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Na próxima quinta-feira (24), o Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (MAMAM) estreia uma programação para celebrar o centenário da Semana de Arte Moderna, considerada o marco inaugural do movimento que baliza e batiza o museu, gerido pela prefeitura do Recife.

A partir das 19h, serão abertas, simultaneamente, quatro exposições, que repercutem e refletem sobre a estética e as temáticas modernas. Uma delas é a mostra que reúne obras escolhidas no acervo do próprio museu, a partir da negativa que lhe serve de título: “Nunca fomos modernos”.

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Abordando o movimento em Pernambuco e reivindicando outras percepções do discurso de modernidade, a partir de um olhar mais crítico, o acervo conta com obras de artistas como Ladjane Bandeira, Francisco Brennand, Guita Charifker, Vicente do Rêgo Monteiro, Maria Carmem, Lula Cardoso Ayres e Abelardo da Hora, expostas no térreo do MAMAM. A curadoria é de Ana Luisa Lima, Joana D’Arc de Souza Lima e Wagner Nardy.

Madeira

Também no térreo do museu, a exposição “Ofício” apresentará o trabalho da Marcenaria Olinda, projeto do artista e restaurador mineiro Fernando Ancil. Residente na Zona da Mata pernambucana, o artista aponta desde usos ancestrais da madeira até as interferências e inovações viabilizadas pela tecnologia, refletindo sobre o material como um dos mais antigos veículos de expressão artística, com trânsito livre entre o contemporâneo, o design e o popular.

Vídeo

No primeiro andar, a exposição “Semana de Vídeo-Arte Contemporânea de 22 de Pernambuco”, do cineasta e curador Jura Capela, revisita a história do modernismo no Brasil através da linguagem videográfica.

A mostra faz uma linha do tempo, desde os primeiros videoartistas que realizaram trabalhos experimentais no início do século XX, seguindo pelas primeiras manifestações brasileiras nos anos 1980, até criações atuais.

Estão contemplados na exposição desde Marcel Duchamp e Man Ray a Letícia Parente, Daniel Santiago, Paulo Bruscky, Formiga Sabe que Roça Come, Grupo Camelo, Telephone Colorido, Juliana Notari e Lourival Cuquinha, Fernando Peres, Gentil Porto Filho e Marcio Almeida.

“Todo Trânsito é uma Escuta”

Assinada por Abiniel João Nascimento e Letícia Barbosa, ocupará o segundo andar do MAMAM com um conjunto de obras que evocam o trânsito como lugar inacabado, constante, em movimento. Recorrendo ainda ao fazer-agir artístico da performance, a mostra é construída a partir de um olhar retrospectivo e em movimento, partindo de trânsitos pessoais distintos e, por vezes, confluentes.

Quinta mostra

Também está em cartaz no museu, desde o último dia 19, a mostra “Filtro”, que celebra as tradições artesanais, reunindo obras do artista Carlos Carvalho, que manifesta sua crença, em forma de contemplação, nas tradições artesanais, nos fazeres e na materialidade do gesto que conecta o corpo a uma experiência de produção física.

Serviço

Salão térreo, 1º e 2º andar e Salão Aquário Oiticica

Visitação: Terça a sábado, 12h às 17h

Período: Até 30 de abril

Entrada grátis

Endereço: O MAMAM fica na Rua da União, 88, Boa Vista.

O centenário da Semana de Arte Moderna, realizada no palco do Theatro Municipal de São Paulo, em fevereiro de 1922, com participação de Mário e Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, e outros artistas, têm movimentado o mercado editorial brasileiro. Confira a lista de livros que tratam da importância da Semana de Arte Moderna:

"A brasilidade modernista: sua dimensão filosófica" de Eduardo Jardim. Editora: Ponteio Edições e Editora PUC-Rio. Lançado originalmente em 1978, a obra tornou-se um clássico ao relacionar o modernismo a debates intelectuais que remontavam ao século XIX. Professor da PUC-Rio, Eduardo Jardim, resgata a figura de Graça Aranha, apoiador da Semana, e discute a "brasilidade" modernista segundo as vertentes "analíticas", proposta por Mário de Andrade, e a "intuitiva", defendida por Oswald de Andrade e.  

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"É apenas agitação" de  Nélida Capela. Editora: Telha. O livro reúne 10 entrevistas concedidas a Peregrino Júnior e publicadas no carioca O Jornal em 1926. Na Academia Brasileira de Letras comentavam a Semana de Arte Moderna de 1922. Alguns comemoravam a ousadia dos paulistas, capazes de mexer na arte nacional. Já outros reduziam o movimento à "agitação" inconsequente. 

"Inda bebo no copo dos outros: por uma estética modernista" de Mário de Andrade. Organização: Yussef Campos. Editora: Autêntica. "Bem poderíamos em 2022 celebrar o 1º Centenário de nossa independência literária", escreveu Mário de Andrade na revista Klaxon, em 1922. Este é um dos textos que integram "Inda bebo no copo do outros", reunião inédita de artigos publicados pelo autor de "Macunaíma" em jornais, revistas e livros, antes e depois da Semana, sobre a renovação estética proposta pelo modernismo.  

"Modernismo em preto e branco: arte e imagem, raça e identidade no brasil, 1890-1945"  de  Rafael Cardoso. Editora: Companhia das Letras. No livro, o historiador da arte questiona a associação do modernismo a um grupo paulistano e reivindica a modernidade de manifestações da cultura de massas, como a imprensa ilustrada, a publicidade, a música popular e até o Carnaval. 

"O guarda-roupa modernista" de Carolina Casarin. Editora: Companhia das Letras. Nesta pesquisa, Carolin Casarin analisa os ideais e as contradições do modernismo a partir do figurino do casal da arte brasileira: a pintora Tarsila do Amaral e o poeta Oswald de Andrade. 

"Semana de 22: antes do começo, depois do fim" de  José de Nicola e Lucas de Nicola. Editora: Estação Brasil. Em "Semana de 22", livro caprichosamente ilustrado, o especialista em literatura José de Nicola e o historiador Lucas de Nicola, pai e filho, traçam as origens e apresentam os desdobramentos da Semana de Arte Moderna. 

Por Camily Maciel

 

 

Apontada como marco zero do modernismo no Brasil, a Semana de Arte Moderna comemora seu centenário este mês. Celebrada atualmente em exposições, livros, seminários, eventos e reportagens, a efeméride é também uma oportunidade para se rediscutir a importância histórica do evento – realizado no Theatro Municipal de São Paulo, entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, por artistas e intelectuais da elite paulistana que defendiam estar rompendo com o conservadorismo das artes no Brasil.

“Nesse momento, em que a gente está, em 2022, o que está sendo mais bacana de olhar para a semana de 22 é justamente questionar o seu mito”, afirma Heloisa Espada, curadora do Instituto Moreira Salles.

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“É claro que foi um evento importante em São Paulo. Reuniu ali alguns artistas e literatos de várias áreas e que se tornaram muito importantes para a história do modernismo, como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Anita Malfatti e Victor Brecheret. Tem nomes que são muito importantes para a nossa compreensão da arte moderna no Brasil. Mas hoje estamos em um momento de rever isso, de olhar para os outros estados, entender a temporalidade dos outros estados, o que estava acontecendo nos outros lugares e tentar ampliar a compreensão desta produção para além do Sudeste”, reforça Heloisa.

A ideia de que a semana foi um marco do modernismo brasileiro, na realidade, foi uma construção histórica, que só veio a surgir décadas depois, defendem historiadores e especialistas. 

“Acho que o que marca essa comemoração de 100 anos é entender como a Semana de Arte Moderna se tornou um marco. Isso é uma construção histórica. Mas eles fizeram de tudo para que realmente ela fosse polêmica e para se alinhar à ideia de vanguarda que estava sendo discutida e da qual eles tinham notícias que vinham de outros países, principalmente do Hemisfério Norte", disse Heloisa.

Um dos pontos que passa por revisão histórica é o regionalismo da iniciativa, afinal a semana não foi composta apenas por artistas e intelectuais paulistas. “Há pessoas de Pernambuco; alemães, como o [Wilhelm] Haarberg, por exemplo, que estava recém-emigrado e participa. Temos o arquiteto polonês [Georg] Przyrembel; o espanhol Antonio Garcia Moya, que fez desenhos de arquitetura e participou da semana. Temos mineiros”, destacou Luiz Armando Bagolin, professor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (USP).

Além disso, houve iniciativas modernas em outras partes do país, como as revistas ilustradas do Rio Grande do Sul; o trabalho do pintor Vicente do Rego Monteiro, em Pernambuco; e o samba, no Rio de Janeiro. 

“Tem uma coisa importante não só no Rio, mas em vários lugares também, que é a música, o surgimento do samba nesse momento, que é muito próprio do Brasil. Olhar as manifestações culturais brasileiras e tentar entender o que é próprio da nossa cultura, de cada lugar, de cada estado e entender o quanto aquilo desafiava, o quanto o samba desafiava convenções, acho que esse é um jeito de olhar e de pensar o modernismo”, disse.

Controvérsias

O modernismo brasileiro também viveu suas ambiguidades e controvérsias. A começar pelo fato de que o movimento, cuja efervescência ocorreu nas cidades, foi bancado pela elite cafeeira, que vivia no interior, em fazendas. “É a riqueza do campo que paga essa ideia da arte moderna”, explicou Heloisa.

“A ideia de modernidade era um peixe que o regime republicano queria vender. Essa ideia de modernidade, de abrir grandes avenidas e criar cidades mais modernas e que fossem mais salubres, destruiu um passado imperial e colonial ou colocou de lado todo um passado que era conveniente politicamente esquecer naquele momento”, destacou Heloisa.

“Para algumas pessoas, a modernidade seria um projeto de branqueamento do país no início do século. Modernidade também é isso, também tem um lado nefasto. Há quem diga que é mais nefasto que moderno.”

A especialista questiona o motivo de nomes como o do escritor e político Plínio Salgado, que fez parte da semana, terem sido “apagados” pela história. “Temos ali a participação do Menotti del Picchia [escritor] e do Plínio Salgado, figuras que depois se tornaram controversas politicamente, ligadas ao movimento do verde-amarelismo [que se opunha ao movimento pau-brasil de Oswald de Andrade e pregava um ufanismo exacerbado]. Depois o Plínio Salgado é expoente do Integralismo [que tinha grande afinidade com o fascismo italiano]”, disse Heloisa.

Nessa análise política, também é importante entender como o movimento modernista foi utilizado pelo Estado Novo, de Getulio Vargas. “O Gustavo Capanema [ministro forte do governo Getúlio Vargas] era o homem, digamos, por detrás dessa estratégia de assumir o modernismo como uma politica cultural estatal”, disse Bagolin, explicando que a busca por uma arte brasileira, com identidade nacional, “serviu como uma luva para o projeto do Estado Novo”.

“O Estado Novo buscava demonstrar que o povo brasileiro, apesar de ser composto por uma miscigenação de etnias e culturas, ele deveria se apresentar como um povo, no singular; como uma cultura, no singular; uma arte brasileira, no singular. Até hoje falamos isso. Não falamos ‘as artes brasileiras’, que seria o mais correto porque são diferentes e somos diferentes”, disse o professor da USP.

Quando a ideia do modernismo surge em território brasileiro, há a utopia, por parte dos artistas, de que essa arte nacional seria utilizada para modificar o país. Mas quando essa ideia passa a ser apropriada pelo Estado, Mário de Andrade se desencanta com o movimento.

“Para o Mário de Andrade e para outros, quando o Modernismo é cooptado, se transforma no establishment ou na arte estatal, na arte defendida pelo Estado - e por um Estado ainda muito conservador - o modernismo morre. Todas aquelas iniciativas, todas as suas experiências, tudo o que eles fizeram, foi em vão”, destacou o professor do IEB.

Problematização

O principal objetivo da Semana de Arte Moderna de 1922 foi repensar de maneira crítica o tradicionalismo cultural, muito associado às correntes literárias e artísticas europeias, ao parnasianismo e ao academicismo formal.

Esse movimento foi liderado e protagonizado pela elite paulistana, bancado pela cafeicultura e ocorrido apenas 34 anos após a abolição da escravatura.

Temas como o colonialismo, a escravidão, a opressão indígena e a violência não entraram na agenda dos modernistas brasileiros e essa é uma das principais problematizações acerca da Semana, sob o ponto de vista crítico do século 21.

“O Brasil  tinha acabado de sair da escravidão. O Brasil tinha acabado de sair da monarquia e era uma jovem república. E em 1922, o grande acontecimento daquele ano não foi a semana de arte moderna. Foi a comemoração do primeiro centenário da nossa independência”, disse Bagolin.

“Dizer que o negro e o indígena não estavam representados na semana é um anacronismo. A participação de indígenas ou de afrodescendentes, o lugar de fala das pessoas, as suas expressões próprias, essas questões são demandas da nossa época. Elas são justas e devem ser defendidas, devemos brigar por elas. Mas não eram questões que se apresentavam nos anos 20 do século passado”, explicou o professor do IEB, que também é curador da exposição Era Uma Vez o Moderno, que está em cartaz no Centro Cultural da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O que os modernistas fizeram naquela época foi a apropriação de outras artes, como a indígena, com as quais tiveram contato por meio de viagens e expedições que fizeram pelo interior do Brasil.

“Numa perspectiva hoje de decolonialidade, essas iniciativas são vistas com reserva. Às vezes, mais do que vistas com reserva, elas são criticadas, censuradas, porque, de novo, é o branco europeu, explorador, que vem e se apropria de parte de uma cultura que não é dele. Depois a expõe, vende, revoluciona o campo da arte e da cultura moderna com uma coisa que foi apropriada de um povo, de um outro povo, que está sendo esquecido, vilipendiado, roubado, trucidado. Então, numa perspectiva de decolonialidade, acho que é muito pertinente essa crítica”, disse Bagolin.

Atualmente, intelectuais e artistas indígenas têm se pronunciado sobre o modernismo, olhando para essa tradição. “Antes tínhamos esses intelectuais, criados e formados nos centros urbanos, olhando para outras culturas brasileiras e para as culturais originais. Hoje temos a possibilidade de ouvir indígenas revisando Macunaíma [livro escrito por Mário de Andrade] e se posicionando sobre isso. Isso também é coisa do nosso tempo e acho que precisamos, nesse momento, ouvir muito. É a hora que temos para aprender muito sobre esse ponto de vista, que até agora não esteve no centro dos debates”, destacou Heloisa.

Modernismo além de 22

Cem anos depois, especialistas como Heloisa defendem a importância da Semana de Arte Moderna, mas também enfatizam que o movimento e a construção do modernismo no Brasil contaram com outros elementos.

“O grande aprendizado é esse: a gente tentar entender a potência e os limites do que foi a Semana de 22 porque acho que o que não dá mais hoje é, nas escolas, continuar falando da arte moderna e só da Semana de 22. Porque muita coisa aconteceu, muita coisa além. As experiências do modernismo no Brasil vão muito além da Semana de 22”, frisou Heloisa.

Na avaliação de Luiz Armando Bagolin, ser modeno hoje implica aprender com as diversidades brasileiras. “Eu acho que ser moderno hoje é encarar as diferenças. Nós somos diferentes. O Brasil é muito vasto, tem coisas que os brasileiros não conhecem. Não somos iguais e nós temos que nos entender nas diferenças. A gente não pode resolver essa história, formulando, a título de um projeto político ou ideológico, um Brasil no singular, um brasileiro no singular, todo mundo com a mesma nação”, destacou.

“Ser moderno hoje implica fazer a revisão de toda a norssa história e de toda a nossa cultura numa perspectiva decolonial, de decolonialidade. Isso é um dado recente. Aliás, é um conceito sociológico que data do final dos anos 90. Então é importante não perder esse instrumento sociológico porque ele nos formula muitos desafios”, acrescentou.

O 'Sons da Aprovação', podcast do projeto Vai Cair No Enem, chega neste domingo (4) a mais uma edição. Um dos momentos mais importantes da literatura brasileira, a Semana de Arte Moderna é a pauta do programa, também considerado assunto relevante para o Exame Nacional do Ensino Médio. Confira:

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A história é narrada pela professora de Linguagens Josicleida Guilhermino, com apresentação de Marcele Lima. A produção é de Elaine Guimarães e a edição fica por conta de James William.

O podcast é publicado todos os domingos, no Spotify e no Instagram @vaicairnoenem. O conteúdo também pode ser acompanhado no YouTube.

O Modernismo é uma das escolas literárias mais importantes do Brasil. A Semana de Arte Moderna de 1922 foi um marco para o movimento, destacando artistas plásticas como Tarsila do Amaral e Anita Malfatti e escritores Oswald e Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Manuel Bandeira, entre outros. Eles tinham como objetivo criar uma forma de expressão livre de influências estrangeiras e discutir a criação de uma identidade artística nacional.

“Representou a afirmação de novos ideais estéticos e preparou o terreno para uma arte e uma literatura adultas e, de fato, modernas como podem ser vistas hoje. Essas características fazem do movimento um dos mais importantes da literatura e consequentemente um dos mais cobrados no Enem”, disse a professora de Literatura, Suellen Oliveira

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O movimento é dividido em três fases

A primeira fase é conhecida como “fase heroica”, com importância para obra dos autores que ficaram conhecidos como a tríade modernista: Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Eles seguiram os prepostos da Semana de 22 e buscavam uma literatura inovadora e distante das antigas escolas.

A segunda fase, a geração de 1930, tem uma característica diferente em relação aos antecessores. Mesmo buscando dar continuidade aos ideais apresentados, os artistas dessa era estavam preocupados com as questões sociais e utilizaram seus trabalhos como forma de denúncia das mazelas do Brasil. Fazem parte desta geração Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade.

A terceira e última fase, também chamada de pós-modernista ou geração de 45, tem como diferencial o uso da linguagem mais rebuscada, fugindo dos tons coloquiais e apostando na temática psicológica, sem fugir das denuncias sociais. Autores como Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Lygia Fagundes Telles e Guimarães Rosa pertencem a este grupo. Eles trouxeram de volta para os romances e poesias a rima e a métrica, influências parnasianas, simbolistas e um regionalismo universal.

Nas edições de 2009 a 2017 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) o assunto representou mais de 30% das questões de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, segundo um estudo desenvolvido pelo Sistema de Ensino Poliedro. Para auxiliar os candidatos na preparação para a prova nesta reta final, o Vai Cair no Enem em parceria com o LeiaJá pediu ajuda aos professores Suellen Oliveira e Paulo Neto para montar o quiz abaixo sobre o Modernismo.

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Após uma publicação nas redes sociais na manhã do último domingo (15), um grande debate foi levantado em torno da obra Abaporu, de Tarsila do Amaral. Um internauta postou uma foto da pintura, comparando-a à tela “Batalha de Avaí”, do paraibano Pedro Américo, que, para ele, deveria “representar o Brasil mundo afora”. Os usuários fizeram questão de lembrar o legado da artista e a importância de sua obra, o que deixou a hashtag "#Abaporu" nos trend-topics.

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Obra 'Batalha de Avaí', de Pedro Américo

Tarsila do Amaral é considerada uma das principais personalidades do modernismo brasileiro. A obra em questão foi criada em 1928 para presentear o marido, Oswald de Andrade, que, impressionado com a obra, resolveu batizá-la de Abaporu, que significa “homem que come carne humana”, ou seja, antropófago. Posteriormente, Oswald, com o objetivo de fomentar a independência da cena artística brasileira da Europa, publicou o Manifesto Antropófago, que deu origem a o movimento do mesmo nome, um dos mais importantes da época. 

Segundo a professora de Linguagens Pâmela Soares, a ideia do termo antropofágico serve para ilustrar os artistas brasileiros deixando de “comer” o que era de fora, como as vanguardas européias. “Abaporu é uma representação daquilo que pode acrescentar algo à brasilidade da literatura nacional”, conta. 

Para o professor de Português Felipe Rodrigues, a relevância da obra pode ser observada no contexto modernista brasileiro. “Sua importância se dá pela retomada do ufanismo e aspectos integralmente nossos, na construção de uma arte revolucionária e ancestral”, disse o professor. Rodrigues também lembra que a obra de Tarsila é considerada ponto de partida para a retomada da arte nacional, através de aspectos inerentes ao povo.

A respeito da publicação nas redes, o professor reitera que não existem métodos de mensuração entre obras artísticas. “Perceber o modernismo, um movimento estritamente brasileiro, é entender que o Brasil produz arte e temos raízes, no Abaporu”, diz Felipe. A obra foi arrematada, em 1995, em Nova York, depois de passar por várias mãos, por US$ 1,35 milhão - o valor mais alto já pago por uma pintura brasileira. 

No Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), segundo Pâmela, a obra pode ser abordada com uma contextualização de movimentos nacionalistas e também quando estudamos a literatura. “A prova de Linguagens, por exemplo, trabalha essencialmente com textos modernos [...] Há a retomada dos textos clássicos como barroco, quinhentismo, romantismo, que são vistos a partir da ótica moderna. Então, a obra de Tarsila e o manifesto de Oswald dão visibilidade para esse movimento que é importante, até o hoje, para a identidade literária brasileira”, conclui. 

No início da década de 20, surge no Brasil uma movimentação de artistas, escritores, poetas, inquietos com o cenário político, econômico e em busca de renovação cultural. O objetivo era fazer uma quebra do estilo tradicional que era praticado nas obras até então. Nesse contexto, em fevereiro de 1922 é inaugurada em São Paulo a “Semana de Arte Moderna”, que reuniu no Teatro Municipal apresentações musicais, dança, recital de poesias, palestras, exposições de pinturas e esculturas, dando início ao modernismo. 

Tarsila do Amaral é um dos maiores nomes da Escola Modernista. Ela não estava presente na semana de 22, mas não deixou de fazer história no movimento. “Tarsila é uma figura célebre quando se fala de modernismo no Brasil, quando fala-se principalmente da questão pitoresca, da pintura, da arte”, diz o professor de literatura Felipe Rodrigues.

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Ela foi uma das maiores entusiastas e atuou principalmente na primeira fase, considerada nacionalista, na busca por uma identidade brasileira na arte, mesmo tendo forte influência das vanguardas artísticas européias, como cubismo e futurismo. Tarsila nasceu em 1º de setembro de 1886, no Município de Capivari, interior do Estado de São Paulo. Ela tinha sete irmãos e morava com os pais em uma fazenda. Eles eram considerados uma família abastada na cidade e a pintora estudou em boas escolas de São Paulo, até ser mandada para concluir seus estudos em Barcelona, na Espanha. Foi lá que pintou o primeiro quadro, chamado ‘Sagrado Coração de Jesus’, em 1904, aos 18 anos.

Ao retornar para o Brasil, Tarsila se casa pela primeira vez com André Teixeira Pinto, pai de sua única filha, chamada Dulce. Alguns anos depois, a artista separa-se e começa a estudar artes. Iniciou com escultura, depois teve aulas de desenho e pintura no ateliê de Pedro Alexandrino, em 1918, tendo como colega a pintora Anita Malfati. Dois anos depois, Tarsila vai concluir seus estudos de artes na Academia Julian em Paris, na França. A amiga Anita Malfatti é a responsável por mantê-la atualizada do que estava acontecendo no Brasil naquela semana de 1922.

 

Em 1923, Tarsila do Amaral já namora com escritor Oswald de Andrade e em Paris conheceram muitos intelectuais e artistas da época. A um deles, Fernand Léger, mestre do cubismo, Tarsila apresentou sua tela ‘A negra’, deixando o artista impactado, tanto que ele acabou mostrando o quadro para seus alunos. A inspiração para pintura de uma mulher negra eram as amas de leite, que amamentavam e cuidavam das crianças dos senhores de engenho na época escravocrata do Brasil. Esta tela coloca Tarsila na história do modernismo brasileiro.

Depois de concluir sua formação, Tarsila volta ao Brasil para se juntar ao grupo modernista, que ficou conhecido como ‘grupo dos cinco’, que além dela e Oswald, incluia Anita Malfatti, Mário de Andrade e Menotti Del Picchia.

Fase Pau Brasil

A inspiração para esta etapa das obras de Tarsila do Amaral foram as cores que ela via na infância, quando esteve em Minas Gerais. Os professores de artes que teve antes disso diziam-lhe que eram tons feios e caipiras e que ela não deveria utilizá-los em suas obras. No entanto, a artista livrou-se dessa visão intelectualista e jogou na tela ‘o azul puríssimo, rosa violáceo, amarelo vivo, verde cantante’. As cores foram marcas de sua arte, bem como o tema da brasilidade, das paisagens rurais e urbanas, a fauna, a flora e o povo do Brasil. “Tarsila é uma representação de que o Brasil existe e pode existir em conjunto com uma diversidade cultural”, expressa o professor Felipe Rodrigues.

Em 1926, Tarsila faz sua primeira exposição individual em Paris. Seus quadros têm influência cubista, absorvida na escola francesa, e entre eles estão ‘Carnaval em Madureira’, ‘Morro da Favela’, ‘O Mamoeiro’ e ‘O Pescador’. Nessa fase, ela ainda fez uma série de desenhos que inspirou Oswald no livro de poesias ‘Pau Brasil’ e Cendrars no livro 'Feuilles de route – Le formose'.

“Ela vem de uma família privilegiada, de uma vivência com arte, de entender as artes, de ter suas próprias histórias. Quando volta de Paris junto com Oswald de Andrade, com quem se casa novamente, lança o movimento antropofágico”, comenta o professor Felipe.

Movimento Antropofágico

No início do ano de 1928, Tarsila presenteou seu marido, que fazia aniversário em janeiro, com um quadro. Quando Oswald ficou impressionado com a surpresa e disse que aquele era o melhor quadro que sua amada já havia feito.

O escritor mostrou a pintura ao seu amigo e escritor Raul Bopp, que ficou tão impressionado quanto. Eles acabaram chamando o quadro de ‘Abaporu’, que significa ‘homem que come carne humana, o antropófago’.

“O Abaporu ele tem essas coisas: a brasilidade, é quente, os tons que trazem esse aspecto. Foi nada mais que um personagem que ela lembrava dos sonhos, das suas vivências enquanto artista. O lançamento do movimento antropofágico traz essa vivência, claro que de pessoas privilegiadas, que tiveram um agregar de culturas diversas, e que na realidade vão dizer assim ‘olha além dessas culturas que eu já aprimorei, vamos ressaltar a cultura do Brasil, não vamos perder a essência’”, analisa Felipe Rodrigues.

A ideia era comer, engolir outras culturas, principalmente a européia, tão forte na época, e transformá-la em algo brasileiro. O lançamento do movimento foi em maio de 1928, através da publicação de um manifesto na revista de antropofagia, que diz em um dos trechos mais famosos: "Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question. Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos. Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago".

Nessa fase, Tarsila usa muitas cores fortes, bichos, formas e paisagens imaginárias. Outros quadros que pertencem ao movimento são ‘Sol Poente’, ‘A Lua’, ‘Cartão Postal’, ‘O Lago’ e ‘Antropofagia’.

Sua primeira exposição no Brasil foi em 1929. Tarsila recebeu críticas e elogios, no entanto, muitas pessoas não conseguiam compreender sua intenção artística. Nesse mesmo ano ocorre a queda da Bolsa de Nova York, afetando a economia do mundo e mudando a vida de Tarsila, já que seu pai perde seus bens, sua fazenda e ela ainda descobre que Oswald de Andrade a traiu com a estudante Patrícia Galvão, conhecida como Pagu.  

Pintura Social

 

Após a traição, que culminou no término de seu segundo casamento, Tarsila do Amaral começou a trabalhar como conservadora da Pinacoteca do Estado de São Paulo e deu início a organização do catálogo do museu, mas acabou perdendo o cargo com a queda de Júlio Prestes e a chegada de Getúlio Vargas ao poder.

Em 1931, a pintora vendeu alguns de seus quadros e foi para antiga União Soviética, junto com seu novo companheiro, o médico Osório César. Em Moscow, com a ajuda do amigo Serge Romoff, a artista expôs suas obras e teve contato com a causa operária.

De volta ao Brasil, em 1933, Tarsila passou a se envolver com política e participou de reuniões do Partido Comunista Brasileiro, chegando ser presa. Depois de passar um mês na cadeia, a pintora resolveu ficar longe do assunto e terminou seu relacionamento com Osório, que fazia parte do movimento comunista.

Para analisar as obras de Tarsila do Amaral nessa fase, principalmente se for cobrada em uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou em qualquer outra prova, é preciso entender o que estava acontecendo no mundo e como ela enxergava isso por meio de sua arte. “Os alunos podem estudar Tarsila a partir de suas obras de arte, sua importância histórica, suas diversas impressões por diversos autores da literatura, que vão fazer impressões artísticas sobre cada arte que ela publicou e além disso pode ser cobrada diretamente a imagem em contexto histórico”, explica o professor de literatura Felipe Rodrigues.

Nesta mesma época, Tarsila pinta a tela ‘Operários’, considerada uma das primeiras obras de cunho social no país. Também fazem parte dessa fase os quadros ‘Segunda Classe’, ‘Orfanato’ e ‘Costureiras’.    Ainda na década de 30, a artista inicia um novo relacionamento com o escritor Luís Martins, vinte anos mais novo que ela, que durou 18 anos.

A pintora, que também fez esculturas, trabalhou como colunista nos Diários Associados do seu amigo Assis Chateaubriand, de 1936 até meados dos anos 50, quando voltou a usar as referências da época do Pau Brasil com a tela ‘Fazenda’, ‘Vilarejo com ponte e mamoeiro´, ´Povoação I´ e ´Porto I´.

Principais exposições

Tarsila do Amaral pintou mais de 250 telas, expondo suas obras e diversos países do mundo. Entre os destaques estão a participação na 1ª Bienal de São Paulo, em 1951, onde ganhou um prêmio. Também expôs na 2ª bienal e teve uma sala especial na 7ª edição do evento paulista. Já em 1964 participou da 32ª Bienal de Veneza, na Itália.

No ano de 1965, a pintora separa-se mais uma vez e passa a viver sozinha. Nesse mesmo ano, devido a dores na coluna, Tarsila passa por uma cirurgia, que foi mal sucedida, deixando-a paralítica. Posteriormente, sua filha acaba falecendo por complicações da diabetes. Os eventos trágicos na vida de Tarsila, que também perdeu a neta anos antes, a aproximam do espiritismo e de Chico Xavier. Ela passa a reverter a renda da venda de seus quadros para uma instituição administrada pelo médium.

Para Felipe Rodrigues, a obra da artista é importante pela forma como ela utilizou as referências culturais, a que teve acesso durante toda sua vida, sobretudo por sua formação na Europa, sem misturar, nem absorver, mas mesclando e mantendo os traços da identidade do Brasil na arte que fazia. “Tarsila foi fantástica”, conclui o Felipe Rodrigues

Em 17 de janeiro de 1973, aos 83 anos, Tarsila do Amaral morre, no Hospital de Beneficência Portuguesa, em São Paulo, ainda decorrência das complicações da cirurgia que enfrentou e acometida por uma forte depressão.

Imagens/Domínio público

O ano era 1922. Vivia-se um momento importante para a concepção da cultura brasileira: uma época de grandes transformações na arte. Mudanças que seriam introjetadas no Brasil por um grupo de jovens artistas brasileiros, financiados pela elite cafeicultora paulista, que lutava por uma ruptura com a estética vigente.

Entre os dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922, o Theatro Municipal de São Paulo realizou uma mostra que reuniu centenas de trabalhos artísticos, entre eles, a música de Villa-Lobos; o poema “Os sapos”, de Manuel Bandeira (criador da poesia moderna brasileira, que causou reações adversas na sociedade); o discurso triunfalista de Menotti del Picchia; as esculturas de Brecheret; as pinturas de Anita Malfatti (acusada por Monteiro Lobato de expor quadros que retomavam a estética do pintor cubista Pablo Picasso). Além disso, o local foi cenário da exposição dos quadros de Di Cavalcanti, conhecido como "o pintor das mulatas".

A semana seria conhecida como o símbolo da renovação artística e promoveu uma grande revolução no panorama das artes plásticas brasileiras. Houve quem pagasse 186 mil reis para assistir aos festivais nos camarotes e frisas do Theatro Municipal.

Foi a partir de 1922 que o movimento Modernista ganhou espaço entre a sociedade intelectual da época e se tornou o principal assunto de discussões entre escultores, artistas plásticos e muitos escritores, por incluir em suas programações manifestações experimentais além de, também, as obras consideradas “do passado” pelos próprios modernistas.

O livro "A Semana que não terminou", do jornalista Marcos Augustos Gonçalvez, lançado na última sexta-feira pela Cia das Letras, explora bem essa rede de relações e a jornada dos que fizeram A Semana de Arte Moderna, reconstituindo passo a passo o evento, como também revela as contradições do movimento, como os encontros em 1921 no restaurante Trianon com magnatas (a elite cafeeira), jornalistas e escritores como Graça Aranha, que não faziam parte da geração modernista.

A Semana de Arte Moderna tinha a ideia de ruptura com o passado e, eao mesmo tempo, existia uma grande preocupação imediatista com a inserção na arte moderna internacional. Isso gerou uma forte polêmica entre os que defendiam um caminho próprio para a arte brasileira e os que acreditavam que o significado de moderno é "ser diferente" e essa diferença era representada pelo o que se criava fora do País.

Os debates intermináveis da Semana de Arte e suas consequências tiveram desdobramentos que afetam a cultura brasileira até hoje. Entre as discussões está a defesa ardorosa de Oswald de Andrade que considerava o modernismo algo “original e de diferente visão” e, em oposição a Oswald, o ataque ferrenho de Monteiro Lobato ao movimento, considerando a arte moderna como “caricatural e tipicamente europeia”, em que o escritor vinculou o modernismo a um “grau de perturbação mental”.

Nesse bate boca sem fim, o Modernismo foi construindo ao longo dos anos uma ideia de brasilidade, que em 1922 - durante os três dias da mostra -, não era sequer um esboço. Na verdade, os traços da cultura nacional foram sendo inseridos e, consequentemente, a valorização da tradição brasileira foi acontecendo.

Graças a essa teia de discussões foi possível o surgimento do "Manifesto Antropofágico", um manifesto literário escrito por Oswald de Andrade que reafirmava os valores estéticos da poesia brasileira, mas apregoando o uso de uma "língua literária não catequizada".

Passados exatos 90 anos da Semana que marcou todas as vertentes culturais do Brasil, é impossível não pensar no modernismo brasileiro sem associá-lo diretamente ao folclore de “Macunaíma” (1928) de Mário de Andrade, à antropofagia de Oswald de Andrade e às telas de Tarsila do Amaral, retomada posteriormente pelo Movimento Tropicalista de 1960. Sem esquecer das gerações seguintes, que foram agregando valores as fases do modernismo e contruibuindo para consolidar uma gama de análises estéticas e culturais no País.

Um grande exemplo é a poesia construtivista de João Cabral de Melo Neto e o Movimento Armorial, este último encabeçado pelo escritor Ariano Suassuna, que orienta todas as expressões artísticas – música, dança, literatura, artes plásticas, teatro, cinema, arquitetura – a criar uma arte erudita, porém popular.

É inegável a importância e os desdobramentos da Semana de Arte de 22. É que o evento, considerado um divisor de águas nas artes do País, mudou para sempre a forma do País se ver.

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