Redes do ódio misturam intolerância e desconhecimento

Pessoas jovens com comorbidades ou deficiências sofrem ataques digitais depois de serem vacinadas contra a covid-19

qui, 10/06/2021 - 17:20

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Desde os primeiros casos de infecção pelo novo coronavírus, em 2020, e nos 14 meses da pandemia de covid-19 que aflige o mundo, ainda fazendo vítimas todos os dias, cientistas, pesquisadores, universidades e empresas correm contra o tempo para a produção de vacina capaz de frear a contaminação em massa da população e salvar vidas.

No inicio de 2021 começaram as aplicações das primeiras doses dos imunizantes, autorizados pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Com isso, governantes de Estados e munícipios brasileiros, seguindo o padrão mundial, criaram calendários para grupos prioritários mais sujeitos a ter o quadro de saúde agravado, caso infectados pelo coronavírus.

Entre os grupos vacinados estão as pessoas que têm doenças pré-existentes, as chamadas comorbidades. Segundo Joyce Freitas, enfermeira e doutora em Doenças Tropicais, “significa que um indivíduo possui duas ou mais doenças ocorrendo de forma simultânea".

Por exemplo, informa Joyce, paciente obeso que tem diabetes e hipertensão está na lista de prioridades pela comorbidade. “Quando temos uma associação de doenças, o organismo por si só já está debilitado. E se há associação com a covid-19, o risco de agravamento aumenta substancialmente e, consequentemente, o número de óbitos também”, alerta a especialista, para reforçar a relevância de vacinar esses grupos.

Em meio às alegrias e emoções de estar entre os vacinados, é comum o registro fotográfico ou de vídeos para postagem nas redes sociais. Porém, isso nem sempre é bem visto por seguidores e internautas, que por vezes desconhecem os motivos da vacinação, principalmente quando se trata de uma pessoa pública ou famosa, e deflagram um bombardeio de maldades nos ambientes digitais.

A jornalista Syanne Neno, uma das primeiras mulheres a trabalhar na crônica esportiva paraense, foi vacinada por ter deficiência visual permanente, chamada de ceratocone, um problema na curvatura da córnea. “Tenho nos dois olhos, mas no lado direito avançou tanto que nem o transplante poderia ser feito. Tenho visão monocular (só enxergo, com lente de contato, com o olho esquerdo) e, mesmo assim, não é 100%”, relata.

Imunizada, Syanne conta que viveu um turbilhão de sentimentos: tristeza pelos que se foram sem a chance da vacina, alegria pela chance inesperada da vacinação. Ela comemorou até seu estado febril e calafrios de efeitos colaterais. No entanto, sofreu ataque nas redes sociais. “Li e ouvi muitas perguntas impertinentes sobre minha condição. Uma das pessoas escreveu assim: ‘Tão bonita e cega?’. Também soube que rolaram fotos minhas, durante a vacinação, em grupos de Whatsapp, fazendo chacota e dando a entender que eu estaria sendo beneficiada indevidamente”, revela.

Para a jornalista Ivana Oliveira, professora e doutora em Comunicação Social, a leitura crítica do universo das redes explica essas condutas. Segundo ela, as mídias sociais digitais produziram novos modelos de convivência e alteraram nossos comportamentos, hábitos e costumes. “Com as redes sociais, a gente tem muito mais produção de conteúdo disponível, a gente expressa muito mais as nossas emoções, a gente dá visibilidade a elas e a gente forma opinião muito mais rápido”, afirma.

Segundo a professora, com o digital mudamos a lógica da comunicação de massa, que deixa de ser de um para muitos e passa a ser de muitos para muitos. Ivana fala da importância das redes sociais pela capacidade de mobilização, mas destaca que pode surgir o discurso do ódio nos ambientes digitais. “Principalmente pela intolerância, que é a manifestação contra ideias que são diferentes das minhas, ideias que vão incitar a manifestação social, religiosa, racial e isso quase sempre está ligado às minorias sociais”, observa.

A professora Ivana destaca, ainda, como preocupante a violência verbal a que recorrem os "haters" (termo que indica os agressores e semeadores dos discursos de ódio nas redes) pela não aceitação do outro. Segundo a professora, as pessoas que praticam ataques na internet imaginam estar no anonimato por trás de um perfil falso e tentam justificar sua atitude como liberdade de expressão. Para Ivana, tais condutas devem ser denunciadas e punidas conforme determina a lei. 

Por Dinei Souza.

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