Tópicos | casas modernistas

Após o anúncio de que, no último sábado (3), aconteceria um evento recheado de atividades educativas com oficinas, palestras sobre a arquitetura modernista do Recife, participação de especialistas no assunto e um café da manhã coletivo dentro do terreno das duas casas modernistas da Avenida Conselheiro Rosa e Silva, no bairro das Graças, Zona Norte da cidade, os imóveis foram fechados. Ainda na sexta-feira (2) no horário da noite, homens começaram a instalar tapumes de alumínio cercando as residências. Um vigia também passou a fazer a segurança do local. “Não estou autorizado a deixar ninguém entrar. É a ordem que tenho”, disse à reportagem do LeiaJa.com, que esteve no local e acompanhou o cercamento das casas.

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Do lado de fora, as pessoas que pretendiam ocupar os imóveis e participar do evento colaram vários cartazes que demonstravam insatisfação com os tapumes, a falta de acesso ao local e a omissão do poder público com as construções. “O tapume vai proteger o patrimônio histórico ou esconder a demolição?", dizia uma das mensagens. As casas modernistas, de número 625 e 639, foram consideradas Imóveis Especiais de Proteção (IEPs), de acordo com a Lei Municipal nº 16.284/1997, em dezembro de 2014. A legislação do Recife garante que os IEPs são edificações isoladas, de arquitetura significativa para o patrimônio histórico, artístico e cultural e devem ser preservados.

Mas, apesar do Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) ter aprovado a proteção municipal, as residências estão em ruínas. Em fevereiro de 2018, a situação é grave e não sobrou muito. Janelas roubadas, paredes e azulejos pichados, o teto é quase inexistente, muito lixo no que antes era um jardim na frente dos imóveis, banheiro depredados, pedaços das casas sendo vendidos em feiras e tudo que restou estava parcialmente ou completamente destruído.

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Em setembro de 2017 a Justiça pernambucana determinou que o proprietário das casas modernistas, Leonardo Teti de Carvalho, fizesse a recuperação das duas edificações, incluindo o resgate das características originais das construções e impedisse a depredação das antigas moradias. Ele é réu nas duas ações de iniciativa da Procuradoria do Município do Recife, uma referente à edificação de número 625 e outra para a casa 639. Na época, o juiz Haroldo Carneiro Leão, da 8ª Vara da Fazenda Pública da Capital, determinou prazo de 30 dias para o cumprimento das medidas. Caso não cumprisse a decisão judicial, o réu teria de pagar uma multa diária no valor de R$ 2 mil.

As duas edificações geminadas estão desocupadas há meses e foram alvos de saques e vandalismo constante. Em poucas declarações, o atual proprietário do imóvel alega que a culpa da situação das casas não é dele, mas dos “vândalos.

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Para Leonardo Cisneiros, integrante do grupo Direitos Urbanos e um dos organizadores do evento do último sábado (3), o discurso do proprietário visa a estratégia de deixar os imóveis completamente abandonados e após a destruição, poder ficar com o terreno. “As ações da Prefeitura ficaram em banho maria desde setembro do ano passado. Esse tempo todo e ele não apresentou um projeto. Foi colocado que a gestão pediria uma multa, mas tudo foi deixado de lado. O caso se agravou porque arrancaram mais um pedaço do telhado. A gente não sabe se foram tomadas providências e nem se a sentença será cumprida. Eles colocaram esse tapume para impedir nosso ato, mas de que forma isso ajuda na revitalização da casa?”, questionou Cisneiros.

As casas modernistas foram construídas em 1958, com o projeto do arquiteto Augusto Reynaldo. As residências misturam arte e arquitetura com painéis de azulejo (danificados com as pichações), paredes levemente inclinadas, móveis embutidos, varandas e pilotis, sistema de construção em que a edificação é sustentada por pilares no térreo. São diferentes tipos de esquadrias e argamassa pigmentada que representam características das construções modernas.

De acordo com Lívia Nóbrega, professora de arquitetura e urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), as casas em si já guardam várias qualidades que não são encontradas em outros exemplares na cidade. “Por exemplo, a questão da integração da obra de arte com a arquitetura no painel de azulejos no térreo, a questão da adaptação climática que foi uma coisa que os arquitetos modernos da arquitetura internacional. Percebemos o telhado cerâmico inclinado, espaços fluidos e vazados, as casas também não tem muros, mas sim um recuo. Escada de concreto bem leve com elementos de ferro, azulejos e desenhos característicos dessa época.  A gente vê esquadrias venezianas de madeira, elementos vazados, e isso representa uma sintonia com uma produção mundial, mas adaptada ao nosso contexto por conta do clima e material utilizado”, explicou.

Para ela, uma das questões é que a arquitetura moderna é mais recente, dos anos 1950, e não teve um tempo de maturação para que a sociedade a reconheça como patrimônio histórico e cultural. “Essa falta de cuidado acarreta na destruição muito rápida desses imóveis, antes mesmo de serem reconhecidos como parte de nossa arte”, contou. A professora também alerta que legalmente, o proprietário deve pagar a multa e recuperar todos os danos causados aos imóveis. “Ele tem que respeitar os registros, ser fiel ao que tinha antes, temos muitas imagens para que isso seja feito o mais parecido possível”, disse Lívia, que também é integrante do Comitê Internacional para Documentação e Conservação de Edifícios, Sítios e Bairros do Movimento Moderno (Docomomo Brasil).

Em risco, as casas modernistas são apenas parte do patrimônio modernista do Recife que se encontra vandalizado. Muitos foram destruídos e outros não recebem a importância devida. “Essa falta de valorização não é recente. É uma cultura antiga, mas chama muita atenção estarmos em 2018, em plena Rosa e Silva e acontecer esse tipo de coisa. Nós temos o Estatuto da Cidade que pode diminuir esses conflitos de quando um proprietário tem um imóvel e gostaria de mexer na estrutura. Existem possibilidades de diálogo com a gestão municipal para chegar em um acordo. Mas, na prática é tudo muito falho”, lamentou a pesquisadora da UFPE.

O Recife conta com 260 imóveis classificados como Especiais de Preservação. No ano em que a Lei foi sancionada, foram classificados de imediato 154 imóveis. De 1997 a 2012, apenas mais dois passaram a integrar essa lista. Entre 2013 e 2018, a gestão municipal classificou 104 imóveis, dentre eles a sede do Clube América, localizada na Estrada do Arraial, 3107, em Casa Amarela.

Procurada pela reportagem do LeiaJa.com, a Prefeitura do Recife informou que o proprietário dos imóveis foi acionado na Justiça, por meio da Procuradoria Geral do Município (PGM), pela descaracterização dos casarões de estilo modernista, sob a prerrogativa de que se tratam de Imóveis Especiais de Preservação (IEP). Sobre as obras de restauro, ficou acordada a realização de audiência, na presença da Justiça, que definirá a adoção das medidas necessárias para a intervenção, que é de inteira responsabilidade do proprietário dos imóveis em questão.

“Vale destacar que todas as medidas administrativas e judiciais cabíveis foram tomadas pela Prefeitura do Recife, que conseguiu, em setembro do ano passado, duas decisões judiciais determinando a preservação dos imóveis, tendo também notificado o Ministério Público de Pernambuco para avaliação de possível ação criminal contra os proprietários”, diz um trecho da nota enviada pela gestão municipal.

Ainda de acordo com a PCR, ficou acordado que o proprietário colocaria tapumes no limite do lote após aprovação da Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPPC). O objetivo é salvaguardar os imóveis para a execução de obras de restauro, que caberá ao dono das casas, mediante apresentação de projeto à DPPC e à Dircon.

“É importante ressaltar também que compete ao proprietário a vigilância e conservação dos imóveis. O executivo municipal não tem poder de entrar na propriedade particular, nem de impedir a entrada de pessoas nela, restando as medidas administrativas e judiciais adotadas para salvaguardar o patrimônio cultural, que, mesmo quando particulares, são elementos de fundamental importância para o conjunto do histórico e cultural da cidade”, diz outro trecho da nota.

Por meio de nota, o Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco se pronunciou e afirmou repudiar a destruição das casas modernistas da Avenida Rosa e Silva.

“O Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco, órgão colegiado vinculado à Secretaria do Estado, manifesta Moção de Repúdio à destruição criminosa a qual vem sofrendo os imóveis números 625 e 629 da Avenida Conselheiro Rosa e Silva, na cidade do Recife.

Os referidos imóveis, projetados em 1958 pelo arquiteto Augusto Reynaldo e conhecidos como Casas Modernistas, se inseriram de forma marcante na paisagem recifense e, além de serem exemplares representativos da escola pernambucana de arquitetura moderna, são também importantes testemunhos de sua época e dos modos de vida a ela associados. Por esses, e tantos outros valores, as duas edificações foram consideradas em Imóveis Especiais de Preservação, pela Prefeitura do Recife, através do Decreto nº 28.823, de 20 de maio de 2015.

No entanto, esta ação não foi suficiente para evitar que os imóveis, ao longo desses três últimos anos, tenham sido sistematicamente degradados à olhos vistos e à revelia de uma legislação que os protege. Nos últimos meses foram retiradas quase todas as suas esquadrias e grades, sendo também destruídos e pichados bens artísticos integrados à arquitetura. No último dia 27 de janeiro, os telhados das duas edificações foram inteiramente removidos, deixando-as quase arruinadas e numa situação de total fragilidade à ação de intempéries.

Este Conselho, que defende uma gestão compartilhada entre o Governo e a sociedade civil na preservação do Patrimônio Cultural em Pernambuco, solicita informações à Prefeitura do Recife sobre as medidas tomadas objetivando preservar a integridade dos imóveis e repudia o descaso do proprietário dos imóveis, Sr. Leonardo Teti, no cumprimento das suas obrigações legais em zelar pela integridade dessas edificações, reconhecidas oficialmente como parte do patrimônio cultural recifense”.

*Vídeo e fotografia: Eduarda Esteves/LeiaJáImagens

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De um lado, o proprietário e o desejo de fazer o que bem entender do seu imóvel. Do outro, a luta pela conservação da memória histórico-cultural de uma cidade cada dia mais descaracterizada pelo progresso. No meio da corda bamba, a gestão municipal. O impasse sobre a demolição ou não do sobrado 651 – a antiga padaria Capela – na avenida Conselheiro Rosa e Silva, na Zona Norte do Recife, segue sem previsão de desfecho. 

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O imbróglio se arrasta não é de agora. Em junho de 2014, os proprietários da padaria (filhos do falecido fundador, Alberto Capela) solicitaram à Prefeitura o alvará de demolição do casarão que tem mais de 100 anos de construção. Ao mesmo tempo, movimentos sociais entraram com pedido de transformação em Imóveis Especiais de Preservação (IEPs) para o antigo casarão e as duas casas de arquitetura modernista, localizadas ao lado. 

Em reunião do Conselho de Desenvolvimento Urbano do Recife (CDU), em dezembro do ano passado, decidiu-se que apenas os dois imóveis modernistas seriam classificados como IEP. O casarão da padaria Capela ficou “desprotegido” e, pouco antes do São João de 2015, o tradicional estabelecimento comercial parou as atividades. Tapumes em volta e o aviso de que a padaria seria transferida para um dos imóveis modernistas. 

Sem confirmação por parte dos proprietários, o projeto prevê a instalação de uma farmácia na casa 639 e um estacionamento precisaria ser feito no espaço onde hoje é a padaria. Um prédio histórico, demolido para abrigar carros. Em resposta, integrantes dos movimentos Direitos Urbanos e Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH) pediram intervenção judicial. No dia 28 de junho, a juíza Iasmina Rocha Vilaça determinou proteção provisória ao imóvel da antiga padaria. 

“Nós já estávamos preparando o documento. Com a urgência e o burburinho causado (pelo fechamento da padaria), entramos com o pedido. Sabemos que os proprietários pediram alvará de demolição em junho de 2014, enquanto o imóvel era avaliado para se tornar IEP. Isso não poderia nunca acontecer”, contou uma das advogadas do CPDH, Tereza Mansi. A liminar é parcial e deve ser cumprida até o posicionamento do Ministério Público sobre o caso. 

Proprietário cala e só confirma transferência da padaria

Um dos sócios da padaria Capela, que pediu para não ser identificado, confirmou, nesta terça-feira (7), que o estabelecimento comercial será transferido para uma das casas modernistas (imóvel 625). “A documentação já foi encaminhada e aguardamos os trâmites legais, autorização dos bombeiros. Ainda não sabemos um prazo (para a padaria retornar às atividades). Pode ser daqui a uma semana, 15 dias, um mês”, cogitou. 

Questionado sobre as obras no antigo casarão da padaria, o sócio não confirmou o que será feito no local. Também não quis dizer se, de fato, uma farmácia será instalada num dos casarões, se limitando a afirmar que não tem contato com o novo empreendedor. Para qualquer intervenção nos imóveis modernistas, os proprietários precisam ser autorizados pelo Departamento de Preservação de Patrimônio Construído (DPPC), da Secretaria de Planejamento Urbano do Recife. 

Segundo a Prefeitura, o alvará de demolição do casarão já foi concedido e a gestão municipal analisa se vai recorrer ou não ao processo que está rolando na justiça.

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