Lewandowski vota a favor de vacinação obrigatória
Magistrado observou que a medida não significa vacinação à força
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira, 16, a favor da vacinação obrigatória contra o novo coronavírus. Para o ministro, em caso de inércia da União, Estados e municípios podem decidir sobre a obrigatoriedade da imunização e inclusive impor restrições para quem se recusar a ser vacinado. Conforme antecipou o Estadão/Broadcast, o magistrado observou que a medida não significa vacinação à força, sem o consentimento do paciente.
O Supremo iniciou nesta quarta-feira a análise de uma ação do PDT, que quer o tribunal reconheça a competência de Estados e municípios para determinar a vacinação compulsória da população. O partido, de oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro, afirma que, na corrida pela vacina, Estados precisaram se adiantar à "omissão" do Palácio do Planalto e firmaram acordos para receber e produzir imunizantes em fase de testes "na expectativa de exercer sua competência concorrente em matéria de defesa da saúde".
A discussão chegou à Suprema Corte em meio à disputa política de Bolsonaro com o governador de São Paulo, João Doria, em torno de um plano de imunização. Por determinação de Lewandowski, relator do caso, o governo informou ao Supremo um plano com os grupos prioritários e uma previsão de 16 meses para concluir a vacinação de todos os brasileiros - mas sem data de início.
"É nesse contexto, amplificado pela magnitude da pandemia, que se exige mais do que nunca uma atuação fortemente proativa dos agentes públicos de todos os níveis governamentais, sobretudo mediante a implementação de programas universais de vacinação. Portanto, aqui é importante estabelecer desde logo, não é uma opção do governo vacinar ou não. É uma obrigação do governo. Não é uma faculdade", disse Lewandowski.
O Supremo está julgando simultaneamente três casos: além do processo do PDT, também está sendo analisada uma ação do PTB, com o mesmo pano de fundo. O outro caso examinado, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, discute se pais podem deixar de vacinar seus filhos menores de idade tendo como fundamento convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais.
"O federalismo cooperativo exige que os entes federativos se apoiem mutuamente, deixando de lado eventuais divergências ideológicas ou partidárias dos respectivos governantes, sobretudo diante da grave crise sanitária e econômica decorrente da pandemia desencadeada pelo novo coronavírus. A Constituição outorgou a todas as unidades federadas a competência comum de cuidar da saúde", acrescentou Lewandowski.
O entendimento de Lewandowski vai no sentido de dar aval para que Estados e municípios adotem "medidas indiretas" para viabilizar, na prática, a vacinação compulsória.
"A obrigatoriedade da vacinação não contempla a imunização forçada, porquanto é levada a efeito por meio de sanções indiretas", ressaltou o ministro. A carteira de vacinação em dia é exigida, por exemplo, para matrícula em escolas, inscrição em concursos públicos e pagamento de benefícios sociais.
Integrantes da Corte ouvidos pela reportagem fazem uma analogia com a questão do voto. O voto é obrigatório no Brasil, mas o eleitor não é obrigado a comparecer, à força, à seção eleitoral. No entanto, caso o eleitor não vote e não justifique a sua ausência, está sujeito a uma série de sanções. A lógica em torno do imunizante contra a covid-19 seria semelhante: impor restrições a quem se recusar a se vacinar.
Esse também foi o entendimento do procurador-geral da República, Augusto Aras, no início do julgamento. Para Aras, o Estado não pode coagir fisicamente o indivíduo a ser vacinado, mas a lei prevê responsabilização de quem descumprir a medida. "O indivíduo que se recusar sofre no plano de restrição de direitos, como por exemplo o de ingressar em certos públicos, ou mesmo de receber benefícios", apontou Aras.
Até agora, Lewandowski foi o único a votar no julgamento. A discussão será retomada nesta quinta-feira à tarde e pode ser concluída apenas na sexta-feira, quando o Supremo realiza a última sessão plenária antes do recesso de fim de ano.
Histórico
Durante a leitura do voto de 48 páginas, Lewandowski lembrou que, na época da Revolta da Vacina, o STF decidiu sobre medida sanitária contra vontade do cidadão. Na época, um português naturalizado brasileiro recorreu à Corte alegando "ameaça de constrangimento ilegal" por ter recebido, pela segunda vez, a intimação de um inspetor sanitário que queria entrar na casa para realizar a desinfecção do mosquito causador da febre amarela.
O STF acabou ficando ao lado do morador do Rio Comprido, decidindo proibir a entrada de agentes sanitários na casa do português naturalizado brasileiro sem o seu consentimento. Prevaleceu entre os magistrados o entendimento de que a entrada forçada em casa de cidadãos deveria ter sido tratada por lei aprovada pelo Congresso, e não em regulamento editado pelo governo.
Na avaliação do professor de Direito Constitucional da FGV-SP Roberto Dias, o pano de fundo do caso atual e do registro de 1905 é o mesmo: a questão da saúde e o limite da atuação do Estado frente às liberdades dos indivíduos. "Mas estamos falando de direitos diferentes. Em 1905, a discussão girava em torno da inviolabilidade do domicílio e, agora, se trata da autonomia das pessoas em não se submeterem a uma determinada prática médica", comentou.