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A suscetibilidade de jovens negros da zona rural diante da possibilidade de sofrer violências, a defesa do uso de câmeras corporais acopladas ao uniforme de policiais, a impunidade de agentes que cometem excessos e um Estado com poucos negros em posições de tomada de decisões. Essas foram algumas das colocações, em relação ao Brasil, feitas nesta sexta-feira (8), por membros do Mecanismo Internacional Independente de Especialistas para Promover a Justiça Racial e a Igualdade no Contexto da Aplicação da Lei.

Os integrantes da comitiva chegaram ao país no último dia 27. Eles vieram com a missão de avaliar se a aplicação de leis e políticas têm assegurado ou violado direitos da população negra.

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A análise antecipada, em entrevista, por Tracie L. Kesse e Juan E. Mendéz, será pormenorizada futuramente, na forma de um relatório que será divulgado em setembro de 2024. Outro aspecto que deve constar do documento é o reconhecimento da efetividade de instrumentos como as cotas para negros no funcionalismo público e a criação do Ministério da Igualdade Racial pelo governo Lula.

A comitiva passou por Salvador, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro, além de Brasília. Um dos critérios para definir a rota da viagem foi incluir locais que registraram casos mais graves de violência policial recentemente, como o da Operação Escudo, na Baixada Santista, e os episódios ocorridos na Vila Cruzeiro e em Jacarezinho, no Rio de Janeiro, e em Salvador. Outro ponto de partida, explicaram os integrantes do órgão, foram as denúncias que são compartilhadas diretamente com eles, não somente pela mídia.

Durante a visita ao Brasil, o grupo conversou com diversas autoridades, tanto do Poder Executivo como representantes do Ministério Público e Defensoria Pública. Durante o período, os especialistas também dedicaram atenção e tempo a ver de perto as condições de presídios - como a Penitenciária Lemos Brito, em Salvador - e do Rio de Janeiro, que não tiveram os nomes citados.

Juan E. Mendéz afirmou que, no Brasil, o que se observa é um cenário que comporta uma "impunidade generalizada", com diversos crimes sem a devida investigação e um adequado desfecho e um negacionismo quanto à existência do racismo estrutural, que "deve ser erradicado". Ele defendeu o uso obrigatório de câmeras corporais por parte dos agentes de segurança como medida para vigiar sua conduta e coibir abusos contra a população.

Em sua entrevista, Mendéz, que já foi diretor executivo do Instituto Interamericano de Direitos Humanos e relator especial da Organização Nacional das Nações Unidas (ONU) sobre tortura, disse, ainda, que outra marca atual do Brasil é a "erosão de confiança" em relação às forças de segurança, causada, sobretudo, pelas violações de direitos humanos. Um aspecto ressaltado por ele foi como o modelo de masculinidade tóxica acaba se refletindo em abordagens policiais.

Impunidade no sistema criminal

"A impunidade de que estamos falando é generalizada no sistema criminal. As comunidades têm medo de apresentar suas denúncias com medo de retaliação", observou ele, que hoje leciona Direito dos Direitos Humanos na American University-Washington College of Law.

Quanto às penitenciárias, Mendéz elencou o saneamento inadequado, a má qualidade dos alimentos oferecida aos detentos, a criminalização dos presos e a estigmatização das famílias, assim como a sobrecarga dos agentes penitenciários, como os principais problemas constatados ao longo das visitas. "O número de encarcerados é impressionante", destacou, adicionando que também fica evidente a grande proporção de negros atrás das grades.

Tracie L. Kesse é co-fundadora e vice-presidente sênior de Iniciativas de Justiça do     Center For Policing Equity. Ela complementou os apontamentos do colega e classificou o que acontece no país como uma modalidade de um "racismo perverso" que contamina as relações. Ela deu ênfase a práticas que se tem adotado, como o trabalho de defensores públicos junto a famílias de vítimas e a lacunas também, citando a falta de representatividade de mulheres no Poder Judiciário e ações de combate à intolerância religiosa. Outra crítica foi quanto à falta de esforço para a utilização do nome social de pessoas transgênero.

"O racismo está sempre presente em algumas leis, que perpetuam a desigualdade em áreas como a saúde", disse ela. "Nós reconhecemos o desafio do governo para oferecer segurança à população", acrescentou.

Quilombolas

Um dos pontos que intrigou a reportagem foi o fato de o Mecanismo não tratar dos assassinatos de lideranças quilombolas, já que muitas das mortes eram anunciadas e parte dos casos geram suspeitas sobre o envolvimento de policiais. Perguntados sobre isso, Tracie L. Kesse e Juan E. Mendéz desconversaram e justificaram as escolhas da programação da viagem dizendo que procuraram focar em casos como o da Operação Escudo. Eles também argumentaram que escutaram "várias lideranças negras", mas sei exemplificar com algum nome quilombola.

A comitiva também não comentou nada sobre indígenas e também não visitou o Norte do país.

"Sabíamos que não podíamos ir a certos locais", declarou Tracie, ao responder indagação feita pela reportagem, o que pode ser interpretado como cautela quanto a idas a comunidades quilombolas, pelo grau de violência que paira sobre elas atualmente.

Um balanço da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) - compartilhado com a reportagem em novembro - indicava que, nos últimos dez anos, houve 35 assassinatos de quilombolas. No relatório consolidado sobre os casos, a Bahia, com nove ocorrências, se destaca como um dos estados com maiores índices desse tipo de violência.

Uma patroa foi flagrada em vídeo agredindo uma diarista, grávida de três meses, em um apartamento no bairro de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitina do Recife. As agressões aconteceram na última quinta-feira (23), na frente da filha da trabalhadora, uma criança de apenas dois anos. No boletim de ocorrência registrado por Kássia da Silva, vítima das agressões, foi informado que a suspeita se chama Cibele Aspasias.

Ainda de acordo com a denúncia, a diarista tinha uma jornada de trabalho de 16 horas por dia, com início às 5h30 e término às 21h30. Nesse longo período de tempo trabalhado, Kássia só tinha direito a uma refeição.

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Nas imagens gravadas pela própria vítima, é possível observar a patroa mandando ela ir embora, enquanto a diarista cobra pelos seus quatro dias trabalhados. A trabalhadora se nega a ir embora sem o pagamento e em meio a discussão, a patroa agride a diarista na frente de sua filha, que começa a chorar assustada com a situação.

Além da violência física, Kássia acusa Cibele de racismo, após a patroa chamá-la de “negra macaca” e dizer que pessoas pretas “não prestam”.

Em nota, a Polícia Civil de Pernambuco afirmou que o caso está sendo investigado pela 2ª Delegacia da Mulher. Um inquérito policial foi instaurado para investigar as agressões físicas, trabalho análogo à escravidão e injúria racial.

Após Ludmilla acusar Thiago Gagliasso de racismo, o deputado estadual decidiu ir até a delegacia para prestar queixa contra a cantora. Nas redes sociais, ele gravou uma série de vídeos desmentido as acusações e afirmando que tomará medidas legais.

O irmão de Bruno Gagliasso começou contando:

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- Chegando aqui na delegacia, porque lugar de acusar é na internet, mas lugar de provar é na Justiça. Fui acusado de algo que não fiz, um crime que não cometi, e quem me acusou vai pagar, porque aqui não tem nenhum palhaço.

Em seguida, disparou:

- Eu vou até o final, que a brincadeira da Lud está só começando. Aqui não tem nenhum maconheiro malandro não, aqui tem um pai de família com filho, não está lidando com o seu povinho não, aprenda.

No feed do Instagram, o político disparou mais críticas à cantora e frisou que resolverá a situação na Justiça.

- Saindo agora da delegacia, porque diferentemente de pessoas que usam o racismo para se promover, para mim racismo é uma coisa muito séria. Ser acusado de racismo, coisa que eu não fiz, é mais ainda. Eu não tenho medo de cancelamento, minha filha. Eu vou provar e você vai ter que provar, não é na internet não, é na Justiça. Toma vergonha na sua cara. Fumou maconha estragada? Toma vergonha na sua cara antes de acusar alguém disso aí. Respeita quem sofre mesmo de racismo. E não é você não, que destrata criança da favela, não tira foto com ninguém, destrata funcionário.

Em mais vídeos compartilhados nos Stories, ele finalizou:

- Estou passando aqui para agradecer cada mensagem que eu recebi de apoio. Não foi pouca, foi muita gente comprando meu barulho, sabe dessa covardia. Só porque eu não dei uma medalha. Eu não preciso concordar em dar a honraria maior do Estado para quem não sabe cantar nem o hino nacional. A pessoa vai querer te atacar, te cancelar, te chamar de racista para mais de 30 milhões de seguidores, mas quem tem seguidor para mim é formiga. Eu tenho gente de verdade do meu lado que conhece meu caráter, minha índole. Minha família, minha mãe. E a gente não tem medo de cancelamento, não tem medo de p***a nenhuma. Pode tentar cancelar 200 vezes, f***-se. Cancelamento é igual fantasma, só aparece para quem acredita. Espero motivar jovem que tem medo de ser cancelado. P***a nenhuma, vamos enfrentar qualquer falsa notícia, covardia graças a vocês que confiam em mim e compram meu barulho. Muito obrigado do fundo do meu coração a todos vocês.

 

Alvo de insultos racistas nas redes sociais após discutir com Messi durante a derrota por 1 a 0 do Brasil para a Argentina, no Maracanã, o atacante Rodrygo recebeu apoio da CBF, que publicou uma nota para condenar o comportamento dessa parcela de torcedores argentinos. No texto, a entidade também pontua a expectativa que tem colocado sobre o próximo amistoso da seleção, marcado para março de 2024, contra a Espanha, no Santiago Bernabéu, em Madri, onde serão realizadas ações contra o racismo.

Depois do jogo de terça-feira, no Rio, torcedores da atual campeã do mundo invadiram as redes sociais do brasileiro do Real Madrid para ofendê-lo com mensagens racistas, e o próprio jogador denunciou o caso, dizendo que não abaixaria a cabeça frente aos ataques. Na nota publicado no final da noite de quinta-feira, a CBF diz que "seguirá trabalhando de forma incansável para banir do futebol esta doença chamada racismo".

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"O racismo não vencerá. Me solidarizo com Rodrygo, que sofreu ataques violentos e injustificáveis", disse Ednaldo Rodrigues, presidente da entidade esportiva. "Atitudes como essa, que infelizmente já vimos acontecer outras vezes com jogadores brasileiros negros, merecem punição. O papel da sociedade, o papel da CBF, é o de criar mecanismos para conter e estancar esse crime, dentro e fora dos campos. Como primeiro presidente negro da CBF, sigo lutando pelo dia em que nenhuma pessoa será discriminada pela cor da sua pele."

Ednaldo tem falado bastante sobre racismo durante sua gestão e se pronunciou quando Vinícius Júnior entrou nos holofotes da imprensa mundial combatendo duramente o racismo do qual é vítima na Espanha, com a camisa do Real Madrid. Foi nesse contexto que se deu a organização da partida entre Brasil e Espanha no Santiago Bernabéu, duelo que o presidente da CBF acredita que será um marco no combate ao racismo.

"Em março do ano que vem, na próxima data FIFA na Espanha, contra a Seleção Espanhola, você Rodrygo, Vinícius Jr., além de todos os brasileiros que são vítimas do racismo, iremos realizar mais que um jogo, mas uma ação, chamada "Uma só pele", que é um chamamento à reflexão sobre esse tipo de violência que você sofreu, que Vinícius sofre e que todos aqueles que como vocês, brasileiros ou não, jogadores ou não, sofrem diariamente neste planeta", afirmou.

Antes do pronunciamento da CBF, Rodrygo já havia recebido o apoio do Santos, clube que o formou. "Mais do que repudiar, o Santos FC deseja que todos os responsáveis pelos atos de racismo cometidos contra o nosso Menino da Vila sejam condenados como determina a lei. Racismo é crime e assim deve ser tratado", escreveu. Vini Júnior e o zagueiro Rudiger responderam à publicação do companheiro de Real Madrid com emoji do símbolo contra o racismo.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou nesta segunda-feira (20) o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) por injúria contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por racismo contra o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida.

A denúncia foi baseada nas declarações do deputado durante uma entrevista concedida a um programa de podcast na internet, em junho deste ano. 

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Na ocasião, Gayer associou africanos a pessoas com quociente de inteligência (QI) baixo. Durante a conversa com o apresentador Rodrigo Barbosa Arantes, o deputado disse que a população daquele continente não tem capacidade para viver em um regime democrático.

Na entrevista, o deputado ainda chamou o presidente Lula de "bandido".  Após as declarações terem sido levadas à PGR pela Advocacia-Geral da União (AGU) e parlamentares da base governista, o deputado publicou nas redes sociais uma mensagem contra Silvio Almeida.

"Mais um para provar que QI baixo é fundamental para apoiar ditaduras. Infelizmente temos um ministro analfabeto funcional ou completamente desonesto", escreveu.  De acordo com a vice-procuradora em exercício, Ana Borges Santos, as declarações de Gayer não estão cobertas pela imunidade parlamentar. 

"As palavras empregadas não estão alcançadas pela imunidade, porque o discurso foi dolosamente ofensivo, injurioso, depreciativo, aviltante", escreveu a procuradora.  Defesa A Agência Brasil entrou em contato com o gabinete de Gustavo Gayer e aguarda retorno.

Em vídeo publicado nas redes sociais na época dos fatos, Gayer disse que sua entrevista foi tirada de contexto e publicada na internet. O parlamentar afirmou que fez comentários sobre a qualidade da educação e subnutrição no continente, fatores que, segundo ele, têm impacto no QI da população.

Das 27 unidades da federação, apenas sete têm secretarias específicas para o combate ao racismo, trazendo para o primeiro escalão as políticas pela igualdade racial. São dois estados no Norte, Amapá e Pará; quatro no Nordeste, Maranhão, Rio Grande do Norte, Ceará e Bahia; e um no Sul, o Paraná. No caso dos estados do Paraná e do Rio Grande do Norte, o tema da igualdade racial divide a secretaria com outras temáticas, como Direitos Humanos e Mulheres.

Na maioria dos estados a política contra o racismo está posicionada em subsecretarias, coordenadorias, ou superintendências dentro de secretarias temáticas mais amplas, principalmente de Direitos Humanos ou de Cidadania. Em alguns casos, a estrutura restringe-se a um conselho consultivo onde a sociedade opina sobre as políticas locais e seu impacto sobre a questão racial.

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Representantes do movimento negro e especialista em políticas para questão racial entrevistadas pela Agência Brasil avaliaram que esse dado reflete a pouca centralidade do combate ao racismo nas esferas públicas do país. 

A integrante da secretaria operativa da Coalização Negra por Direitos, Ingrid Farias, considera alarmante o baixo número de secretarias pela igualdade racial nos governos estaduais. Para Ingrid, estar no primeiro escalão representa um compromisso do Estado em executar as políticas públicas a partir de uma avaliação do impacto delas para o racismo em todas as áreas da sociedade.

“Quanto maior nos escalões você estiver mais acesso à orçamento você tem. Se a gente não tem acesso ao orçamento não se consegue fazer mudanças estruturais. Não adianta ter superintendência, secretaria, gerência, nada disso ou se isso não se reflete de fato no repasse de recurso orçamentário porque é assim que a gente consegue fazer as mudanças”, destacou.

A coordenadora da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Cleusa Silva, considera há muito no que avançar no Brasil em políticas públicas contra o racismo e que, muitas vezes, as ações implementadas acabam sendo “para inglês ver”.

“Você cria uma determinada coordenadoria, ou algo que não tem caneta, nem poder de decisão, para dizer que está fazendo alguma coisa no combate ao racismo e na verdade não está”, afirmou. O termo “para inglês ver” se popularizou no Brasil durante o Império porque o governo tomava medidas para inibir o tráfico de escravizados, mas que não tinha efetividade.

A especialista em políticas públicas para igualdade racial Carmela Zigoto, que é assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), ponderou que as estruturas dos estados e municípios para o combate ao racismo variam muito e, por isso, seria preciso entender como cada órgão funciona e se eles têm orçamento. De toda forma, ela acredita que a pouca presença no primeiro escalão “é simbólica de como o Brasil ainda trata a questão do enfrentamento ao racismo”. 

“Se a política pública está em um escalão mais elevado, há mais poder para o gestor pautar e intervir. O combate ao racismo deve estar em instâncias com poder porque o racismo opera com muita força na institucionalidade. O racismo institucional existe nos órgãos de gestão e no oferecimento do serviço para população que, muitas vezes, é discriminada no posto de saúde, na assistência social. Por isso, tem que ter formação dos servidores para que essa discriminação não aconteça”, explicou.  

Municípios

Em relação aos municípios, um levantamento do Ministério da Igualdade Racial (MIR) mostrou que apenas 18% das cidades brasileiros têm algum órgão que promove política de igualdade racial. Dos 5.568 municípios do país, 1.044 contam com alguma estrutura institucionalizada para o combater o racismo. A maioria desses municípios estão nos estados de Minas Gerais (148), Bahia (118), São Paulo (97) e Rio Grande do Sul (79). 

O número de municípios está inscrito no Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir) é bem menor. Apenas 195 cidades estão nesse sistema, representando 3,5% dos municípios brasileiras. Por outro lado, todas as 27 unidades da federação estão no Sinapir. 

Criado em 2010, o Sinapir é a estrutura de gestão responsável por interligar todos os entes federados na promoção da igualdade racial e no combate ao racismo. A adesão é voluntária e têm como objetivos fortalecer as políticas contra o racismo, ampliando sua efetividade e alcance na sociedade. 

 

 

 

O Brasil foi o último país do planeta a abolir a escravidão e, ao invés de reparar os ex-escravizados, criou dificuldades para inclusão do negro na nova economia baseada no trabalho assalariado. A imigração europeia para as áreas econômicas mais prósperas do país e a Lei de Terras, de 1850, que limitou o acesso à terra da população pobre, contribuíram para impedir a ascensão social da população negra.  

“Com a imigração massiva, os ex-escravos vão se juntar aos contingentes de trabalhadores nacionais livres que não têm oportunidades de trabalho senão nas regiões economicamente menos dinâmicas, na economia de subsistência das áreas rurais ou em atividades temporárias, fortuitas, nas cidades”, explicou Mário Theodoro, professor do programa de pós-graduação em direitos humanos da Universidade de Brasília (UnB) que estudou a formação do mercado de trabalho no Brasil sob a ótica racial. 

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A ausência da reparação pelos mais de 350 anos de escravidão no Brasil e as estatísticas que comprovam que a população negra mantém os piores indicadores sociais e econômicos são os argumentos usados para que o Estado assuma seu papel na luta pela igualdade racial.  

Para a representante da Coalizão Negra por Direitos Ingrid Farias, o Estado tem papel central no combate ao racismo e à desigualdade. “É o Estado quem regula nossas relações sociais. O Estado está ligado à nossa dinâmica de mobilidade urbana, de saúde, está ligado à dinâmica territorial dentro dos nossos bairros, a economia também é o Estado que regula em parceria com o mercado”, justificou.  

A pesquisadora de gênero, raça e participação política na América Latina acrescentou que sem o Estado não é possível influenciar as estruturas da sociedade. “Por exemplo, várias empresas hoje têm políticas afirmativas de contratação de pessoas negras e isso é fruto da reflexão que o Estado vem provocando junto com a sociedade e que a sociedade vem provocando junto ao Estado brasileiro”, observou. 

Institucionalização da política contra o racismo 

Apesar de algumas iniciativas legislativas e da criação de conselhos locais contra o racismo, foi somente 115 anos após a abolição que o Brasil criou um órgão federal para elaboração e execução de políticas contra o racismo. Em março de 2003, foi inaugurada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). 

“De fato, mexer com políticas públicas para a questão racial foi com a Seppir. Antes disso não tinha nada. Havia algumas intenções, algumas legislações, mas não existiam órgãos que mexiam com política pública. Tinha alguns conselhos estaduais, como o de São Paulo, mas órgãos e secretarias não existiam”, destacou.  

Desmonte da política racial  

Levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostrou que as políticas para igualdade racial foram reduzidas pelo governo de Jair Bolsonaro. O Plano Plurianual (PPA) de 2019 a 2023, que contempla os programas e ações do governo para o período, excluiu a temática da igualdade racial, que teve os programas absorvidos por outras políticas mais amplas de direitos humanos. 

Já o orçamento executado para igualdade racial caiu de R$ 18,7 milhões, em 2019, para R$ 6,94 milhões, em 2022. “Enquanto o governo deixou de financiar a política de igualdade racial, o Brasil seguiu com os piores indicadores para a população negra, que, com o passar dos anos, não têm melhorado. A população negra representa 75% no grupo dos 10% mais pobres, sendo que compõe 56% da população total”, afirma o Inesc.   

Ministério da Igualdade Racial  

Com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a questão racial voltou a figurar no primeiro escalão por meio da criação do Ministério da Igualdade Racial (MIR). Enquanto no PPA anterior não existia menção ao público negro e ao racismo, o projeto de PPA para 2024 a 2027 contemplou o tema em 39 programas.  

O novo PPA prevê que a igualdade racial seja uma agenda transversal que deve estar presente em todas as políticas públicas. Para 2024, a previsão é que o MIR tenha um orçamento de R$ 110 milhões, segundo projeto enviado pelo governo ao Congresso.  

A assessora do Inesc Carmela Zigoto considera que “é um recurso extremamente pequeno considerando o tamanho do problema e também o tamanho do orçamento público. É um recurso insuficiente se considerarmos os trilhões do orçamento”.  

Por outro lado, Zigoto ponderou que o MIR é um ministério meio, que tem o papel de articular e fomentar políticas antirracistas com os ministérios que prestam serviço em massa para população, como os da Saúde, Educação e Justiça e Segurança Pública.   

“Qualquer política pública precisa pensar nos impactos que ela vai gerar no enfrentamento ao racismo. Todos os ministérios têm que estar preocupados com isso e não só o MIR. É importante o MIR existir para coordenar e fomentar a igualdade racial com as outras pastas”, destacou.  

A coordenadora da Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Cleusa Silva, defendeu que as políticas contra o racismo devem ter orçamento compatível com o tamanho da população negra do país. Dados recentes do IBGE indicam que cerca de 57% da população se declaram pretos ou pardos no Brasil. 

“É preciso agora ter orçamento que, de fato, contemple essa desigualdade crônica e sistêmica existente na população negra brasileira. Você elabora uma política pública, mas ela é mal dimensionada e não tem o orçamento público que garanta sua efetividade”, afirmou.  

O início do futebol no Brasil, ainda no final do século XIX, foi marcado pelo racismo. De origem etilista e praticada exclusivamente por brancos, nasceu como uma clara tentativa de segregação racial. Em Pernambuco, alguns nomes chegaram para quebrar paradigmas e ajudar a reescrever as páginas da história do esporte mais popular entre os brasileiros.

No Dia da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de novembro em virtude da morte de Zumbi dos Palmares, o LeiaJá relembra alguns baluartes antirracistas em solos e gramados pernambucanos. 

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Lacraia: o pioneiro

O Santa Cruz tem contribuição essencial na inserção do negro em nosso estado. Quando nasceu, trouxe consigo um manifesto contra o racismo. Fundador do clube em 1914, Teófilo Baptista Bacelar de Carvalho, mais conhecido como "Lacraia", aparece na primeira foto oficial do Santa, destoando da maioria esmagadora de brancos.

A reportagem ouviu Gil Batista Bacelar Neto, bisneto de Lacraia, o primeiro negro a jogar por aqui. Ele nunca viu o bisavô atuar, mas ouvia as histórias do pai, Gil Batista Bacelar Filho, e, além de herdar a paixão pelo Mais Querido, se orgulha de sentir correr nas veias um DNA tão importante para a causa.

“Eu costumo dizer que sou um branco de alma preta. Vários dos meus antepassados são de cor negra, não só Lacraia. Na nossa família nunca houve nenhum tipo de distinção, todo mundo trata todos como iguais. Afinal, a cor não interfere nem no caráter nem no potencial da pessoa”, disse Gil.

Vale lembrar que, inicialmente, o Santa tinha um uniforme preto com listras brancas em homenagem a Lacraia. O clube só passou a ser tricolor após perder um sorteio contra o Flamengo-PE, que também era alvinegro, já que segundo o regulamento da extinta Liga Sportiva Pernambucana, o Estadual não poderia ter dois times com a mesma tonalidade. Depois de jogador, Lacraia ainda comandou o Santa como técnico.

Seu maior arrependimento foi não ter comparecido para assinar a ata de fundação por estar prestando vestibular no dia 3 de fevereiro de 1914. Ali, além de um grito por igualdade racial, nascia a alcunha "Time do Povo". Já como ex-jogador, ele foi gerente por décadas de um dos maiores bancos do país.

"Meu pai foi homenageado com uma placa no ano do Centenário do Santa (2014). Foi um dia que ele ficou bastante orgulhoso. Ele me falava muito de Lacraia, do pouco tempo que conviveu com ele. Já meu avô, Gil Baptista Bacelar, o viu jogando ", disse o bisneto.

Gil Baptista Bacelar Filho recebe homenagem no centenário do Santa (Arquivo Pessoal)

Não existe nenhum registro oficial sobre a data do óbito de Lacraia, assim como nenhum familiar vivo para dizer. No entanto, informações não oficiais dão conta que ele faleceu no início da década de 1960.

Nilson: o quebrador de barreiras

Nilson Corrêa foi um dos poucos goleiros negros a ter destaque no Brasil até os anos 2000. Nascido em Vitória-ES, ele marcou época defendendo a meta do Santa Cruz, clube no qual ficou até 2004. Neste mesmo ano, se mudou do Arruda para os Aflitos, sendo campeão pernambucano pelo Náutico, derrotando a própria Cobra Coral na decisão. Desde 2019, o ex-goleiro virou treinador de futebol - seu último clube foi o Aymorés-MG.

“Existia a máxima de que goleiro negro não ia vingar no futebol, mas eu e o Dida (campeão do Mundo pelo Brasil em 2002, no Penta), mostramos que isso não passa de um preconceito. Teve também o Barbosa, goleiro da Copa de 1950. Mas na minha época, duvido que chegue em 10 ou 15% do número de goleiros que eram de cor negra”, relatou Nilson ao LeiaJá.

Para contarmos bem a história de Nilson é preciso voltar a 2000. Jogando pelo Santa, era vítima constante de injúria racial nos Aflitos, com o torcedor ecoando sons alusivos a um macaco. Em janeiro deste ano, foi publicada a Lei 14.532/2023, que equipara a injúria ao crime de racismo, podendo culminar em reclusão de dois a cinco anos, de cunho imprescritível e inafiançável.

Perguntado pela reportagem sobre o que mudou de lá para cá, Nilson fez um desabafo. “Cara, sinceramente...pouca coisa mudou. A diferença é que já há alguns anos, existe o advento da internet, então as coisas se reverberam. E eu também acredito que muitas pessoas vão pelo 'politicamente correto'. Diz que é antirracista nas redes sociais, mas se ver um negro, atravessa a rua. Se for um negro sendo pego pela polícia, fala 'Olha aí! Só podia ser preto’”, disparou.

Outros nomes

Além de Lacraia e Nilson, outros jogadores marcaram época na luta por equidade racial no futebol pernambucano. Um deles é José Roque Paes, ou simplesmente Traçaia. Mato-grossense de Cuiabá, Traçaia é até o hoje o maior artilheiro da história do Sport, com 202 gols marcados. Dentre esses tentos, foram 10 hatt-tricks e duas partidas em que o craque marcou quatro gols - Sport 10 x 0 Auto Esporte em 1955, e Sport 7 x 1 Íbis em 1959.

O artilheiro defendeu o Rubro-negro entre 1955 e 1963. Logo em seu primeiro ano na Praça da Bandeira, ergueu o título do Cinquentenário, sob o comando do lendário técnico Gentil Cardoso. Neste campeonato, sagrou-se o maior goleador, empilhando 22 bolas nas redes adversárias. Ao todo, Traçaia foi pentacampeão estadual (1955, 1956, 1958, 1961 e 1962).

Traçaia, maior artilheiro da história do Sport (Arquivo)

No Náutico, outro negro que destruiu dogmas foi o jamaicano Alan Cole, amigo íntimo de Robert Nesta Marley, o Bob Marley, um dos maiores nomes da música em todos os tempos. Marley, inclusive, era fanático por futebol e chegou a atuar de forma amadora no país da América Central. Lembrando que o Timbu foi o time mais “resistente” do Trio de Ferro a aceitar negros como atletas. 

No Santa Cruz, outros baluartes deixaram suas marcas. Na década de 1970, o pernambucano Ramon, nascido em Tracunhaém, se tornou o artilheiro do Campeonato Brasileiro de 1973, superando Leivinha, do Palmeiras, e Mirandinha, do São Paulo, ambos com 20. Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, fez 18.

Ramon no gramado onde iniciou sua carreira, o Arruda (Divulgação/SCFC)

Ramon deu seus primeiros dribles com a bola na Usina Trapiche, enquanto se dividia entre cortar cana de açúcar e alimentar o sonho de um dia se tornar jogador de futebol. Depois de deixar o Mais Querido, passou por clubes como Internacional, Vasco, Goiás e Ceará, até pendurar as chuteiras, em 1985. Alguns tricolores que podem ser lembrados são Zé do Carmo e Luiz Fumanchu, entre tantos outros.

Após a Prefeitura de Curitiba divulgar, em suas redes sociais, um vídeo de uma festa do Mês da Consciência Negra, realizada pela gestão municipal na última quarta-feira (15), internautas estão apontando falta de pessoas pretas nas apresentações do evento.

Nas imagens, é possível observar artesantos da cultura afro-brasileira, doces com desenhos de pessoas negras e bonecos representando alguns orixás. No entanto, no palco do evento, os cantores e os músicos que aparecem tocando tambores, são pessoas brancas. Isso está sendo o motivo para as duras críticas nos comentários e compartilhamentos da publicação.

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"Esqueceram de convidar os negros", escreveu uma seguidora. "Branco ganhando dinheiro à custas da cultura negra. Nenhuma novidade por aqui", criticou outra internauta.

Já outros seguidores observaram que na parte de trás do palco das apresentações, existem imagens de caravelas portuguesas e de um homem negro amarrado pelos braços. Internautas interpretaram a ilustração como se referindo a uma pessoa escravizada sendo açoitada. Mesmo com a repercussão, a Prefeitura de Curitiba ainda não se manifestou sobre o assunto.

 

Uma pastelaria localizada no município de Campo Bom, no Rio Grande do Sul, denunciou nas redes sociais um caso de racismo cometido por uma pessoa que fez um pedido no estabelecimento, na última terça-feira (14). Na nota da comanda, a cliente enviou uma “observação”, pedindo que a comida fosse entregue especificamente por uma pessoa branca. 

“Última vez veio um motoboy negro peço a gentileza que mande um branco não gosto de pessoas assim encostando na minha comida”, diz a observação completa enviada ao estabelecimento. O “motoboy” citado na mensagem é Gabriel Fernandes da Cunha, dono do local, e que realiza entregas nos dias de maior movimento. 

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