Nas mãos da assistente de gestão Jeane Lima, da Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Professor Cândido Duarte, localizada no bairro de Apipucos, Zona Norte do Recife, estão as atas da última reunião realizada no dia 4 de agosto na instituição de ensino. Ao mostrá-las à reportagem, nota-se que ao lado dos nomes de cada estudante está a assinatura de mães ou responsáveis. Ao todo, há 263 discentes e sete turmas na EREM, sendo 90 adolescentes apenas nas duas classes do 1º ano. Nas anotações, a assistente de gestão mostra que desse número, 12 homens foram apontados, no ato de matrícula, como responsáveis pelos filhos dentro do ambiente escolar.
Ao LeiaJá, Jeane, que havia realizado um breve levantamento do quantitativo de pais, ou seja, da figura paterna, no encontro promovido pela escola no início do mês, salienta que essa presença não foi expressiva, em comparação à frequência das mães ou avós, tampouco, chegou a 50%. “No último encontro família-escola, realizado no dia 4 de agosto, compareceram, ao todo, 79 pais ou responsáveis. Dessa quantidade, apenas sete foram homens", expõe.
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Valmira Maria de Amariz, que é gestora da escola há quatro anos, relata que durante o ano letivo são promovidos quatro plantões pedagógicos, além de apresentação da escola e diversos projetos. Dinâmicas que viabilizam a participação da família. No entanto, ela reforça que, para além dos eventos e reuniões, há possibilidade e abertura para recepção dos pais fora desse período. “Nós costumamos estender esse prazo para que os pais possam vir até a escola. Não precisa ser naquela data específica, mas o importante é estar presente para saber como anda o rendimento do aluno e o que está sendo feito na escola”, pontua.
Ata de presença no encontro família-escola (à esquerda) e equipe gestora da EREM Professor Cândido Duarte. Foto: Elaine Guimarães/LeiaJáImagens
A ausência ou baixa adesão dos homens no acompanhamento escolar dos filhos pode ser enxergada sob algumas perspectivas e justificativas que envolvem, por exemplo, questões sociais e de gênero como observa Priscila Cavalcanti, educadora de apoio da Professor Cândido Duarte. “Há uma questão cultural bem grande que coloca o homem na função de provedor do lar, o que sustenta a família. Por outro lado, cabe à mulher o cuidado com a casa e com os filhos”.
Ponto de vista que também é pontuado pelo gestor da Escola de Referência em Ensino Fundamental (EREFEM) e Médio Lions de Parnamirim, no bairro de Dois Irmão, também situada na Zona Norte da capital pernambucana, Manoel Vanderley dos Santos Neto. “A gente vive dentro de um contexto em que o patriarcado ainda é muito forte. Há também pais presos, assim como, um grande número de mães solo e, quase que na mesma proporção, muitos meninos não têm sequer o nome do pai registrado na certidão”, frisa.
No Brasil, ter o nome do genitor no registro de nascimento parece privilégio. Nos dados disponibilizados no Portal da Transparência do Registro Civil, nos módulos ‘pais ausentes’ e ‘reconhecimento de paternidade’, aponta-se que nos dois últimos anos, o quantitativo de crianças sem o nome do pai documentado atingiu mais de 320 mil, sendo 160.407 em 2020 e 167.399 ausências de paternidade na certidão em 2021.
Manoel Vanderley dos Santos Neto, gestor da Lions de Parnamirim. Foto: Júlio Gomes/LeiaJáImagens
No cargo de gestão na rede estadual de ensino dee Pernambuco há cinco anos, sendo dois meses à frente da Lions de Parnamirim, que atende alunos, em regime integral, do ensino fundamental II e ensino médio e, no turno da noite, o público da Educação de Jovens e Adultos (EJA), Manoel reforça que o contato entre a escola e a família é realizado ostensivamente por meio de convites, reuniões e projetos.
Atualmente, ele e a equipe gestora da EREM Professor Cândido Duarte criaram grupos no WhatsApp para facilitar a comunicação para além dos muros das escolas. Mesmo com a simplificação do contato e acompanhamento a distância, o quantitativo de pais [homens] nesses grupos, de acordo com os gestores das instituições, é quase inexistente.
Outra realidade
A vivência dos alunos da EREM Professor Cândido Duarte e Lions de Parnamirim não é a mesma dos 482 estudantes do Colégio Santa Emília, instituição particular, situado na cidade de Olinda, Região Metropolitana do Recife. À reportagem, Érika Ângelo, que é coordenadora pedagógica da instituição, afirma que a presença da figura paterna é bem comum nas reuniões e eventos em geral. “É uma cultura que se construiu aos longos dos 38 anos. O colégio preza muito pela parceria da escola com a família. Ao logo dos meus 12 anos como pedagoga e coordenadora pedagógica, eu sinto que, a cada dia, os pais conquistam mais espaço na participação diária das atividades escolares dos filhos”.
Em sua análise e contexto no colégio particular, Érika reforça que a comunidade paterna vem assumindo o protagonismo do acompanhamento escolar que antes era constituído, majoritariamente, pelas mães. Além disso, ela aponta que nos três segmentos do ensino médio (1º, 2º e 3º anos) há um número considerável de pais (homens) presentes. Essa participação equilibrada também é uma diferenciação entre o Santa Emília e as escolas estaduais citadas anteriormente, em que o maior comparecimento é percebido nas turmas do 1º ano.
Presença é reconhecimento do esforço
Fabiana Santos, psicóloga do SOEP infantil do Colégio GGE, unidade Caruaru, destaca que a presença da figura paterna, seja ela o pai, avô ou tio, é importante para o desenvolvimento do aluno. Além disso, quando é percebida pelo estudante, a participação e interesse pelas atividades executadas e dinâmicas geram um reconhecimento de esforço. "Muitos pensam: eu tenho um espaço na vida do meu pai", aponta.
“A priori, a criança se empenha nas atividades escolares para receber um elogio e reconhecimento paternos e à medida que se desenvolve começa a entender seus méritos e evoluções, se dedicando também em busca de uma autorrealização. Os pais, ressaltando a figura paterna, têm sua relevância neste processo, legitimando o esforço do seu filho ou filha, validando suas conquistas, apoiando e acreditando na superação das possíveis dificuldades que possam surgir no decorrer da vida da criança”, esclarece.
De acordo com a psicóloga, quando existe essa ausência paterna, não é aconselhado a mãe assumir o papel que cabe ao genitor. "Ao tentar suprir esse papel, que é do pai, a figura materna acaba trazendo para si uma grande sobrecarga. As mulheres já têm um grande papel, que é o de mãe, e ao assumir mais uma responsabilidade, além do aumento da carga, pode vir acompanhado de frustração", alerta.
Ponto fora da curva
No quesito participação na vida escolar da filha Maria Victória, de 12 anos, o artista e interventor urbano Marquinho ATG faz questão de manter a assiduidade. Além de levar e buscar Victória em uma escola particular, Marquinhos está informado sobe o rendimento e comportamento da filha. No entanto, o artista pondera e relata que a dinâmica não foi sempre assim. “No início, eu trabalhava e fazia faculdade de fotografia. Não tinha muito tempo para acompanhar a vida escolar dela. Então, comecei a suprir essa ausência inicial e passei a acompanhar sempre, a compartilhar esse cuidado com a minha esposa”, explicou ao LeiaJá.
Durante a entrevista, ele relatou que a sua presença no antigo colégio de Maria Victória chegou a causar estranhamento e certo constrangimento. “Uma vez fui chamado pela coordenação da escola dela [Victória]. Chegaram a questionar por que eu ‘ia’ tanto na escola, se eu era separado da mãe dela. Foi a segunda vez na vida que fui chamado atenção na escola”. Para ele, o que justificaria a postura do antigo colégio da filha foi pelo “jeito alternativo, uso de bermuda e tatuagem”. "Chorei bastante e, mesmo com tudo resolvido, optamos por mudar ela de escola", disse.
Marquinhos ATG com a filha Maria Victória. Foto: aquivo pessoal
Com a chegada da adolescência de Victória, Maquinhos já começou a delegar algumas responsabilidades para, assim, estimular a autonomia e diminuir a dependência. “Eu deixo claro o que é da minha responsabilidade, mas também, digo qual parte cabe a ela”, ressalta. Para o interventor urbano, o acompanhamento paterno é necessário. “É importante que os pais se façam presente”, comenta.