Reconhecimento não é somente "chamar de herói e elogiar"

Trabalhadores da saúde cobram valorização e cuidados mentais no período mais difícil da pandemia no Brasil

sex, 09/04/2021 - 14:59

Na última quarta-feira (7) foi celebrado o Dia Mundial da Saúde e este ano o tema é “Construindo um mundo mais justo e saudável”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) também designou 2021 como o “Ano Internacional dos Trabalhadores da Saúde e Cuidadores”, para homenagear os profissionais da saúde que estão há mais de um ano atuando na linha de frente do combate à pandemia de covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.

A decisão foi tomada durante a 73ª Assembleia Mundial da Saúde (AMS), realizada em novembro de 2020. No evento, realizado virtualmente, os Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) ressaltaram de forma unânime o papel essencial dos profissionais da saúde nos cuidados para garantir a vida dos pacientes e enfatizaram a urgência em tratar os desafios enfrentados por esses profissionais.

Valéria Santos, médica intensivista pediátrica na Santa Casa de Misericórdia do Pará, afirma que construir um mundo mais justo e saudável deveria ser a preocupação de todo ser humano. “Como profissional de saúde, acredito que um mundo melhor se faz com um olhar mais humano. Falar em olhar neste momento é enxergar no outro um ser humano que tem uma história de vida cheia de significados, de amores e de dores, de alegrias e de frustrações. Precisamos enxergar nosso paciente como alguém que tem uma biografia a ser respeitada”, complementa.

Sobre a valorização do profissional de saúde, a médica acredita que a intenção da OMS seja para reconhecer a dedicação dos profissionais nesse momento tão difícil. “Ser reconhecido não é somente bater no ombro, chamar de herói e elogiar. Precisamos de condições de trabalho, de educação continuada, de salários melhores para todos da equipe multiprofissional. Pessoalmente, torço para que, pela importância da instituição, isso possa chamar a atenção para a necessidade de melhorias, de ações em consenso e para a reorganização dos serviços”, afirma Valéria. 

Para Bruna Carvalho, dermatologista que atua no combate à pandemia no Hospital Universitário de Macapá, o reconhecimento fica só no papel. “É uma coisa que fica muito bonitinha só no papel porque já estamos em abril, vivendo essa segunda onda, tsunami da covid-19, e ainda não temos melhorias das condições de trabalho, não temos melhorias salariais e acho que cada vez vai só piorando a vida do trabalhador de saúde”, avalia.

Os maiores desafios enfrentados por esses profissionais são a vivência diária da evolução da pandemia, a saudade da família e a sobrecarga de trabalho, que geram fortes consequências na saúde mental. Um estudo realizado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com a participação de 710 profissionais de saúde de 21 Estados do Brasil, avaliou questões ligadas à rotina profissional e como ela afeta o sono, dieta e outros hábitos dos profissionais.

Dos 710 entrevistados, 473 relataram problemas relacionados ao sono, metade parou de praticar exercícios físicos e 30% afirmaram que houve aumento no consumo de bebidas alcoólicas.

Helenayra Santos, médica intensivista que atua em três hospitais da Região Metropolitana de Belém, afirma que o medo de adoecer faz parte da rotina diária dos profissionais que lutam contra a covid-19 e que a saúde mental desses trabalhadores está totalmente abalada. “Não existe nenhum meio proposto por nenhuma instituição para o cuidado mental. A saúde mental do trabalhador está totalmente abalada e consumida”, relata a médica.    

De acordo com dados do Ministério da Saúde, até o último dia 1º de março, 484.081 casos de covid-19 haviam sido confirmados entre profissionais da saúde no país. Destes, 470 morreram.

A psicóloga Luana Fernandes, que trabalha no Hospital Ophir Loyola, relata que os médicos estão sendo afetados diretamente no emocional. Alguns desses profissionais chegaram a desenvolver transtorno de ansiedade e depressão. “O desejo de salvar, de curar, de ajudar, em meio a uma pandemia, e nossa realidade do Estado do Pará é de um leito para 120 pessoas, é desumano. É quase impossível não sentir algo. Desde o cansaço físico ao desenvolvimento da Síndrome de Burnout (esgotamento profissional). Alguns inclusive abandonam a sua escala”, conta a psicóloga.

Luana Fernandes dá dicas aos profissionais da saúde sobre como cuidar da saúde mental nesse período de pandemia. “Não esconder o que se sente, buscar o apoio do outro, cuidar da saúde mental fazendo terapia, buscando estratégias que gerem prazer como cozinhar, estudar outra coisa, estar com quem se ama. São estratégias de suporte que nos auxiliam a lidar com esse momento tão difícil. Somos humanos e validamos muito a dor do outro. Isso é um preço alto que a equipe de saúde paga, por ter comprometimento, ética, amor e respeito”, aconselha.

Por Ana Vitória da Gama e Isadora Simas.

 

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