Sem água, população adota papel da Compesa para sobreviver

Mesmo antes do novo calendário, a crise de abastecimento já era uma realidade na periferia do Grande Recife. Populares se apoiam na união para que não falte água nas localidades

por Victor Gouveia ter, 09/02/2021 - 13:05

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Sobreviver com pouca água na Região Metropolitana do Recife (RMR) ficou ainda mais desafiador com o novo calendário de racionamento da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). Mesmo com a necessidade do reforçar a higiene para controlar a pandemia da Covid-19, a companhia racionou o abastecimento. Desassistidos há mais de dois meses, assim como a água, populares apoiam-se na resiliência e se unem para enfrentar os impactos do atraso no serviço.

A capacidade de adaptação da água, que contorna obstáculos e permeia por percursos adversos, é percebida na comunhão entre os moradores da 1ª Rua Campo da Monta, em Jaboatão dos Guararapes. A maioria findou o contrato com a Compesa e reverteu os pagamentos para a construção de cisternas e poços particulares. Mesmo sem o serviço, a taxa mínima ainda chega, contudo, o papel que deveria ser da companhia é assumido por eles mesmos, que doam água aos vizinhos que não possuem reserva própria.

Um emaranhado de baldes e mangueiras toma os cômodos das residências já apertadas, que muitas vezes tornam-se berçários de mosquitos da dengue e outras doenças provenientes de água parada. Dona Maria das Graças é a principal doadora da rua e reclama que os calendários nunca foram respeitados. Ela aponta que última vez que chegou água à localidade foi no Natal passado.

O stress de não poder tomar um banho digno ou manter a casa limpa é convertido em métodos alternativos de captação, como ocorre na residência de Dona Maria José. Em um ponto alto de Moreno, na Rua Djalma Montenegro, ela já paga R$150 por dois carros pipa ao mês e afirma que não recebe água desde setembro do ano passado. O descaso da empresa fez o marido desenvolver um dispositivo para recolher a água da chuva que cai na calha.

Além de não respeitar o cronograma, muitas vezes a qualidade da água que chega não é indicada ao consumo. Ao abrir as torneiras, escorre um líquido sujo e barrento que não é usada para banho, nem garante a limpeza das pilhas de prato e roupas acumuladas. A condição desumana é subvertida com outro ensinamento da água, que é mole, mas persiste em transpassar a rigidez da pedra com perseverança.

No último dia 22, a Compesa anunciou a redução do serviço, que alcança de 10 municípios da RMR. De acordo com a entidade, a contenção na distribuição d’água é uma medida para contrapor a sequidão dos reservatórios decorrente de um inverno com baixos índices de chuva. Confira a tabela com o novo calendário de distribuição:

Paula Oliveira/LeiaJá Imagens

Procurada em três oportunidades pela reportagem, a Compesa não se pronunciou sobre a atual condição hídrica do estado, não deu prazo para a volta do cronograma tradicional, não respondeu sobre o desrespeito aos calendários anteriores, nem sobre o desabastecimento nas áreas visitadas.

O LeiaJá também questionou a companhia sobre a cobrança da taxa mínima e se a má qualidade do serviço não confere descontos ao consumidor. O espaço segue aberto para esclarecimento à população.

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