Denúncia: Suape destrói casas e patrimônio de posseiros

Mesmo após inauguração da Fábrica Aché na região dos Engenhos Ilha e Jurissaca, no Cabo de Santo Agostinho, 41 posseiros expulsos de suas terras seguem sem receber indenizações

por Marília Parente sab, 14/03/2020 - 15:25
Rafael Negrão/cortesia Posseiros, diante da fábrica Aché, seguram mapeamento da empresa em que constam seus nomes Rafael Negrão/cortesia

 

Foi preciso que a reportagem caminhasse quase três horas para percorrer a trilha que liga os engenhos Ilha e Jurissaca, no Cabo de Santo Agostinho. Cerca de dez posseiros nos convidaram a conhecer o perímetro depois que o Complexo Industrial Portuário de Suape iniciou uma nova onda de demolições de casas e remoções de cercas de arame e estacas que demarcavam as propriedades de agricultores instalados nas terras, localizadas no entorno da recém-inaugurada fábrica dos laboratórios Aché.

O empreendimento, inaugurado em outubro de 2019, motivou uma série de desapropriações, sendo 41 delas ligadas a famílias que ainda não receberam indenização. Com a destruição da estrada de acesso à zona rural, encerrada agora por muros gigantescos, o caminho para as propriedades tornou-se um suplício. Mata adentro, uma trilha aberta pelos próprios posseiros não dá passagem para carros ou motos. Só se passa a pé.

Diante do amontoado de tijolos que por 30 anos foi a casa que garantiu a subsistência de sua família, o posseiro José Severino dos Santos, de 64 anos, conta que apenas assistiu, de longe, à derrubada do imóvel. “Não encostei por medo. Cheguei no terreno e vi de longe. Era um grupo de seis homens (segurança privada de Suape) com martelos, marretas e picaretas, derrubando a casa da minha irmã”, conta. Se no passado a área era repleta de vizinhos e de chão bom para o plantio de batata, macaxeira, maxixe e milho, agora apenas um enorme descampado circunda os destroços da casa. “Indenizaram todos os terrenos ao redor desse, menos a gente e minha irmã ficou sozinha. Depois, apareceu um gado que ninguém sabe de quem é e destrói tudo. Eles vão isolando, para a turma correr”, conclui.

Mas correr para onde? Desde que foi expulsa das terras em que morava e trabalhava, a posseira Maria Joseilda da Silva precisa enfrentar 12km todos os dias para plantar e colher feijão, no Engenho Jurissaca. “O nosso terreno era no Posto do Padre, o que aconteceu foi que me chamaram para fazer o acordo e nunca pagaram a indenização. Ninguém vive de boniteza nem de brisa e preguiça de trabalhar eu não tenho”, comenta.

Maria Joseilda: "não posso é deixar meus filhos morrerem de fome". (Rafael Negrão/cortesia)

Mesmo em época de colheita farta, Maria não apura mais do que R$ 60 por semana, somando, nos melhores meses, a renda de R$ 240, com a qual sustenta três filhos. “Sou viúva e o INSS cortou a pensão que eu recebia do meu marido. Queria perguntar ao governador qual foi o desenvolvimento que ele trouxe para cá, porque meus filhos estão todos desempregados. A gente vê povo trabalhando na fábrica, mas ninguém daqui”, critica. Por vezes, a agricultora, é obrigada a trabalhar sob a observação da segurança privada de Suape. “Ficam ali debaixo de um pé de azeitona, perguntando se venho sozinha, se tenho medo, se tenho marido...Eles dizem que não posso plantar, mas o que não posso é deixar meus filhos morrerem de fome”, argumenta.

Vista com admiração por outros posseiros e constantemente descrita como uma mulher dotada de uma coragem “que muito homem não tem”, Maria foi uma das agricultoras realocadas para uma nova área depois de uma onda de expulsões executadas a mando de Suape, há cerca de dois anos. “Os posseiros acabaram ficando muito distantes uns dos outros e reagrupá-los para que eles se fortaleçam foi nossa estratégia”, explica Vera Lúcia Melo, presidente da Sociedade de Pequenos Agricultores de Ponte dos Carvalhos.

Milícias a serviço de Suape?

Durante trilha que liga engenhos, é possível notar os resquícios de estacas arrancadas. (Rafael Negrão/cortesia)

Com uma garrafa em uma das mãos e algumas frutas na outra, o posseiro José Amaro Bezerra, de 68 anos, é um dos muitos idosos que acompanham nossa equipe pelo entorno da Fábrica Aché. Com a camisa encharcada de suor, em determinado momento do percurso ele aponta para uma fileira de tocos de madeira teimosamente cravados no chão. “Vieram (vigilantes de Suape), derrubaram as estacas e aí falei que eram minhas. Eles disseram que se eu estivesse certo, iam devolver o material. Ainda perguntaram se eu tinha medo de ficar aqui”, lamenta Bezerra.

Tal experiência parece comum aos demais posseiros. Isolado graças à derrubada das casas de todos os vizinhos, a mobilidade comprometida e a energia elétrica cortada, Bezerra foi impossibilitado de permanecer no terreno onde viveu pelos últimos trinta anos. Sobre as motivações que teriam levado sua a família a ser a última a deixar o local, após a saída e indenização de todos os vizinhos, Isaneide Bezerra, filha do posseiro, conclui: “até hoje, me pergunto o porquê, mas só acho que o que Suape quis fazer foi nos intimidar”.

Base de casa de posseira destruída por Suape já em 2020. (Rafael Negrão/cortesia)

Agricultora aponta resquícios de estrutura de alojamento derrubada. (Rafael Negrão/cortesia)

Além de cortar as estacas, agentes da vigilância do complexo industrial teriam ainda derrubado as cercas feitas com o arame adquirido por Bezerra, com seus próprios recursos financeiros. “Agora estamos nos virando nos trinta, porque meu marido é pescador e há três meses está doente. Para não cruzar os braços, faço artesanato. Pagava aluguel até domingo (três dias antes da entrevista), hoje estou morando em uma invasão”, desabafa Isaneide.

No dia 16 de novembro de 2019, família Bezerra foi uma das que registrou Boletim de Ocorrência contra Suape. “No dia quinze de outubro do ano em curso, pelo período da tarde, foi abordado em seu sítio, por cinco elementos desconhecidos, os quais pertenciam ao corpo funcional de Suape, sendo que três estavam em uma caminhonete e dois motorizados e armados”, comunica o documento. Além deste, a reportagem do LeiaJá teve acesso a mais seis BO’s feitos por posseiros dos engenhos Jurissaca e Ilha, entre março de 2017 e janeiro deste ano. Em cinco das ações, é mencionada a presença de Romero Correia da Fonseca, chefe de segurança de Suape. Ele também é denunciado por portar armas de fogo, assim como membros da vigilância particular do complexo.

Em um vídeo gravado neste ano, Romero discute com Vera Lúcia de Melo, que tenta impedi-lo de deixar o Engenho Ilha após a demolição da base da casa de uma moradora. É possível assistir ao momento em que ele, a bordo de uma caminhonete com a logomarca de Suape, arranca com a carroceria repleta de estacas. “Eu tive uma prova tremenda do que é ser mulher negra e liderança. Tive que parar o carro com ele acelerando e colocando o veículo para cima de mim. Para ser bem educada, vou colocar ele como sendo um cara desumano, desprezível”, define Vera, que, devido aos conflitos em Suape, integra o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PEPDDH), desde 2016.

Segundo relatos de moradores da região que preferem não se identificar, durante as ações de remoção, Romero costuma se utilizar de armas de fogo para intimidar a população, identificando-se como policial. O LeiaJá pediu esclarecimentos à Polícia Civil a respeito da conduta do chefe de segurança. Por meio de assessoria de imprensa, a instituição disse que não confirmaria se Romero é policial ou não, alegando que assim respeitaria a Lei de Abuso de Autoridade. A reportagem localizou, contudo, em um Boletim Interno de Serviço da Polícia Civil de Pernambuco, datado de 11 de abril de 2008, o comunicado de aposentadoria de um escrivão chamado Romero Correia da Fonseca, que atuou por 33 anos na corporação.

Romero Fonseca é flagrado levando estacas de posseira em carro de Suape:

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Carlos Gomes, membro do Departamento Jurídico do Sindicato dos Vigilantes de Pernambuco (SINDESV-PE), defende que Suape utiliza indevidamente os profissionais de segurança particular, terceirizados da empresa Servi-san. “O vigilante é treinado e formado para tomar conta do patrimônio a que presta serviço. Ele não tem autorização para se meter em conflitos da empresa, para ir até a casa daquele posseiro. O porto alega que a terra é deles e o trabalhador fica no meio dos conflitos da empresa”, explica. Gomes acrescenta que o vigilante pode sim utilizar armas de fogo no perímetro que está autorizado a atuar.

A Polícia Federal, por meio da Delegacia de Controle de Segurança Privada (Delesp), é o órgão responsável por fiscalizar a atuação dos serviços de segurança privada. Por meio de assessoria de imprensa, a instituição informou que, no ano de 2011, realizou diligências na área, verificando o envolvimento de vigilantes na derrubada de imóveis. Como consequência, a empresa “Servi-san Vigilância e Transporte de Valores foi autuada e, ao final, cancelada punitivamente”. A PF colocou ainda que não estava ciente das novas denúncias, as quais irá apurar e, caso sejam confirmadas, poderão motivar “eventual punição sobre a empresa de segurança de privada”.

À esquerda, José Severino dos Santos, que se escondeu ao avistar funcionários de Suape derrubando a casa de sua irmã. (Rafael Negrão/cortesia)

No dia 2 de fevereiro de 2015, foi aberto pela 3ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania do Cabo de Santo Agostinho, do Ministério Público, um procedimento preparatório voltado para a atuação de milícias armadas a serviço de Suape. A ação- que levou em consideração os relatos líderes comunitários dos Engenhos Massangana, Vila Tatuoca, Boa Vista, Ilha, Serraria, Tabatinga e Algodoais- notificou a empresa a se manifestar em um prazo de 15 dias. A despeito das fotografias e evidências anexadas ao documento, Suape negou envolvimento nas ações criminosas. “Precipuamente, reitera-se que inexiste por parte desta Empresa Pública, quer por seus funcionários ou prestadores de serviços, qualquer ato truculento ou fora da legalidade, sobretudo quanto ao tratamento dispensado às famílias residentes no Complexo", respondeu a empresa, em 20 de março de 2015.

“Meu pai teve um AVC três dias depois da reunião com Suape”

Aos 63 anos, Severino Florêncio Filho travou sua última batalha contra Suape. O agricultor assistiu, um a um, à saída todos os vizinhos da qual havia tirado o sustento de sua família pelos últimos 30 anos. Com os oito filhos crescidos, sua principal companhia passou a ser uma pergunta: por que apenas ele não havia sido indenizado? “Ele ficou ‘aperreado’ de não ter uma resposta. Meu pai teve um AVC três dias depois da última reunião com Suape”, conta Walkíria Florêncio.

Walkíria diante do terreno que foi a roça em que cresceu. (Rafael Negrão/cortesia)

Um dos mais próximos ao muro da Fábrica Aché, o terreno inabitado logo se transformou em um enorme matagal. “O sentimento é de tristeza, a gente lembra tudo que viveu aqui. Com tanto dinheiro, não pagam a indenização. Para fazerem o que eles querem com as terras e a gente seguir nossa vida”, conclui Walkíria.

O nome de Severino Florêncio Filho é o 34º, dentre outros 43, a aparecer em um estudo cartográfico feito por Suape, em março 2019, sobre a localização dos ocupantes das terras que circundam fábrica Aché. O documento em si, aliás, é a melhor evidência de que a empresa reconhece a existência dos remanescentes que ainda não receberam suas indenizações.

Mapa de Suape em que constam nomes de posseiros que ainda não foram indenizados. 

No dia 28 de fevereiro de 2019, um novo procedimento foi aberto, desta vez, para apurar o não pagamento das indenizações de posseiros removidos de suas casas por Suape. A ata da reunião anexada ao documento, promovida pelo MPPE no dia 22 de janeiro do mesmo ano, registra a denúncia feita pelos posseiros a respeito de um laudo das benfeitorias de suas terras realizado pelos funcionários de Suape, que retiraram as mudas e plantações sob a promessa de pagamento da indenização em um prazo de noventa dias. Sete anos depois, os agricultores seguem sem receber o dinheiro.

O relatório “Complexos Industriais e Violações de Direitos”, publicado pela Plataforma de Direitos Humanos Dhesca Brasil em 2018, denuncia que as indenizações oferecidas por Suape costumam ser incompatíveis com o que é estabelecido pela Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape). “Mais de 12 laudos de avaliação do valor indenizatório de sítios desapropriados na localidade precisaram ser refeitos graças ao trabalho da Associação de Pequenos Agricultores de Ponte dos Carvalhos”, expõe o documento.

Pequenas passagens de pau precariamente instaladas pelos posseiros para criar acesso às terras. (Rafael Negrão/cortesia)

O LeiaJá solicitou entrevista com a atual promotora responsável pelo caso, Evânia Citian de Aguiar Pereira. O MPPE, contudo, disse que se manifestaria por meio de nota. Apesar da supracitada relação de posseiros a serem indenizados feita pela própria Suape, a instituição afirmou que “instaurou um procedimento para investigar quantas pessoas estão sendo atingidas pela construção do laboratório Aché, no complexo industrial de Suape, e a quantificação desse dano causado a elas”. O posicionamento menciona ainda uma reunião feita no dia 16 de agosto de 2019, com a presença de representantes do laboratório Aché, de Suape, do Fórum Suape, e a presidente da Sociedade dos Pequenos Agricultores. “Na ocasião, ficou acordado que o Fórum Suape deveria apresentar quais eram as pessoas atingidas pela construção do laboratório Aché, bem como a quantificação do dano por elas sofrido. A solicitação foi respondida no dia 28 de janeiro de 2020, por meio da coordenadora do Fórum Suape Espaço Socioambiental, Kássia de Souza. Porém, não foi informada a quantificação do dano causado, assim, o Ministério Público requereu mais diligências”, conclui o posicionamento.

Vera Lúcia Melo critica a morosidade da atuação da instituição. “A gente apresenta provas, dá toda a situação para ela, documentos, vídeos, foto e ela continua pedindo mais, já faz mais de um ano”, queixa-se.

História

Vera chama atenção para o grande tempo de ocupação das comunidades que habitam o entorno da fábrica Aché. “A gente se considera comunidade tradicional. O Engenho Ilha foi fundado em cima da cana de açúcar, as famílias que residem nesse arruado sempre trabalharam com agricultura”, comenta. A ata de fundação da Sociedade dos Pequenos Agricultores de Ponte dos Carvalhos, de 22 de maio de 1988, é um indício da longevidade da ocupação dos trabalhadores na área que circunda a fábrica Aché. Outro documento, um termo de recebimento da Associação dos Agricultores de Suape, atesta, em dois de novembro de 1990, que a então Diretoria de terras e Cartografia (DTC) da Secretaria de Agricultura do Estado de Pernambuco chegou a concluir um estudo topográfico na área denominada de Suape- II, correspondente aos engenhos Ilha, Cedro, Jurissaca e Boa Vista.

Na ocasião, o próprio estado de Pernambuco demarcou 265 lotes e áreas comunitárias, tendo ainda apresentado as divisas das regiões a seus ocupantes. "Declaramos que os serviços foram concluídos a contento e que as áreas onde os candidatos não compareceram, trocaram de lotes ou ocupam partes de lotes, terão seus problemas resolvidos pela própria associação juntamente com a direção de Suape. Sendo assim, a diretoria da associação abaixo assinada, dá como recebido os trabalhos de demarcação dos lotes supracitado (sic)", conclui o documento, assinado também por Suape e DTC.

Enorme, Muro da Fábrica Aché obriga posseiros a fazer caminho ainda maior para chegar às pequenas plantações. (Rafael Negrão/cortesia)

A Superintendência do Patrimônio da União (SPU) confirmou a posse de parte das terras correspondentes ao engenho Ilha, as quais tipifica como “terreno de marinha”. As terras estão regularizadas, por direito de ocupação, em nome de Suape. Sobre o Engenho Jurissaca, a instituição afirmou que seria necessário informar alguma localização exata, com endereço completo, pois “usando somente a denominação não foi possível identificar no sistema”.

Suape nega acusações

Por meio de nota, Suape negou que tenha ordenado a derrubada de casas de posseiros, confiscado objetos de posse de terceiros ou se utilizado de vigilantes portando armas de fogo para intimidar a população. A empresa ainda afirmou que não possui quaisquer pendências em relação a indenizações a posseiros.

Confira a nota na íntegra:

“Pela Lei 10.406/2002 (Código Civil), Suape tem a obrigação de impedir invasões no território com o objetivo de proteger o patrimônio público. Se identificarmos o momento em que um imóvel está sendo construído, devemos agir imediatamente, impedindo a continuidade da obra. Quando a invasão é detectada posteriormente, nós entramos na justiça solicitando reintegração de posse.  Pode ocorrer de sermos convocados pelo Ministério Público a participar da reintegração de posse. Mas, sem ordem judicial, Suape não interfere em moradias já consolidadas.

Vale salientar que o Complexo de Suape foi concebido com um grande território (mais de metade dele de área preservada) por um motivo. Se o porto sofre pressão urbana, ele perde sua capacidade de crescer, de acompanhar as novas demandas do setor, de ser competitivo e de gerar novos empregos e renda para a população. São 23 mil empregos gerados no território, atualmente. E temos capacidade para gerar muito mais.

Com relação aos Engenhos Ilha e Jurissaca, Suape negociou a saída de 126 famílias dessas áreas e todas elas foram indenizadas e tiveram a opção de escolher uma casa no Conjunto Habitacional Nova Vila Claudete ou cinco hectares de terra em assentamentos rurais. Outras 43 famílias solicitaram indenização para sair da área, mas essa questão não foi negociada por Suape, portanto, não procede a informação de pendências em indenizações.

As equipes de segurança de Suape que atuam no controle territorial trabalham sem armamento e com identificação. E qualquer material recolhido pela equipe fica à disposição dos proprietários.

Nenhum boletim de ocorrência de truculência foi gerado na atual gestão, iniciada em janeiro do ano passado.  E orientamos a população que qualquer comportamento indevido seja registrado, para que possamos apurar o fato e tomar as medidas cabíveis.

Sobre a empresa Ache, o empreendimento ainda não teve sua planta concluída e está em obras.

Por fim, destacamos que nos últimos dias temos visto uma série de vídeos antigos circulando nas redes sociais como se fossem novos, justamente no momento em que Suape desenvolve projetos socioambientais nas comunidades consolidadas do território. Diante disso, registramos o interesse e a prática da atual gestão em manter o diálogo com as comunidades e fomentar a economia e a melhoria da qualidade de vida das famílias consolidadas no território”.

“Piada de mal gosto”

Vera Lúcia, presidente da Sociedade de Pequenos Agricultores, integra o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PEPDDH), desde 2016. (Rafael Negrão/cortesia)

Vera Lúcia de Melo classifica a resposta de Suape como uma “piada de mal gosto”. “Em algumas áreas do Engenho Ilha não indenizaram ninguém, somando com Jurissaca faltam 41 famílias. Ninguém é invasor”, comenta. Sobre a colocação de que a empresa não interfere em moradias já consolidadas sem reintegração de posse junto ao Ministério Público, a advogada do Fórum Suape- que defende os interesses dos posseiros- Mariana Vidal lembra que a própria Suape já afirmou, em ofícios encaminhados à justiça, que se utiliza do desforço imediato. “Esse é um instituto de autotutela, utilizado quando a própria parte que supostamente teve um direito violado não precisa recorrer ao judiciário para reaver sua coisa. A violação seria tão recente que a parte teria o direito de reaver a área supostamente invadida”, acrescenta.

Vidal reitera que os primeiros posseiros ocupam as terras há pelo menos trinta anos. “Isso confere a eles o direito de usarem o terreno como bem entenderem, contato que isso não fira a lei. Se os posseiros querem construir uma casa, uma cerca, dentro da área onde eles exercem a posse, podem fazer isso. Só que Suape se acha no direito de destruir qualquer construção nova, mesmo quando elas estão em terrenos de famílias que exercem a posse há muito tempo”, completa.

Fábrica Aché, no Engenho Jurissaca. (Rafael Negrão/cortesia)

A advogada critica ainda a falta de diálogo com a comunidade durante o processo de instalação da Fábrica Aché, que reforçou um longo processo histórico de invisibilização desses agricultores. “A Aché alega que não tinha conhecimento da existência de famílias no local. O estudo ambiental que embasou o processo de licenciamento ambiental não menciona nenhuma delas, então, consequentemente, não prevê medidas compensatórias e mitigadoras dos impactos que irão recair sobre essa comunidade, tanto oriundos da instalação quanto da operação do empreendimento”, conclui Mariana.

Também advogada do Fórum Suape, Luísa Duque argumenta ainda que Suape chegou a fazer a contagem das benfeitorias dos terrenos, o que gerou nos posseiros grande expectativa da indenização. “Até porque a forma como a empresa procedeu com as indenizações e os reassentamentos de parte da comunidade foi de forma a tornar os sítios remanescentes isolados, deixando a vida das pessoas insegura”, declara. Vidal complementa: “E, agora, tudo que a comunidade quer é ser indenizada para sair de lá. O Ministério Público não tem feito nada em relação a isso, enquanto as pessoas vão ficando idosas e tentando sair da área por conta própria”.

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