Desigualdades e negacionismo acentuam pandemia no país

Covid-19 afeta mais a indígenas, negros e pobres. Para especialistas ouvidos pela CPI, negacionismo de Jair Bolsonaro e falta de comunicação da Saúde foram maiores influências no número de mortes

por Vitória Silva qui, 24/06/2021 - 16:35
Alessandro Dantas/PT no Senado e Agência Senado Pedro Hallal, à esquerda, e Jurema Werneck, à direita. Alessandro Dantas/PT no Senado e Agência Senado

Ouvidos pela CPI da Covid nesta quinta-feira (24), Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil e representante do Movimento Alerta, e o epidemiologista Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas (RS), apresentaram números sobre a pandemia de Covid-19 no Brasil a partir de suas pesquisas que dão um retrato da resposta do país desde março de 2020, quando foi registrada a primeira morte pelo coronavírus. Ao comentar os resultados, os pesquisadores deixaram claro que a população indígena, a população negra (pretos e pardos), e a população pobre são as mais afetadas pela pandemia.

Durante o testemunho, dado na condição de convidado, Hallal também mostrou dados do seu grupo coordenado e que mostram que o Brasil poderia ter poupado quatro em cada cinco das mortes ocorridas por Covid nacionalmente. O número também pode ser lido da seguinte forma: 400 mil mortes evitadas, se o país tivesse conseguido, ao menos, entrar para a média mundial.

Para os especialistas, o posicionamento anticiência e a falta de comunicação unificada por parte do Ministério da Saúde foram decisivos para que o Brasil chegasse à triste situação atual. Atualmente, o Brasil é o quarto país em número absoluto de doses aplicadas, o 78º que mais aplicou primeiras doses e o 85º que mais aplicou segundas doses ou primeiras doses da vacina Janssen. O Brasil também é, geograficamente, o segundo pior da América do Sul no índice de mortalidade, atrás apenas do Peru.

Entre os dez países mais populosos do mundo, a nação brasileira, novamente, ocupa a pior posição. O mesmo se repete entre os países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Entenda os dados por pesquisa:

Grupo Alerta de Jurema Werneck

— A pandemia provocou, em um ano (março de 2020 a março de 2021), 305 mil mortes acima do esperado no Brasil. Essas mortes ocorreram direta ou indiretamente por Covid-19 (99% de confiança);

— Se medidas eficientes de distanciamento social e controle tivessem sido adotadas, haveria uma redução de 40% no potencial de transmissão do vírus;

— Com política efetiva de controle baseada em ações não farmacológicas (uso de máscara, álcool em gel, distanciamento e isolamento, entre outros) 120 mil vidas poderiam ter sido poupadas no primeiro ano da pandemia no Brasil;

— Menos de 14% da população brasileira fez testes de diagnóstico para a Covid-19 até novembro de 2020. Pessoas com renda maior do que quatro salários mínimos consumiram quatro vezes mais testes do que pessoas que receberam menos de meio salário mínimo;

— Desigualdades estruturais tiveram influência sobre as altas taxas de mortalidade, atingindo principalmente negros e indígenas, pessoas com baixa renda e baixa escolaridade;

— 20.642 pessoas morreram em unidades de atendimento pré-hospitalares, sendo 20.205 em unidades públicas;

— Pessoas mais pobres tiveram o dobro do nível de infecções;

— População negra (pretos e pardos) tiveram o dobro da infecção dos brancos, enquanto a população indígena teve cinco vezes mais casos de infecção do que a população branca;

—Durante a fase três do estudo, no final de junho de 2020, o índice apontava 7,8% para os indígenas, enquanto 1,7% para brancos.

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Estudo Epicovid de Pedro Hallal

— Brasil tem 2,7% da população mundial e concentra quase 13% das mortes no mundo; Nesta quinta-feira (24), 33% das mortes mundiais por covid-19 aconteceram no Brasil;

— 4 de cada 5 mortes teriam sido evitadas se o Brasil estivesse na média mundial de óbitos pela covid-19, ou seja, 400 mil mortes não teriam ocorrido. No país, 2.345 pessoas morreram pelo coronavírus para cada um milhão de habitantes; média mundial é de 494 pessoas;

— Em março de 2020 havia seis vezes mais casos de contaminados por covid-19 que números oficiais. Hoje, seriam de 3 a 4 vezes mais que as estatísticas oficiais;

— Em comparação com os dez países com maior população, o Brasil tem o pior resultado de mortes por milhão de habitantes, assim como na comparação dos países que compõem o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul);

— Na América do Sul, Brasil é o segundo país com mais mortalidade de covid-19 por milhão de pessoas, atrás do Peru;

— Em todas as fases do Epicovid, estudo realizado em 133 cidades, os mais pobres tiveram o dobro de risco de infecção na comparação com pessoas mais ricas;

— Na terceira fase (21 a 24 de junho), 7,8% dos indígenas tiveram contato com o coronavírus, contra 1,7% dos brancos, 4,5% dos pardos, 3,6% dos negros e 3,6% dos amarelos;

— Com relação à vacinação, o Brasil é o 4º em número absoluto em doses aplicadas, o 78º país que mais vacinou com uma dose e o 85º com a população imunizada;

— A demora em compras de vacinas anticovid teria causado entre 95,5 mil e 145 mil mortes.

Censura

À CPI, Hallal afirmou ainda que um recorte étnico apresentado através dos resultados do Epicovid-19 foi censurado em evento no Palácio do Planalto, em junho de 2020. Na apresentação, seria exibido o alto grau de contágio dos indígenas do país, além do índice de mortalidade nessa população, junta à população negra (considerando pretos e pardos), e à população pobre. O slide foi retirado arbitrariamente do material. Segundo Hallal, a atitude pode ter sido do ex-secretário-executivo Elcio Franco. 

*Dados das pesquisas via Agência Senado

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