Mês da mulher: muito mais do que festa, luta por direitos
Professora e socióloga Rachel Abreu fala sobre conquistas alcançadas e esperanças para o futuro
As vendas aumentam no Dia Internacional da Mulher. Flores, chocolate, pelúcias em formato de coração. Apesar do apelo comercial, a data não tem nada com romance, afirma a socióloga e doutora em Antropologia Rachel Abreu. “O 8 de março é muito celebrado pela sociedade de consumo capital, mas na sua origem nada há de romantismo, e sim marca a força, luta e conquistas de relações igualitárias das mulheres e em busca de respeito em várias esferas da sociedade”, afirmou. Em conversa sobre as conquistas femininas, Rachel Abreu falou das origens da comemoração, expectativas para o futuro e da visibilidade da mulher na política.
Qual é o objetivo principal dessa comemoração?
Essa data é resultado de um caminho de luta por igualdade. O Dia Internacional da Mulher tem como principal objetivo relembrar as batalhas enfrentadas pelas mulheres durante toda a história e dar foco às demandas por direitos que foram e que ainda são negados nos dias atuais. Esse dia é marcado por mobilizações em todo o mundo em prol dos direitos das mulheres, por coletivos, por grupos de debates e discussões sobre a relação entre homens e mulheres. A gente está falando de uma relação de gênero que é assimétrica, que não é igualitária, que é desigual e o tempo todo nós estamos buscando por um processo igualitário de visibilidade, respeito e justiça social para mulheres.
O que pode ser feito para conseguir a igualdade entre gêneros?
Isso é um processo que a gente tende a alcançar a partir do debate sobre a violência contra a mulher, a falta de respeito, a objetificação do corpo da mulher, o feminicídio. Temos vários elementos para pensar as relações de poder. Isso tem que estar em pauta na educação para que a gente possa ter mentalidades desconstruídas para termos práticas sociais diferenciadas no futuro. Vivemos em uma sociedade que tem o passado de relações assimétricas de gênero para analisar, um presente que é resultado desse passado e um futuro a alcançar, que vem a partir das prevenções do que a gente não quer que se repita.
No cenário atual, com aumento dos casos de violência doméstica devido ao isolamento social, como a senhora vê a importância do dia 8 de março no combate à violência contra mulher?
As restrições impostas pela covid-19 foram estabelecidas para manter a quarentena, com objetivo de ficarmos em casa e nos proteger e proteger os nossos. Muitas mulheres ficaram no alvo de seus algozes, sofrendo agressões físicas, psicológicas, simbólicas e vários outros tipos de violência. Esse cenário também dificulta o acesso dessas mulheres às redes de proteção e aos canais de denúncia. As estatísticas da segurança pública mostram esse aumento nos números e ainda tem casos que não chegam à tona para a grande sociedade. A data 8 de março é emblemática para que não esqueçamos quem são essas mulheres. Ser mulher no Brasil é um estado de alerta permanente. A realidade da mulher negra, indígena, homoafetiva, com deficiência física e outras deve ser visibilizada e respeitada, todos os dias, não somente em datas festivas.
Qual o papel dos homens nessa balança desigual e como conscientizá-los sobre a luta feminina?
Culturalmente, nós fomos educados a pensar e esperar e ter expectativa diferenciada para meninos e meninas a partir do sexo biológico. A sociedade traz uma educação e socialização em que a mulher está para o privado, para as emoções, família, sensibilidade, fragilidade e que os homens estão para o público para guerra, trabalho, rua e força. Isso é uma construção de poder. O homem já nasce empoderado. A mulher tem que construir o seu empoderamento. Esse modelo de socialização atribui valores distintos e assimétricos na vivência em sociedade, gerando relações desiguais e de violência. A sociedade precisa dialogar e entender como essas relações de poder se impõem e é necessário que esse debate esteja também partindo para os homens, que se dialogue com os eles sobre essa questão, para entender que a desigualdade não é natural, não é normal, é uma construção de relações de poder a partir do gênero, que manifesta uma potencialidade de violências que precisam ser percebidas, discutidas e desconstruídas.
A senhora percebe mudanças na forma como a mulher é vista atualmente?
Sim. Hoje, a mulher chega ao mercado de trabalho e assume liderança de gestão, assume espaços de trabalho que antes eram eminentemente da área do homem e isso incomoda porque passa a ser uma ameaça para sociedade que se ergue a partir do patriarcado, a partir do machismo. Hoje, a mulher constrói a sua autonomia, identidade, exerce a sexualidade. A gente tem também mudanças na representatividade política. As últimas eleições mostram como as mulheres estão trazendo a representatividade política. Muitas mulheres se elegeram nas últimas eleições e isso é importante porque são mulheres que estão lá que sabem dessa cena feminina desigual e que podem lutar pelos nossos direitos. Essas mulheres (eleitas) entusiasmam outras mulheres a participar da política, da discussão e do debate.
O que a senhora espera para o futuro? Acredita que alcançaremos a igualdade total entre mulheres e homens?
A sociedade está em transformação. Espero que dias melhores possam vir, que a visibilidade, a justiça, o respeito para as mulheres possam vir a partir de toda essa movimentação que nós o tempo todo fazemos, trazendo esse tema para a roda de debate. Essa discussão não é somente acadêmica, ela tem que sair dos muros da universidade e ir para rodas de conversa, para o meio familiar. Ela tem que sair para o campo social e político para que a gente alcance a visibilidade e o respeito que as mulheres devem ter na sociedade brasileira.
Por Sarah Barbosa.