Sem Carnaval, recifense vai à praia e comércio lucra
O movimento está em alta desde o sábado (26), um dia após as restrições temporárias para o Carnaval terem sido anunciadas em todo o território de Pernambuco
Recife, conhecida como a capital da folia, se vê sem festas de Carnaval oficiais pelo segundo ano consecutivo. Um ponto que já é comum para a época, se torna ainda mais procurado quando as demais opções estão limitadas: as praias da Região Metropolitana da cidade amanheceram lotadas nesta terça-feira (1º) de folia. O LeiaJá esteve nas praias do Pina e Boa Viagem, duas das mais movimentadas do Grande Recife, e conversou com comerciantes e banhistas sobre mais este Carnaval sem festa.
Para o comércio, o movimento está em alta desde o sábado (26), um dia após as restrições temporárias para o Carnaval terem sido anunciadas em todo o território de Pernambuco. Há 23 anos trabalhando como comerciante ambulante na praia do ‘Buraco da Véia', dona Andreia Florentino de Santos Souza, 44 anos, diz que, para o setor, o Carnaval na praia trouxe lucro e alívio.
“O nosso carnaval sem carnaval na praia é top [sic.], porque não têm tantas opções de divertimento e pro pessoal que tem menor poder aquisitivo, eles com certeza invadem as praias. Para a gente que é comerciante, é muito bom; para outras pessoas que precisam, como orquestras e quem trabalha na área do carnaval, a gente fica triste, pois não ganham como a gente tá ganhando. O carnaval tá excelente. Desde sábado já está sendo, até amanhã, quarta de Cinzas, a praia vai lotar. A expectativa era de menos pessoas, ano passado também, porque estava no pico da pandemia, mas o pessoal veio de todo jeito”, afirma Dona Andreia, proprietária da tradicional Barraca do Reggae.
A autônoma afirma ter passado por dificuldades durante a pandemia e chegou a abrir mão de sua barraca, tendo feito dívidas e vendido itens pessoais. “Eu tive que vender a minha barraca, mas Deus me colocou aqui novamente. Parece que eu saio da praia, mas a praia não sai de mim. Tive que reiniciar do zero, pois vendi tudo, passei muita dificuldade. Amigos e clientes me deram uma mão, trouxeram cestas básicas. Me endividei muito, por isso precisei me desfazer do que era meu”, completa Andreia.
Diante da praia lotada, ela admite que os banhistas têm relaxado e não é comum ver as pessoas fazendo uso de máscaras: “O pessoal já tomou a segunda dose, alguns já tomaram a terceira, e se acham imunes. A gente oferece álcool, às vezes nem querem usar. Mas a fiscalização está sendo efetiva”.
Emanuelle Maria de Andrade, de 29 anos, é outra comerciante no litoral urbano da Zona Sul. Há cerca de sete meses trabalhando em Boa Viagem, diz estar animada com o movimento e, assim como a colega da praia do Pina, afirma que tem sido assim desde o fim de semana.
“O movimento está bem melhor. Como não teve o Galo, não teve Carnaval, o povo desceu para a praia. A gente lota todos os dias, de segunda até a quarta-feira [de carnaval] vai ser a praia cheia. No sábado de Carnaval não foi muito bom, não, mas no domingo, lotou. Do domingo até agora, está bem melhor. Mas se tivesse Carnaval, a praia estaria mais lotada, por causa dos blocos que passam aqui pela avenida”, disse.
Segundo a trabalhadora, é difícil aplicar as medidas de proteção contra a Covid-19. “A Prefeitura passa para a gente que devemos deixar nas mesas 3-4 pessoas. Se passar muito disso, eles já reclamam. Mas confesso que a gente não segue muito o padrão, não, para agradar o cliente mesmo”, completa.
Clientela estranha cidade sem Carnaval
“É estranho. Recife é uma cidade tradicional no carnaval. Estava conversando com a minha esposa sobre não ter acontecido o Galo [da madrugada], mas a gente viu que estão rolando muitas festas aí, privadas, nesta pandemia, o que é errado. Mas pra mim, ainda é estranho, porque caso fosse a data correta do carnaval, isso aqui estaria lotado de foliões”, disse Charliton Batista da Silva, de 41 anos, ao LeiaJá.
O segurança estava consumindo em uma barraca do Pina quando foi abordado pela reportagem. Estava acompanhado da família, que no momento, estava tomando banho de mar. O pai afirmou que se preocupa com as aglomerações e só remove a máscara entre a família e em locais abertos.
“As aglomerações me preocupam porque a pandemia ainda está aí. A gente tem a conscientização; agora, estamos sem máscaras porque estamos em família, mas caso chegue aí um pessoal, gere aglomeração, a gente vai diretamente para casa. Escolhemos um lugar mais isolado por isso”, disse o cliente, na altura do dique no Buraco da Véia.
A professora municipal Claudia Ribeiro, de 50 anos, é moradora da comunidade e também recorreu à praia para aliviar a falta que sente do Carnaval. O cancelamento das festas, para ela, é "emocionalmente ruim”. “É uma festa que faz parte da nossa cultura, do nosso cotidiano, há toda uma preparação”, diz.
A educadora se opõe às restrições atuais; as considera importantes, mas acredita que o formato segrega e não faz sentido com as aglomerações que têm sido vistas durante o Carnaval e prévias da festa.
“Eu moro aqui no bairro, então é mais tranquilo, mas acho que esse formato [de celebração] é uma hipocrisia do Governo do Estado. Porque existe a pandemia e a necessidade de não ter a festa no calendário oficial, mas não se garantiu às pessoas subsídio. Quem pôde pagar, continuou tendo Carnaval de modo privado. As pessoas que vivem dessa estrutura, mesmo de forma precarizada, não conseguiram garantir o seu sustento. A minha condição é outra, eu tenho condições de me proteger um pouco mais, mas essa não é a realidade dos outros”, afirmou.
E continuou: “Os ônibus continuam funcionando superlotados e as pessoas não têm a menor segurança. Isso aqui é o momento de lazer das pessoas, é o mínimo que elas podem ter, em uma situação como essa, na qual elas estão expostas todos os dias. Eles continuam pegando ônibus superlotados, o transporte do Recife é super precário, insuficiente. Então não é aqui na praia que elas estarão mais expostas a isso, até porque é um local aberto”.