Insegurança e falta de espaço privam a evolução infantil

Mantidos em casa, os pequenos passam horas em frente à eletrônicos e deixam as brincadeiras de rua de lado. Especialistas destacam a importância de atividades coletivas para o desenvolvimento físico e cognitivo. O LeiaJá conversou com duas avós e fez um comparativo entre gerações

por Victor Gouveia sab, 12/10/2019 - 08:01
Júlio Gomes/ LeiaJá Imagens Lorena Cecília divide a cozinha com a vovó Irani Júlio Gomes/ LeiaJá Imagens

A amarelinha tornou-se raridade, as bolas de gude começaram a rolar pelo tapete da sala e o interesse em jogos coletivos deu lugar aos olhos afixados em um aparelho celular. Hoje, a juventude convive com as contrariedades da tecnologia e perde no quesito liberdade.

 

 

 

 

Enclausurada pela insegurança, a infância nas ruas foi suplantada pelas brincadeiras dentro dos limites da própria casa. Em entrevista ao LeiaJá, duas avós relembraram do tempo em que eram criança e o comparam a atual diversão dos netos. Muito tempo em casa reduz o contato com outros da mesma idade, enquanto o acesso ao mundo globalizado força uma ‘maturidade’ precoce.

 

 

 

 

 "Na minha época a brincadeira era mais na rua do que dentro de casa. A gente brincava de esconde-esconde, queimado e pulava corda", relembra dona Irani Oliveira, de 43 anos. Ela foi criada pela avó -que não tinha tempo para tanta atenção- e hoje cuida dos dois netos: Lorena Cecília e Samuel Henrique, de cinco e um ano, respectivamente.

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Entre um afazer doméstico e outro, dona Irani prepara a pequena para a escola, ao passo que a história da sua infância se repete. Sem muito tempo, ela destina os eventuais momentos de descanso para brincar com Lorena. "Às vezes eu brinco com ela de boneca, mas não sou muito de brincar não", revela. A avó também apontou a motivo para a privação da garota é a criminalidade, "ela brinca na rua as vezes, mas só com a gente. A gente não deixa ela só na rua não", ressaltou.

Distante dos eletrônicos, que eram possuídos "só por quem tinha dinheiro", ela acredita que a neta tenha uma 'vida melhor'. " Na minha [infância] não tive nada disso. Hoje ela tem tudo, celular, tablet [...]", destacou. Se por um lado a criança está restrita aos limites da casa, por outro, o mundo imaginário de Lorena é ampliado e traz leveza ao ambiente, admite a avó. 

A falta de espaço aguça a percepção da pequena, que acaba copiando atitudes dos adultos que a rodeiam. Ela prepara sua 'comidinha' ao tempo que cuida das 'filhas' e dá bronca em Samuel, que desorganiza toda sua cozinha. Lorena não sabe, mas já tem uma vida de dona de casa, logicamente sem o peso das obrigações, mas seguindo um histórico de competências domésticas.   

“Vou perguntar ao Google vovó”

Na casa da Família Buarque, Sophia, de 12 anos, e Miguel, de 7, também entendem que a rua é um ambiente 'arriscado'. "Hoje em dia é tanta violência[...] como é que os meninos vão brincar na rua? A pessoa fica com tanto medo que nem pode mais brincar", relata a avó Luziara Buarque, de 55. Ela é do tempo que a garotada se reunia para brincar solta, "a gente brincava de tudo, de bola de gude, de vôlei, pião... não tinha isso de menino e menina não".

 "Em casa eles [os netos] brincam de dominó, de Uno... eles são muitos tranquilos. Conversam muito por que perguntar é com eles mesmo”, pontuou. “Quando digo que não sei, eles dizem 'ah vovó, eu vou perguntar ao Google que ele sabe de tudo", brinca Luziara.   

Brincadeira é o treinamento para o futuro do indivíduo

"Uma criança que fica dentro de casa não desenvolve tão bem quanto uma criança que brinca na rua. O universo da brincadeira permite o desenvolvimento de uma forma que, a criança presa a um eletrônico não tem. Porque ela não tá interagindo com ninguém e fica ali, isolada, brincando sozinha", destacou Magaly Vilarim. Para driblar a insegurança fora de casa, a psicopedagoga sugere brincadeiras saudáveis, que envolvam o progresso físico e cognitivo.

Dessa forma, a diversão nas ruas funciona como um treinamento para as futuras relações interpessoais, além aprimorar a oralidade e a coordenação motora. "É através da brincadeira que ela vai aprender a se frustrar; a ganhar ou perder. Na rua ela também tem a possibilidade de desenvolver relações sociais e adquirir autonomia para desenvolver o sentimento de empatia[...] quando outra criança perde e fica triste, ela vai lá e consola", detalha a especialista. 

A participação dos pais é fundamental

A diversão na rua também é uma aliada contra índices de obesidade e glicemia; além de impulsionar o desenvolvimento ósseo e muscular, que muitas vezes é esquecido pela falta de estímulos e acaba criando indivíduos inativos. "Com o avanço da tecnologia elas ficaram muito mecanizadas a utilizar telas, onde criam vícios posturais. Vale lembrar que o esporte não é apenas para alto rendimento, é uma ferramenta de aprendizado que deve ser inserida desde cedo", destaca o personal trainer especializado em atendimento infantil, Tulyo Cezar.  

As atividades neuro motoras ou condicionantes, envolvem simples exercícios de habilidades, como saltar, agachar e correr. Tais práticas podem estar aliadas a tecnologia, como sugere o profissional, "é importante a escolha de games que reproduzam movimentos de esporte ou exercícios de dança, para que as crianças gostem e criem o hábito", sugeriu. 

Ele também enfatiza uma linguagem acessível aos pequenos e a participação dos responsáveis. "A participação dos pais nesse processo é fundamental. Dentro de casa, eles podem usar travesseiros para criar espaços onde as crianças saltem, rolem e agachem. Sempre estimulando com sorriso para que ela aprenda da forma mais divertida", aconselha.

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