Argentina inicia julgamento por massacre de indígenas

Julgamento começa com quase um século do ocorrido

ter, 19/04/2022 - 15:46
DANIEL GARCIA Protestos de indígenas da etnia qom, originária do norte da Argentina DANIEL GARCIA

A Justiça da Argentina iniciou nesta terça-feira (19) um julgamento que pretende lançar luz sobre o episódio que ficou conhecido como Massacre de Napalpí, ocorrido em 1924, quando entre 300 e 500 integrantes dos povos originários foram assassinados por forças policiais e gendarmes.

"Vamos mostrar, de maneira concreta e contundente, quem participou e quem foram os responsáveis por este genocídio", afirmou o procurador federal Federico Garniel, encarregado da acusação, durante a audiência que acontece em Resistencia, no nordeste da Argentina.

Trata-se do primeiro julgamento que investiga a perseguição sistemática dos povos originários na Argentina. Em 2018, o caso Napalpí foi declarado crime contra a humanidade e, por isso, imprescritível. Contudo, por não haver acusados vivos, trata-se de uma espécie de "comissão da verdade" para investigar, esclarecer e dar publicidade ao episódio como forma de reparação às vítimas, suas famílias e comunidades.

Os fatos investigados ocorreram em 19 de julho de 1924 em Napalpí, uma "redução" - como se chamava na Argentina os lugares de confinamento de indígenas - situada onde hoje é a província do Chaco. Lá viviam comunidades das etnias qom e moqoit em condições de semiescravidão, obrigadas a trabalhar nas plantações de algodão.

Naquela época, após ignorar os protestos dos indígenas para mudar suas condições de vida, o então governador Fernando Centeno ordenou uma operação repressiva da qual participaram cerca de 130 policiais, gendarmes e civis armados, que dispararam à queima-roupa contra crianças, idosos e adultos desarmados. Os corpos dos assassinados foram mutilados e enterrados em valas comuns.

As audiências judiciais começaram nesta terça - o Dia do Aborígene Americano (chamado de Dia do Índio no Brasil) - na cidade de Resistencia, a capital provincial, e o julgamento deve ser concluído em 19 de maio.

Após as primeiras alegações na sala de audiências, foram exibidos registros audiovisuais de entrevistas com dois sobreviventes, Pedro Valquinta, nascido há 110 anos, e Rosa Grilo, uma senhora de 114 anos.

"Para mim, é triste, mataram meu pai. Quase não quero mais me lembrar. Coisas tristes. Mataram muita gente", diz Rosa Grilo no testemunho filmado pelo Ministério Público em 2018.

Em 2008, durante o seu primeiro mandato, o atual governador de Chaco, Jorge Capitanich, havia pedido perdão pelo massacre em nome do estado provincial.

Os historiadores destacam que, durante o processo de formação da Argentina como nação independente, os povos originários foram subjugados e ficaram à beira do extermínio.

Um dos episódios mais trágicos é conhecido como "A Campanha do Deserto", para a incorporação da Patagônia ao território nacional, que deixou um saldo de pelo menos 14.000 indígenas mortos entre 1878 e 1885.

De acordo com o censo de 2010, dos 45 milhões de habitantes da Argentina, apenas 1 milhão se definem como integrantes ou descendentes de alguma das 39 etnias originárias. Desde 1994, a Constituição reconhece os direitos dos povos indígenas.

COMENTÁRIOS dos leitores