo. É gerada uma descarga de um neurotransmissor chamado Noradrenalina, que é produzido nas suprarrenais, lócus cerúleos e núcleo amigdalóide.
Seja nos ambientes de trabalho, em conversas com os amigos, nos programas de televisão e até no cinema, o assunto se tornou constante nos últimos anos, principalmente entre os brasileiros. O país conhecido mundo afora pela alegria, samba no pé e bom futebol agora também é o mais ansioso do mundo.
Um relatório divulgado em fevereiro de 2017 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre depressão e distúrbios de ansiedade colocou o Brasil em primeiro lugar entre as nações com maior percentual de pessoas com algum tipo de transtorno de ansiedade. De acordo com o levantamento, 9,3% da população sofre com a doença, cerca de 18 milhões de brasileiros. A porcentagem fica bem à frente de outras nações: nas Américas, quem chega mais perto do Brasil é o Paraguai, com uma taxa de 7,6%. Na Europa, a dianteira fica com Noruega (7,4%) e Holanda (6,4%).
Ranking dos dez países mais ansiosos do mundo:
Fonte: Global Burden of Disease Study, 2015 - OMS (Organização Mundial da Saúde)
Ansiedade e medo são sentimentos normais que fazem parte de um mesmo espectro e surgem para que o ser humano se proteja de situações arriscadas com danos físicos e psíquicos. É o que destaca o psiquiatra Amaury Cantilino, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “O organismo produz esse sentimento para você se esquivar dos danos e se preocupar com algo que vai acontecer no futuro. É normal e essencial para a nossa sobrevivência. No entanto, se esse mecanismo que o nosso corpo tem para nos proteger funciona excessivamente, passa a ser prejudicial porque a pessoa ao invés de ser ajudada pela ‘ansiedade’ passa a ser atrapalhada”, explica o pesquisador.
Cantilino chamou atenção para a condição patológica do sentimento. “A ansiedade pode atrapalhar o acometido de diversas formas. Ela provoca um sofrimento significativo, faz com que a pessoa se esquive de situações que ela deveria enfrentar. Os desafios parecem muito maiores do que a nossa capacidade de resolução porque a gente se imagina menor e amplia o tamanho dos problemas. A cabeça da pessoa ansiosa está constantemente diante de desafios insuperáveis e isso transforma o mundo em algo assustador”, complementa.
Amaury indicou que não há um fator isolado para explicar a alta taxa de transtornos de ansiedade entre os brasileiros. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
Ainda de acordo com a OMS, os transtornos de ansiedade atingem um total de 264 milhões de indivíduos no mundo, uma média de 3,6%. O que leva o Brasil a ter uma média de casos tão alta nos últimos anos ainda é uma discussão em andamento. Amaury indicou que não há um fator isolado para explicar a alta taxa de transtornos de ansiedade entre os brasileiros, mas os fatores socioeconômicos, como pobreza e desemprego, e o estilo de vida acelerado no país são possíveis causas desencadeadoras.
Na análise do psiquiatra, a sociedade vive conectada em excesso em seus celulares e as pessoas estão sempre ‘plugadas’ para não perderem a informação. “Conflitos interpessoais são um dos grandes geradores da ansiedade. Seja no trabalho pela cobrança ou na família por uma série de inquietudes. Hoje, o excesso de demanda as quais as pessoas se submetem e a carga de tarefas muitas vezes são maiores do que a capacidade dela de aguentar. Não é que o ser humano não possa dar conta, ele até pode, mas não durante tanto tempo”, aponta Amaury.
Na visão de Nadège Herdy, psiquiatra da Rede de Hospitais São Camilo, a ansiedade já pode ser considerada como o mal do século. "A velocidade com que temos acesso à informação hoje e com que somos cobrados gera estresse, pressão, favorecendo a manifestação da ansiedade. Aliado a isso, nos grandes centros a população acaba se impondo a um número exagerado de demandas, pessoas ‘multitarefas’, que precisam dar conta de vários trabalhos, do trânsito, ter tempo com filhos. Situações estressantes seriam a desigualdade social, pobreza, desemprego, violência, além da preocupação financeira. Elas podem gerar tensão favorecendo a manifestação do transtorno", descreve a médica.
Cada transtorno de ansiedade tem sintomas e um tratamento diferente. São diversos distúrbios e elencamos os principais:
Fobias Específicas: São medos irracionais e específicos de determinado objeto, animal, atividade ou situação. A fobia não apresenta necessariamente uma lógica para seu desenvolvimento. Geralmente é algo que não apresenta perigo real. São comuns a claustrofobia, aracnofobia, agorafobia (medo de ficar sozinho em lugares públicos), acrofobia (medo de altura) e outros.
Fobia Social: Este distúrbio causa extremo desconforto e pavor em situações sociais, como ambiente novos, festas, apresentações em público, reuniões, entre outras. O indivíduo sente mal estar, palpitações, suor excessivo, agitação do corpo, náuseas e medo.
Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG): Esse transtorno ocorre quando a ansiedade persiste por muito tempo e interfere nas atividades do dia a dia. O principal sintoma é preocupação excessiva, constante apreensão, tensão muscular e dificuldade para relaxar.
Síndrome do Pânico: Este é um transtorno de ansiedade no qual ocorrem crises inesperadas de desespero e medo intenso de que algo ruim aconteça, mesmo que não haja motivo algum para isso. A possibilidade de acontecer os ataques de pânico provoca perda de controle e medo de enlouquecer ou ter um ataque do coração. Quem sofre do Transtorno de Pânico sofre crises de medo agudo de modo recorrente e inesperado. O organismo quando vai se preparar para a luta ou fuga, o coração acelera, a musculatura fica mais tensa e a pessoa vai precisar acumular oxigênio para lidar com a situação. Algumas pessoas podem ter esse tipo de reação sem nenhum risco iminente ou fator específico.
Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC): Este é um distúrbio psiquiátrico de ansiedade. O indivíduo apresenta crises recorrentes de pensamentos obsessivos, intrusivos e comportamentos compulsivos e bastante repetitivos, como lavar as mães a cada uma hora, por exemplo. Alguns portadores dessa desordem acham que, se não agirem assim, algo terrível pode acontecer.
A psiquiatra Nadège Herdy destacou também que a incidência da ansiedade aumentou nos últimos anos e é um problema que impacta as pessoas de todas as idades, em especial adultos e jovens. Para ela, o aumento da prevalência de transtornos de ansiedade tem relação "provavelmente" com a velocidade em que recebemos informação e somos cobrados a oferecer informação. "A internet trouxe conhecimento e isso não tem volta nem deve ter, também trouxe benefícios imensuráveis, porém é uma fonte de pressão e estresse se pensarmos na velocidade, na possibilidade de nos comunicarmos com muitas pessoas ao mesmo tempo na quantidade de afazeres que acabamos acumulando", detalha.
A pesquisadora alertou sobre possíveis diagnósticos em pessoas predispostas a ter ansiedade. "A ansiedade tem etiologia multifatorial, portanto pessoas geneticamente vulneráveis a desenvolver transtornos ansiosos, se expostas a situações estressantes ou traumas, poderão evoluir com quadro clínico de ansiedade. Por isso a importância de se falar mais sobre isso e, quem sabe, possibilitar que as pessoas elaborem maneiras de conviver com a velocidade de informação de forma mais saudável", diz a estudiosa.
Não há, no Brasil, pesquisas empíricas especializadas em mapear as origens das ansiedades no país. Sabe-se, no entanto, que a saúde mental dos brasileiros não está nada bem. Um levantamento do 'Datafolha' divulgado em setembro de 2018 mostrou que 78% dos entrevistados estão desanimados com o país, 68% sentem raiva quando pensam no Brasil e 59% têm mais medo do futuro do que esperança.
O médico psquiatra Amaury Cantilino, com 25 anos de carreira, percebeu a crescente demanda de pacientes em seu consultório. Ele exemplifica que as pessoas estão à procura do tratamento porque agora têm mais acesso à informação. "Antes, as pessoas tinham esses transtornos e viviam as suas realidades sem se tratar. Hoje, a sociedade não quer limitações e por isso busca as melhorias. Acredito que os diagnósticos aumentaram pela realidade turbulenta da atualidade, mas não dá para comparar com o passado porque pouco se falava sobre o assunto", indicou.
“Isso é frescura. É coisa de gente sem serviço. Vai lavar uma louça que passa", são frases comumente utilizadas para se referir a pessoas diagnosticadas com doenças mentais.
No mundo existem cerca de 700 milhões de pessoas com transtornos mentais, diz a OMS. Ao mesmo tempo em que os casos de ansiedade crescem nacionalmente, o preconceito contra os padecentes de transtornos e deficiências mentais não cessam.
Em 2018, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) lançou uma campanha contra a 'psicofobia' para alertar as pessoas sobre o preconceito com o assunto. A resistência em procurar ajuda em saúde mental pode ser explicada, em parte, pelo preconceito contra as pessoas que têm transtornos. A psicofobia carrega uma herança de séculos de discriminação contra os doentes mentais ao longo da história.
Reportagem integra o especial “Ansiedade”. Produzido pelo LeiaJá, o trabalho jornalístico detalha como a doença afeta pessoas de todo o mundo, bem como mostra as formas de tratamento. Confira as demais matérias:
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