A tragédia da Boate Kiss, ocorrida no dia 27 de janeiro de 2013, se alastrou por todo o Brasil. Em Pernambuco, a Secretaria de Defesa Social (SDS) deliberou a criação de uma força tarefa junto com a Prefeitura do Recife (PCR), Vigilância Sanitária, Bombeiros e Polícia Militar para um mutirão de vistorias. Casas de show, boates e demais estabelecimentos foram interditados. Dois anos depois, o Recife é um exemplo de local que, devido à tragédia, sofreu mudanças nos órgãos reguladores e também na sociedade.
De acordo com a Secretaria-Executiva de Controle Urbano do Recife (Secon), desde fevereiro de 2013, seus fiscais vistoriaram 128 estabelecimentos. Para o Corpo de Bombeiros (CBMPE), apesar de mutirão das fiscalizações, o cenário mudou principalmente devido ao comportamento da própria sociedade.
##RECOMENDA##Só neste ano, a corporação já recebeu 30 mil solicitações de atestado de regularidade. O número é grande também por causa do Carnaval, quando as solicitações costumam triplicar. Porém, de acordo com o major Edson Marconni, assessor de comunicação social dos bombeiros: “Os empresários estão muito mais preocupados em não ver novamente o que aconteceu com a Boate Kiss”.
Ainda de acordo com Marconni, o que ele imaginava que acontecia, até por ter chegado a presenciar, era a “maquiagem” da segurança dos estabelecimentos. “Os proprietários colocavam extintores para a vistoria, mas quando voltávamos inadvertidamente dias depois, os extintores não estavam mais lá, haviam sido remanejados para outro estabelecimento”.
Para evitar gastos, casarões históricos, que surgiram antes da legislação estadual, evitavam fazer reformas de regularização. “Eles diziam que a construção era anterior à legislação, mas se estavam requerindo depois dela, tinham que cumpri-la. Isso levava as pessoas a não quererem regularizar o local. Agora não mais, eles percebem que precisam se ajustar”, lembra o major.
A demanda por bombeiros civis, ou brigadistas particulares, também cresceu. “Hoje se contrata esse profissional. Antigamente nem se falava nisso. Ele só surgiu por causa dessa demanda, porque se não haveria nem emprego para ele”, diz Marconni. Os brigadistas apareceram também porque é exigido que parte funcionários sejam capacitados para primeiro combate ao fogo e para fazer os primeiros socorros.
A tragédia da Boate Kiss também mexeu com os frequentadores das casas de show. “A sociedade virou fiscalizadora. A própria população ficava contra os bombeiros quando eles iam interditar alguma casa. Nas fiscalizações da vigilância sanitária, por exemplo, os fiscais podem mostrar os produtos descongelados ou fora da validade. No nosso caso não é assim e aí era complicado dizer a pessoa que está lá bebendo que o ponto vai ser interditado. Mas agora o público fica do nosso lado”, destaca o major.
A mudança de comportamento foi tão expressiva que o próprio Corpo de Bombeiros precisou mudar. A corporação triplicou a quantidade de vistoriadores para conseguir atender à demanda. O sistema também foi informatizado, fazendo com que os proprietários pudessem acompanhar o processo de regularização – e imprimir o atestado – através do próprio site dos bombeiros. Polos de atendimento também foram montados, pois muitas pessoas estavam indo ao quartel, no bairro da Boa Vista. Além de interiorizarem, também criaram polos no Shopping RioMar e nas sedes do expresso-cidadão da Caxangá e Olinda.
A Metrópole, uma das boates mais antigas do Recife, foi a única das vistoriadas no Recife que não foi interditada no mutirão inicial, como a própria dona, Maria do Céu, gosta de lembrar. Segundo ela, o cenário das casas de show está melhor. “Hoje eu me sinto mais segura no meu próprio patrimônio”, explica ela, que precisou instalar um sistema de splinter no teto da casa. Maria do Céu ainda é contra algumas interdições, que considera exageradas e que deixou seu estabelecimento fechado por um dia, mas ela exalta a mudança que ocorreu. “Eu pude ver que as pessoas chegavam já olhando para as paredes, para ver se tinham as plaquinhas. Infelizmente precisou ocorrer uma tragédia no Brasil para isso”, reflete.
Sobre a possibilidade de uma tragédia como a de dois anos atrás acontecer no Recife, o major Marconni opina: “Se todas as nossas exigências forem seguidas, a chance de algo do tipo ocorrer é muito pequena. O problema é que um empresário pode colocar a porta adequada, mas durante um evento, passar o cadeado, aí ele se coloca na mesma condição da boate Kiss. Situações como essa não podemos prever”.
Dos 129 estabelecimentos fiscalizados pela Secon, 48 foram interditados. Destes, 10 ainda não estão autorizados a retomar as atividades.
Os Bombeiros recomendam que o cliente, assim que chegar a uma boate, verifique os seguintes itens: atestado de regularidade e em local visível; fugas sinalizadas; extintores visíveis; portas sem trancas. Caso a pessoa note alguma irregularidade, deve procurar o brigadista particular da boate e, caso o problema não seja solucionado, acionar o Corpo de Bombeiros.