Tópicos | Antropofagia

No início da década de 20, surge no Brasil uma movimentação de artistas, escritores, poetas, inquietos com o cenário político, econômico e em busca de renovação cultural. O objetivo era fazer uma quebra do estilo tradicional que era praticado nas obras até então. Nesse contexto, em fevereiro de 1922 é inaugurada em São Paulo a “Semana de Arte Moderna”, que reuniu no Teatro Municipal apresentações musicais, dança, recital de poesias, palestras, exposições de pinturas e esculturas, dando início ao modernismo. 

Tarsila do Amaral é um dos maiores nomes da Escola Modernista. Ela não estava presente na semana de 22, mas não deixou de fazer história no movimento. “Tarsila é uma figura célebre quando se fala de modernismo no Brasil, quando fala-se principalmente da questão pitoresca, da pintura, da arte”, diz o professor de literatura Felipe Rodrigues.

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Ela foi uma das maiores entusiastas e atuou principalmente na primeira fase, considerada nacionalista, na busca por uma identidade brasileira na arte, mesmo tendo forte influência das vanguardas artísticas européias, como cubismo e futurismo. Tarsila nasceu em 1º de setembro de 1886, no Município de Capivari, interior do Estado de São Paulo. Ela tinha sete irmãos e morava com os pais em uma fazenda. Eles eram considerados uma família abastada na cidade e a pintora estudou em boas escolas de São Paulo, até ser mandada para concluir seus estudos em Barcelona, na Espanha. Foi lá que pintou o primeiro quadro, chamado ‘Sagrado Coração de Jesus’, em 1904, aos 18 anos.

Ao retornar para o Brasil, Tarsila se casa pela primeira vez com André Teixeira Pinto, pai de sua única filha, chamada Dulce. Alguns anos depois, a artista separa-se e começa a estudar artes. Iniciou com escultura, depois teve aulas de desenho e pintura no ateliê de Pedro Alexandrino, em 1918, tendo como colega a pintora Anita Malfati. Dois anos depois, Tarsila vai concluir seus estudos de artes na Academia Julian em Paris, na França. A amiga Anita Malfatti é a responsável por mantê-la atualizada do que estava acontecendo no Brasil naquela semana de 1922.

 

Em 1923, Tarsila do Amaral já namora com escritor Oswald de Andrade e em Paris conheceram muitos intelectuais e artistas da época. A um deles, Fernand Léger, mestre do cubismo, Tarsila apresentou sua tela ‘A negra’, deixando o artista impactado, tanto que ele acabou mostrando o quadro para seus alunos. A inspiração para pintura de uma mulher negra eram as amas de leite, que amamentavam e cuidavam das crianças dos senhores de engenho na época escravocrata do Brasil. Esta tela coloca Tarsila na história do modernismo brasileiro.

Depois de concluir sua formação, Tarsila volta ao Brasil para se juntar ao grupo modernista, que ficou conhecido como ‘grupo dos cinco’, que além dela e Oswald, incluia Anita Malfatti, Mário de Andrade e Menotti Del Picchia.

Fase Pau Brasil

A inspiração para esta etapa das obras de Tarsila do Amaral foram as cores que ela via na infância, quando esteve em Minas Gerais. Os professores de artes que teve antes disso diziam-lhe que eram tons feios e caipiras e que ela não deveria utilizá-los em suas obras. No entanto, a artista livrou-se dessa visão intelectualista e jogou na tela ‘o azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante’. As cores foram marcas de sua arte, bem como o tema da brasilidade, das paisagens rurais e urbanas, a fauna, a flora e o povo do Brasil. “Tarsila é uma representação de que o Brasil existe e pode existir em conjunto com uma diversidade cultural”, expressa o professor Felipe Rodrigues.

Em 1926, Tarsila faz sua primeira exposição individual em Paris. Seus quadros têm influência cubista, absorvida na escola francesa, e entre eles estão ‘Carnaval em Madureira’, ‘Morro da Favela’, ‘O Mamoeiro’ e ‘O Pescador’. Nessa fase, ela ainda fez uma série de desenhos que inspirou Oswald no livro de poesias ‘Pau Brasil’ e Cendrars no livro 'Feuilles de route – Le formose'.

“Ela vem de uma família privilegiada, de uma vivência com arte, de entender as artes, de ter suas próprias histórias. Quando volta de Paris junto com Oswald de Andrade, com quem se casa novamente, lança o movimento antropofágico”, comenta o professor Felipe.

Movimento Antropofágico

No início do ano de 1928, Tarsila presenteou seu marido, que fazia aniversário em janeiro, com um quadro. Quando Oswald ficou impressionado com a surpresa e disse que aquele era o melhor quadro que sua amada já havia feito.

O escritor mostrou a pintura ao seu amigo e escritor Raul Bopp, que ficou tão impressionado quanto. Eles acabaram chamando o quadro de ‘Abaporu’, que significa ‘homem que come carne humana, o antropófago’.

“O Abaporu ele tem essas coisas: a brasilidade, é quente, os tons que trazem esse aspecto. Foi nada mais que um personagem que ela lembrava dos sonhos, das suas vivências enquanto artista. O lançamento do movimento antropofágico traz essa vivência, claro que de pessoas privilegiadas, que tiveram um agregar de culturas diversas, e que na realidade vão dizer assim ‘olha além dessas culturas que eu já aprimorei, vamos ressaltar a cultura do Brasil, não vamos perder a essência’”, analisa Felipe Rodrigues.

A ideia era comer, engolir outras culturas, principalmente a européia, tão forte na época, e transformá-la em algo brasileiro. O lançamento do movimento foi em maio de 1928, através da publicação de um manifesto na revista de antropofagia, que diz em um dos trechos mais famosos: "Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question. Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos. Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago".

Nessa fase, Tarsila usa muitas cores fortes, bichos, formas e paisagens imaginárias. Outros quadros que pertencem ao movimento são ‘Sol Poente’, ‘A Lua’, ‘Cartão Postal’, ‘O Lago’ e ‘Antropofagia’.

Sua primeira exposição no Brasil foi em 1929. Tarsila recebeu críticas e elogios, no entanto, muitas pessoas não conseguiam compreender sua intenção artística. Nesse mesmo ano ocorre a queda da Bolsa de Nova York, afetando a economia do mundo e mudando a vida de Tarsila, já que seu pai perde seus bens, sua fazenda e ela ainda descobre que Oswald de Andrade a traiu com a estudante Patrícia Galvão, conhecida como Pagu.  

Pintura Social

 

Após a traição, que culminou no término de seu segundo casamento, Tarsila do Amaral começou a trabalhar como conservadora da Pinacoteca do Estado de São Paulo e deu início a organização do catálogo do museu, mas acabou perdendo o cargo com a queda de Júlio Prestes e a chegada de Getúlio Vargas ao poder.

Em 1931, a pintora vendeu alguns de seus quadros e foi para antiga União Soviética, junto com seu novo companheiro, o médico Osório César. Em Moscow, com a ajuda do amigo Serge Romoff, a artista expôs suas obras e teve contato com a causa operária.

De volta ao Brasil, em 1933, Tarsila passou a se envolver com política e participou de reuniões do Partido Comunista Brasileiro, chegando ser presa. Depois de passar um mês na cadeia, a pintora resolveu ficar longe do assunto e terminou seu relacionamento com Osório, que fazia parte do movimento comunista.

Para analisar as obras de Tarsila do Amaral nessa fase, principalmente se for cobrada em uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou em qualquer outra prova, é preciso entender o que estava acontecendo no mundo e como ela enxergava isso por meio de sua arte. “Os alunos podem estudar Tarsila a partir de suas obras de arte, sua importância histórica, suas diversas impressões por diversos autores da literatura, que vão fazer impressões artísticas sobre cada arte que ela publicou e além disso pode ser cobrada diretamente a imagem em contexto histórico”, explica o professor de literatura Felipe Rodrigues.

Nesta mesma época, Tarsila pinta a tela ‘Operários’, considerada uma das primeiras obras de cunho social no país. Também fazem parte dessa fase os quadros ‘Segunda Classe’, ‘Orfanato’ e ‘Costureiras’.    Ainda na década de 30, a artista inicia um novo relacionamento com o escritor Luís Martins, vinte anos mais novo que ela, que durou 18 anos.

A pintora, que também fez esculturas, trabalhou como colunista nos Diários Associados do seu amigo Assis Chateaubriand, de 1936 até meados dos anos 50, quando voltou a usar as referências da época do Pau Brasil com a tela ‘Fazenda’, ‘Vilarejo com ponte e mamoeiro´, ´Povoação I´ e ´Porto I´.

Principais exposições

Tarsila do Amaral pintou mais de 250 telas, expondo suas obras e diversos países do mundo. Entre os destaques estão a participação na 1ª Bienal de São Paulo, em 1951, onde ganhou um prêmio. Também expôs na 2ª bienal e teve uma sala especial na 7ª edição do evento paulista. Já em 1964 participou da 32ª Bienal de Veneza, na Itália.

No ano de 1965, a pintora separa-se mais uma vez e passa a viver sozinha. Nesse mesmo ano, devido a dores na coluna, Tarsila passa por uma cirurgia, que foi mal sucedida, deixando-a paralítica. Posteriormente, sua filha acaba falecendo por complicações da diabetes. Os eventos trágicos na vida de Tarsila, que também perdeu a neta anos antes, a aproximam do espiritismo e de Chico Xavier. Ela passa a reverter a renda da venda de seus quadros para uma instituição administrada pelo médium.

Para Felipe Rodrigues, a obra da artista é importante pela forma como ela utilizou as referências culturais, a que teve acesso durante toda sua vida, sobretudo por sua formação na Europa, sem misturar, nem absorver, mas mesclando e mantendo os traços da identidade do Brasil na arte que fazia. “Tarsila foi fantástica”, conclui o Felipe Rodrigues

Em 17 de janeiro de 1973, aos 83 anos, Tarsila do Amaral morre, no Hospital de Beneficência Portuguesa, em São Paulo, ainda decorrência das complicações da cirurgia que enfrentou e acometida por uma forte depressão.

Imagens/Domínio público

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