Pernambuco sofre as dores dos 6 meses da Covid-19

Estado registra mais de 136 mil casos e o número de mortes passa de 7 mil. Sem máscaras, lotando praias e bares, algumas pessoas parecem que não temem os efeitos da doença

por Jameson Ramos sab, 12/09/2020 - 17:44
Prefeitura do Cabo/Divulgação Situação pandêmica ainda não está sob controle Prefeitura do Cabo/Divulgação

Neste sábado (12), Pernambuco completa seis meses desde que os primeiros casos da Covid-19 foram confirmados. O que começou com um casal que testou positivo quando veio da Itália, se multiplicou para 136.413 pessoas contagiadas e 7.852 mortes, tudo provocado pelo novo coronavírus. 

A técnica de enfermagem Edvane Márcia de Lima, 35 anos, que atua no combate à Covid-19 desde o início da pandemia, lembra que os casos confirmados do novo coronavírus cresceram muito rápido, principalmente na capital pernambucana que, por conta das dificuldades do sistema de saúde do Estado, acaba sendo responsável pelo atendimento de diversas pessoas que chegam de outros municípios de Pernambuco.

Atuando no hospital de campanha do Recife, localizado no bairro dos Coelhos, localizado na região central da cidade, desde o dia 20 de abril, Edvane relembra como era trabalhar contra o que, na época, ainda era desconhecido. “Quando começou mesmo foi que veio o impacto, e quando a gente foi para o hospital de campanha, a gente passava na enfermaria tinha dez pacientes, no outro dia tinha 20, e só vendo os casos aumentando. Chegou uma época em que a gente pensou que iria chegar a 100% de lotação do hospital porque foram muitos casos”, descreve a profissional da saúde.

“Teve um dia que a gente se assustou porque foram 13 óbitos de uma vez só. Chegou um momento que a gente estava tratando o óbito como se fosse uma coisa natural. Quando tinham dois óbitos, a gente dava graças a Deus, quando na verdade a gente tinha que torcer para não ter nenhum. Infelizmente, aquilo começou a ser normal”, complementa Edvane.

Foto: Divulgação/Prefeitura do Recife

O pico de mortes e contaminação da Covid-19 aconteceu no mês de maio, quando 3.082 pessoas perderam a vida para o vírus. A evolução da Covid-19 em Pernambuco foi tão rápida que quase dois meses depois dos primeiros casos, no dia 31 de maio deste ano, o Estado totalizava 34.450 pessoas infectadas e 2.807 mortes provocadas pelo novo coronavírus.

A dificuldade foi tamanha que a técnica de enfermagem Lariza Rodrigues Lopes, 28 anos, que também atuou no hospital de campanha localizado nos Coelhos até o mês de agosto, precisou de um suporte psicológico para se manter firme no combate contra o novo coronavírus. “No início eu sofri muito de ansiedade por não poder ver a minha família e também por não saber o que fazer. Até hoje eu não vejo os meus pais porque são do grupo de risco. Eu chegava em casa e perguntava: ‘será que eu estou doente?’. Essa pergunta ainda vem à tona, porque a gente não faz o teste, porque o Governo só libera os exames para quem tem sintomas. Como eu nunca tive sintoma, nunca fiz o exame. Por isso, eu fico com receio de pegar em alguém ou conversar”, explana.

Pesquisadores da área de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília e do Hospital Universitário de Brasília apontam que o medo intenso de se infectar, de contaminar e de serem estigmatizados como transmissores da doença por parte da população são fatores que aumentam os níveis de estresse desses profissionais da saúde. Dados preliminares da pesquisa apontam que, entre os três distúrbios analisados, a ansiedade é a que mais afeta os trabalhadores da saúde, sendo parte disso o medo de contaminar familiares que moram na mesma residência.

“Eu não consegui manter o meu psicológico, porque comecei a ter crises de ansiedade, sem saber o porquê. No hospital, eles disponibilizaram uma sala de psicologia para os pacientes e funcionários. Tinha dias que você pensava assim: ‘poxa, tanta quantidade de respiradores que foram usados, será que foram tantos óbitos que aconteceram?’ A gente começou a ficar em pânico em ver tanta gente morrendo”, aponta a técnica de enfermagem Edvane.

Mesmo diante de toda essa dificuldade dos profissionais e do número de contaminados e óbitos provocados pela Covid-19, Pernambuco avança nas fases de flexibilização para o convívio com o novo coronavírus. A última etapa anunciada pelo Governo de Pernambuco autorizou a retomada dos comerciantes nas praias da Região Metropolitana do Recife, nas vésperas do feriado da Independência do Brasil.

Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

Essa liberação colaborou para que as praias fossem tomadas por parte da população, que parece não se importar mais com a pandemia da Covid-19. De ponta a ponta da faixa de areia das principais praias da Região Metropolitana do Recife, o que não faltava era gente sem proteção, o que aumenta o risco da disseminação do vírus.

“A gente que está na linha de frente sabe que não é uma gripezinha qualquer e as pessoas estão saindo nas ruas sem máscara. As praias no dia 7 de setembro lotadas, com o povo perdendo a noção do perigo, porque o vírus ainda continua e a gente ainda não sabe como eliminar ele”, revela Edvane. “Eu perdi uma tia logmo no começo dos casos. O que me revolta é que ela ficava em casa, quem saíam era os filhos. Foram eles que trouxeram o vírus para dentro de casa. A revolta é porque deveria ser evitado”, complementa a profissional.

No dia 8 de setembro, um dia depois desse episódio das praias lotadas, o secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, revelou: “Se houver uma piora desses números, é natural que as primeiras atitudes sejam no sentido de restringir as atividades de lazer. A gente não quer fazer isso, mas estamos analisando os cenários”.

Longo reforçou que a população precisa se conscientizar. “Para voltar a conviver, precisa dosar o sentimento de busca de prazer com o sentimento de responsabilidade e ter o compromisso com o que temos pregado. A máscara tem sido descumprida, é grave isso. Precisa haver uma conscientização, e sem essa conscientização podemos ter a volta de indicadores negativos”, pontuou.

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