Ensino superior: conquista para realização profissional

Concluir a graduação é o primeiro passo para a melhoria de vida e conquista de um espaço melhor no mercado de trabalho

por Dulce Mesquita ter, 04/12/2012 - 12:58
Dulce Mesquita e Clélio Tomaz/LeiaJá Imagens Ricardo Siqueira quer se formar em fisioterapia e abrir uma clínica Dulce Mesquita e Clélio Tomaz/LeiaJá Imagens

"Nunca admiti ser sustentado pela minha família. É uma questão de hombridade e responsabilidade. Sou deficiente, mas não sou doente. Faço questão de arcar com as minhas despesas". O massoterapeuta Ricardo Siqueira, 38 anos, costuma dizer que não tem medo das dificuldades, porque elas fazem parte da vida e a superação o satisfaz. Quase 30 anos depois de perder a visão, devido a uma síndrome que atinge apenas os homens da família, ele encara mais um novo desafio: o curso de fisioterapia. A graduação significa uma melhoria nas condições de vida e a realização profissional.

“Não posso dizer que não tenho nenhuma dificuldade, mas nada que não possa ser superado. Tudo sempre será difícil, na vida pessoal e profissional, mas eu não vou desistir. Eu vou seguir em frente”, frisou ele, que não se aflige mais pelos obstáculos da vida. “Eu penso da seguinte forma: se uma pessoa que não tem deficiência enfrenta muitas dificuldades, por que eu não teria dificuldade alguma? Na faculdade, por exemplo, alguns alunos reprovam as disciplinas. Por que isso não pode acontecer comigo? Só porque eu sou cego, tudo tem que ser mais fácil?”, argumentou.

Quem vê essa determinação pode não imaginar os problemas que ele enfrentou ainda quando criança, quando começou a ter dificuldades para enxergar. “Foi um período difícil, porque eu preferia ficar em casa. Tinha medo de sair, de ser assaltado ou atropelado. Sentia um pouco de vergonha também. Ficar em casa te leva à depressão. Cheguei ao fundo de poço. Só no final da adolescência é que eu me levantei e dei a volta por cima. Eu me abri para o mundo novamente”, contou.

Atualmente, ele trabalha como auxiliar administrativo na clínica de fisioterapia da Faculdade Maurício de Nassau e atua em ações específicas para melhorar a qualidade do ambiente de trabalho na empresa através do serviço de massoterapia. Mas os planos são mais ambiciosos. “Eu quero me formar e abrir uma clínica. Quero contratar outros cegos também, para dar oportunidade para outros deficientes crescerem”, explicou. Hoje ele acredita que pode contribuir para que outras pessoas com deficiência possam crescer na vida profissional. “Se eu consigo, qualquer outro pode chegar lá também, se tiver determinação. Motivar pessoas é a minha parcela de contribuição para a sociedade. Muita gente só precisa de uma palavra de incentivo”, defendeu.

“Não dá pra ficar reclamando da vida, de como a cidade não é acessível. Se eu me graduar, me esforçar, quem sabe um dia eu não posso fazer parte do grupo que muda tudo isso? O que eu não posso é ficar parado, porque aí nada vai mudar mesmo”, salientou.

Para o administrador Sindalvo Ginnari, 26, o ensino superior também significa muito mais que superação, mas também independência. “Provei para mim mesmo que o deficiente pode fazer qualquer coisa”, frisou ele, que é surdo. Durante o curso de administração, a Faculdade Pernambucana (Fape) contratou um intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais) para traduzir as aulas durante os oito períodos. “Não paguei nada a mais para ter o intérprete. Essa era uma responsabilidade da faculdade”, informou ele. De acordo com o Conselho Nacional de Educação, a conduta das instituições de ensino, tanto da educação básica como do ensino superior, deve ser exatamente como essa: dar toda a assistência ao estudante com deficiência e não cobrar nada além da mensalidade. De acordo com o Ministério da Educação, os alunos com deficiência que tiverem sendo cobrados abusivamente podem acionar a Justiça.

No dia a dia da faculdade, os demais estudantes foram se habituando ao colega deficiente auditivo e integrando-o nos grupos de trabalho. “Não houve exclusão. Fiz amizades normalmente. No início, claro, eu tive dificuldades, mas depois eu me acostumei com o ritmo da faculdade”, explicou. Logo depois de formado, ele foi contratado na empresa onde fez estágio. “Lá, eu ensinei Libras para os colegas de trabalho e hoje conseguimos nos comunicar bem”. O próximo passo já está planejado: fazer a pós-graduação na área de gestão de pessoas. Para ele, o apoio da família é fundamental. “Eles sempre me estimularam e acreditaram em mim. Antes eu tinha um pensamento negativo sobre o meu futuro, mas minha família me ajudou a ter uma expecativa melhor. Hoje, eu também estimulo outros amigos surdos a crescerem profissionalmente e terem coragem para assumir responsabilidades”, explicou.

Para o professor Wilson Barreto, diretor da Faculdade Esuda, as pessoas com deficiência precisam encaram o mundo e se aceitar. Vítima de poliomielite (paralisia infantil) quando tinha um ano e seis meses, ele perdeu os movimentos dos membros inferiores e hoje usa uma cadeira de rodas. “A verdade é que nós temos que aceitar o que não pode ser mudado, e mudar aquilo que é possível”, destacou. Na área profissional, mudanças sempre fizerem parte da vida dele. Ainda na faculdade de engenharia, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), ele lutou para conseguir que a turma dele assistisse às aulas no andar térreo.

Quando decidiu construir o prédio da faculdade Esuda, o desafio foi projetar desde o início uma estrutura acessível, objetivo que o norteou para a instalação de elevadores, banheiros adaptáveis e placas táteis em Braille e compra de mobiliário especial. “Ser cadeirante me ajudou a projetar os ambientes de uma forma mais adequada, porque eu sei do que precisamos. Por isso, os nossos jogos de banheiro são diferentes dos outros, porque eu sei, por exemplo, que é mais fácil ter um alça na parte superior, para suspender e ajudar a sair da cadeira”, comentou. Na vida profissional, uma concepção sempre esteve clara para ele: “Nós temos que correr atrás das oportunidades que o mundo nos oferece e repensar a nossa posição na sociedade. Somos chamados a nos integrar e falta de acessibilidade não pode ser desculpa para não atendermos a esse chamado”.

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