Médicos são investigados por distribuir hidroxicloroquina
As caravanas estão sendo montadas nas periferias do Recife. O projeto Doutores de Verdade é promovido pela deputada estadual Clarissa Tércio (PSC), que usou metade do salário para adquirir os medicamentos
O Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe) instaurou um procedimento para investigar a caravana "Doutores de Verdade". O programa, com apoio da deputada estadual Clarissa Tércio (PSC), vem receitando e distribuindo a hidroxicloroquina de graça em comunidades do Recife.
Em nota, o Cremepe informa que a apuração está regida pelo Código de Processo Ético-Profissional (CPEP) estabelecido pela resolução CFM nº 2145/2016. O procedimento corre em sigilo processual para não comprometer a investigação.
Os "Doutores de Verdade" têm feito ações nas periferias da capital. Os locais das caravanas têm sido divulgados nas redes sociais da deputada Clarissa Tércio. "Participei de uma ação com médicos voluntários: Dr. Antônio Aguiar, Dra. Ana Emília e Dra. Terce, que estão atendendo a população com muito amor, competência e hidroxicloroquina", escreveu a deputada em uma das publicações.
A hidroxicloroquina não teve resultados comprovados contra a Covid-19 pela comunidade científica. O mais recente estudo sobre o tema, desenvolvido por médicos de Nova Iorque e publicado no New England Journal of Medicine, aponta que o medicamento pode não ser eficaz, após não serem encontradas diferenças significativas de mortalidade dos que foram administrados com hidroxicloroquina para os que não foram. Os grupos testados com a medicação tiveram maior incidência de ataque cardíaco.
Em um vídeo publicado nas redes sociais, a parlamentar pergunta ao Dr. Antônio Aguiar, integrante da caravana, sobre a eficácia da substância. "(...) Medicação essa reconhecida pela sua segurança e eficácia. Ela está no rol da OMS como uma das medicações essenciais em qualquer sistema de saúde e de qualquer país. No momento, vários trabalhos na literatura mundial têm saído mostrando a sua segurança e a sua eficácia no tratamento do coronavírus", diz o médico, omitindo, entretanto, os estudos que apontam na direção contrária e o fato de que o medicamento é considerado seguro para o tratamento de outras enfermidades e não da Covid-19.
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) também solicitou que o Cremepe informe quais providências foram tomadas a respeito da denúncia de distribuição de medicamentos nos 'consultórios itinerantes'.
Em coletiva na quarta-feira (13), o secretário estadual de Saúde, André Longo, deu indícios de estar ciente da situação e lamentou a distribuição dos medicamentos. "A gente lamenta muito que algumas pessoas tenham passado a distribuir a hidroxicloroquina em alguns lugares inadequados. Acho que isso já está sendo alvo de investigação do Conselho Regional de Medicina porque tinha participação, infelizmente, de alguns profissionais de saúde, inclusive médicos, em um programa que precisa ser melhor avaliado para que a gente possa ter as mínimas condições de segurança na utilização de medicamentos como esse".
Na segunda-feira (11), a advogada Dani Portela, do PSOL, protocolou uma denúncia no MPPE, na ouvidoria do Cremepe e na comissão de saúde da OAB-PE para que a caravana fosse investigada. "Não é com achismos, fake news e falsas esperanças que iremos superar a Covid-19", ela escreveu. A deputada Clarissa Tércio rebateu nas redes sociais. "O Psol me denunciou por estar 'distribuindo' cloroquina nas comunidades. Se eu tivesse distribuindo maconha, certamente seria aplaudida por eles. Ou pílulas abortivas...", comentou a deputada.
Tércio divulgou ter direcionado metade de seu salário para a compra do medicamento. "Já que o Governo não tem sido transparente quanto ao uso da hidroxicloroquina nas unidades de saúde e diante da urgência de quem necessita, resolvi doar o medicamento para salvar vidas", afirmou. Nos comentários das postagens da parlamentar, muitos internautas têm pedido acesso ao medicamento e parabenizado a deputada.
Os 'Doutores de Verdade' estiveram em Casa Amarela, na Zona Norte do Recife, na segunda-feira (11). Cerca de 150 pessoas foram atendidas.
Na terça-feira (12), o ministro da Saúde, Nelson Teich, escreveu no Twitter que a cloroquina tem efeitos colaterais e que a prescrição deve ser feita após avaliação médica e com termo de consentimento do paciente.