Tópicos | Policiais Femininas

A cultura machista que permeia a sociedade brasileira nos “ensina” desde muito cedo que no mundo há coisas que se destinam apenas a homens ou a mulheres, começando pela cor do quartinho do bebê, passando por dar carrinhos aos meninos e boneca às meninas e culminando, muitas vezes, na escolha da área de estudos e atuação no mercado de trabalho. 

Profissões que envolvem altos riscos ou exigem habilidades como força, afinidade com ciências exatas e condicionamento físico muitas vezes são vistas como masculinas, o que reduz o número de mulheres que se interessam por esse tipo de trabalho e decidem exercê-lo. O trabalho com forças de segurança como exército e polícia, por exemplo, ainda é visto como algo a ser desempenhado por homens, havendo assim uma diferença de gênero notável quando se observa quantas mulheres atuam nos efetivos dessas instituições.

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Neste Dia Internacional da Mulher, data marcada pela luta feminina pela igualdade de direitos, LeiaJá fez uma entrevista com Manoela Correia de Carvalho, que é 2º Sargento da Polícia Militar de Pernambuco (PM-PE) para entender como é o dia a dia de mulheres policiais e quais são os desafios enfrentados pelas policiais em uma sociedade machista. 

Incentivo do pai, medo da mãe

Manoela tem dois filhos e 34 anos, dos quais 13 foram dedicados à PM. Por incentivo de seu pai, que também é militar e via na filha habilidades que poderiam ser interessantes na carreira policial, Manoela foi estimulada a fazer o concurso da polícia ainda bem cedo, aos 18 anos, ingressando na corporação como Soldado. 

“Fiz concurso público com 18 anos, logo que eu terminei o Ensino Médio. Eu estava estudando para o vestibular, então não tive dificuldades com a parte intelectual, na de saúde também não, e como eu já praticava esportes, não tive dificuldades de ser aprovada nos testes físicos”, contou ela, que praticava vôlei e também já fez treinos de natação, mas nem pensava em si mesma como policial.

Foi já depois de ser aprovada no concurso público, durante o curso de formação de oficiais, que Manoela começou a entender exatamente como seria o trabalho na Polícia Militar e, segundo ela, a primeira reação foi de estranheza. “Senti a mudança de ambiente, do mundo civil para o mundo militar. É uma cultura totalmente diferente, mas com o tempo você vai criando um carinho pela profissão. Tudo termina recaindo sobre a polícia, a gente consegue ajudar as também com dificuldades sociais, e isso me causou uma afinidade pela profissão”, explicou a Sargento.

No que diz respeito ao restante da família, Manoela explicou que por sempre ter tido uma personalidade tranquila e divertida, o restante da família estranhou um pouco a sua escolha por não ver nela o perfil do que se imagina de uma pessoa que trabalha na polícia. A mãe de Manoela, por sua vez, sempre demonstrou preocupação e muito medo com a segurança de sua filha durante missões operacionais de patrulhamento. De acordo com ela, sempre que conta que vai para uma atividade operacional, ouve de sua mãe frases como “Ai, meu Deus, tenha cuidado”, especialmente depois de ter tido filhos. 

Pioneirismo nas Unidades Especializadas

Ao longo de sua carreira, Manoela já passou por vários setores da polícia, entre unidades administrativas e operacionais, tendo feito parte, por exemplo, da Cavalaria, do Colégio Polícia, da Rádio Patrulha e, atualmente, do setor de comunicação, além de ter integrado o efetivo das Forças Armadas durante a missão das Olimpíadas Rio 2016 em Brasília e no Rio de Janeiro. 

A Sargento explica que a PM tem 193 anos, mas que só 35 anos atrás começou a aceitar mulheres, que a princípio só atuavam em tarefas administrativas ou nos batalhões de trânsito. Atualmente, de acordo com Manoela, apenas cerca de 20% do efetivo da Polícia Militar de Pernambuco é composto de policiais femininas, apesar de os editais de concurso público não separarem as vagas ofertadas por sexo.

Para ela, o que faz com que o número de mulheres policiais continue sendo menor, mesmo que esteja em crescimento, é o machismo presente na sociedade brasileira que faz com que muitas mulheres nem considerem trabalhar em profissões que exijam força e apresentem certos riscos, por não achar que podem. "Com certeza isso afasta o interesse, uma vez que não há barreiras, mas ao longo dos concursos a gente está vendo que vem aumentando o número de mulheres entrando na corporação à medida em que vai se tentando desmistificar essa questão, mas que isso atrapalha, atrapalha sim", disse Manoela. 

A Cavalaria foi a primeira unidade em que Manoela atuou, e também a primeira unidade de polícia especializada a aceitar mulheres. “A minha turma foi a primeira com policiais femininas na Cavalaria, as unidades especializadas não tinham mulheres, hoje a maioria está tendo. Uma das meninas foi selecionada para lá por engano, acharam que o nome dela era masculino e quando ela se apresentou o comandante disse ‘Ah, foi um engano, você é mulher e está aqui, vamos mandar você de volta’ mas o subcomandante sugeriu tentar, ela disse que tinha interesse e ele disse que chamaria mais seis mulheres para formar um pelotão feminino e eu fui uma dessas. O batalhão teve que ser reformado para ter instalações femininas, isso deu um pontapé inicial”, contou ela, que atualmente atua no setor de comunicação durante a semana e reforça o efetivo em finais de semana, feriados e grandes eventos. 

A presença de mulheres nos efetivos policiais, para Manoela, além de benéfica é também necessária, uma vez que a habilidade de resolução de conflitos com a razão e com estratégia antes do uso da força traz muitos ganhos ao serviço. Além disso, ela explica que unidades que têm mulheres estão mais preparadas para atender a diferentes tipos de ocorrências, e usou um exemplo da época em que ela atuava na Cavalaria. Confira: 

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“É preciso estar mais preparada que os homens”

Manoela explica que quando vai sair para alguma missão operacional, é preciso chegar mais cedo para colocar o fardamento, se armar, colocar os equipamentos de proteção individual mais adequados à missão do dia, se preparar fisicamente, conferir sua escala para sair e então oferecer o serviço de segurança. A escala, a depender da ocasião, pode enviar os policiais a vários lugares da Região Metropolitana do Recife (RMR) ou até mesmo para o interior do Estado, em épocas como o período de festas juninas, semana santa e eleições, por exemplo.  

Manoela explica que na rua o exercício do trabalho policial não tem diferenças para os homens e para as mulheres, mas que é preciso que as policiais femininas estejam sempre mais atentas durante as missões, pois o machismo faz com que muitas vezes os suspeitos se sintam mais à vontade para reagir contra elas. 

“Uma vez fizemos um cordão de isolamento, tinha homens passando e um deles quando viu um elo formado por duas mulheres, tentou passar por ali pelo fato de serem mulheres, aí o capitão ouviu e interviu. Acontece de tentarem reagir contra nós por ver a mulher como mais fraca, mas como temos o mesmo treinamento, a gente se impõe dentro da autoridade legal que exercemos. Quando estou dando aula em curso de formação, sempre digo às alunas que elas têm que estar sempre mais preparadas que os homens porque às vezes o criminoso pensa duas vezes em reagir a um comando de um policial homem, mas quando vê uma mulher pensa em reagir enxergando uma suposta facilidade. Tem que estar preparada e ligada porque se vier uma reação, com certeza vai vir para nós”, explicou a policial. 

Cuidados Institucionais

A 2º Sargento Manoela explica que há algumas peculiaridades a respeito do trabalho das policiais femininas que precisam ser observadas pela instituição para garantir o bem estar tanto das trabalhadoras como também de suas famílias em certos casos. 

Ela explica que é necessário que haja uma sensibilidade para “Adequar o local da escala para um local onde tenha banheiro e onde na missão não passe muitas horas em pé para policiais menstruadas ou que sofrem com TPM. Uma gestante não pode estar em atividade operacional porque é um serviço perigoso, uma lactante não pode ser empenhada para missões longe do bebê, etc. Tem que ter esse tipo de sensibilidade e tentamos regulamentar tudo por meio de portarias”, explicou ela. 

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