Após o segurança de uma unidade do Supermercado Extra, no Rio de Janeiro, ter matado por estrangulamento o jovem Pedro Gonzaga, 19 anos, algumas pessoas começaram a se perguntar por que o assassinato do rapaz não gerou tanta revolta e movimentação de grande parcela da sociedade, principalmente nas redes sociais, como aconteceu no episódio do cachorro morto em uma unidade do Carrefour de São Paulo.
Em novembro de 2018, um dos fatos mais virais nas redes sociais e na imprensa brasileira foi o assassinato do animal. Por dias, o assunto ficou entre o mais comentado na internet, vários artistas, ativistas e até autoridades bombardearam as redes sociais do Carrefour, prometendo um “boicote”.
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Já o assassinato do Pedro Gonzaga não despertou tanta euforia. No dia de sua morte (15), causada pelo segurança Davi Ricardo Moreira Amâncio, de 32 anos, rapidamente a hashtag Vidas Negras Importam figurou entre as mais usadas nas redes. No dia seguinte (16), segundo verificado pelo LeiaJá, a tag nem sequer aparecia como as mais virais do Twitter - o que pode demonstrar a pouca importância gerada pelos usuários.
Movimentações pontuais foram realizadas em Pernambuco, São Paulo e no Rio de Janeiro, cidade que, segundo o dirigente nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), Marcelo Dias, reuniu protestantes - cerca de 1 mil pessoas no último domingo (18).
No entanto, mesmo com essa movimentação, Marcelo acredita que o assassinato do jovem Pedro passaria em “brancas nuvens” se não fosse um caso surreal, já que a vítima, que estava desarmada, foi estrangulada pelo segurança do supermercado na frente da própria mãe, sem que ninguém que estava em volta tentasse tirar o Pedro do “mata-leão” dado pelo acusado.
“A repercussão foi menor porque virou banalidade a morte do jovem negro no Brasil. A sociedade não se importa com a situação de perigo que vive a juventude negra nas favelas. O que existe na periferia é o genocídio e essa palavra não é banal”, ratifica Marcelo Dias.
Para a mestranda em história e especialista em gestão pública, Anna Karla, isso é um retrato da construção histórica e social de nosso país, “onde a vida da pessoa negra é banalizada”. “Por isso que por muito tempo os negros foram tratados como mercadoria no processo de escravidão e, depois do período escravocrata, ela (a pele preta) foi banalizada pelo processo eugênico (‘higienização’ da sociedade realizado a partir de 1880)”, explicita Anna, que também é uma das lideranças do Frente Favela Brasil, mobilização política que atua nas periferias do país.
Uma pesquisa realizada pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPIR) e pelo Senado Federal constatou que 56% da população brasileira concorda com a afirmação de que "a morte violenta de um jovem negro choca menos a sociedade do que a morte de um jovem branco". O estudo demonstra ainda que, para 55,1% dos entrevistados, é correto afirmar que "a principal causa de homicídios de jovens negros é o racismo".
Genocídio
Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), compartilhados na campanha "Vidas Negras", mostram a extensão do genocídio da população negra. Segundo a entidade, sete em cada dez pessoas assassinadas no Brasil são negras. Na faixa etária de 15 a 29 anos, são cinco vidas perdidas para a violência a cada duas horas.
Enquanto de 2005 a 2015 a taxa de homicídios por 100 mil habitantes no país registrou uma queda de 12% para os não-negros, entre a população preta houve o aumento de 18,2% dos assassinatos. A Unicef alerta para o fato de que, de cada mil adolescentes brasileiros, quatro vão ser assassinados antes de completar 19 anos. Se os assassinatos da população negra continuarem nesse ritmo, serão 43 mil brasileiros entre 12 e 18 anos mortos de 2015 a 2021 - três vezes mais negros do que brancos.
“A banalidade da violência, que só cresce em nossos corpos, faz com que as pessoas tratem isso (o genocídio da população preta) como algo corriqueiro e desumanizam a população negra”, reforça Anna Karla.
Suspeito responderá em liberdade
O segurança do supermercado irá responder o processo em liberdade após pagar fiança de R$ 10 mil, sob a acusação de homicídio culposo, quando não há a intenção de matar. Em sua defesa, o suspeito diz que achou que a vítima estava passando mal e abaixou para prestar os primeiros socorros. Ao colocar o jovem de lado, o segurança diz que "percebeu que ele estava simulando" e que (a vítima) "não tinha nenhum problema". O '"mata-leão" dado pelo suspeito em Pedro Gonzaga foi filmado pelas câmeras de segurança do Extra. A vítima ficou, pelo menos, dois minutos imobilizada pelo segurança.
Morte do Cachorro
No dia 30 de novembro de 2018, denúncias de que um segurança envenenou e espancou um cachorro abandonado causou uma onda de protestos contra uma loja da rede Carrefour, em Osasco, na Grande São Paulo. Defensores dos animais usaram as redes sociais para pedir o boicote à rede. O fato teria acontecido no estacionamento do hipermercado. Conforme o relato, o funcionário teria oferecido veneno de rato ao cão em meio a um pedaço de mortadela. Em seguida, agrediu o animal com pauladas.
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