Entrevista: João Lin e Mascaro
Editores da revista Ragu conversaram com o LeiaJá, aproveitando o lançamento da Ragu Cordel, neste domingo (20)
Uma dupla que se completa. Um encontro entre diferentes estilos e visões do mundo gráfico que produziu a mais significativa revista de quadrinho autoral de Pernambuco. João Lin e Mascaro publicaram a primeira Ragu em 2000, trazendo vários artistas para expressar de forma livre sua arte e construindo um espaço único para a experimentação gráfica no Estado.
Eles estão lançando, neste domingo, a segunda edição de uma iniciativa especial da revista, a Ragu Cordel, caixa com 12 livretos em formato de cordel com a participação de poetas e artistas gráficos diversos. Veja matéria que o LeiaJá publicou. João Lin e Mascaro conversaram com o LeiaJá sobre esta nova edição e o atual ambiente de criação em quadrinhos no Brasil.
Como funciona o processo de encontrar os parceiros para compor a Ragu? Como foi escolher os poetas e ilustradores para esta Ragu Cordel?
João Lin – A gente tem alguns quadrinistas e desenhistas que estão na Ragu há muito tempo. Tem um círculo de pessoas que a gente sabe que têm um trabalho legal, de qualidade, e quando vamos fazer algo como a Ragu Cordel já pensamos nelas. Mas a gente também está muito ligado na rapazeada nova que está rolando, que vem surgindo. Gente que tem um trabalho legal e também disposição pra fazer, se compromete e consegue cumprir os prazos, que segura a onda mesmo de fazer uma história toda.
Esta última década – tempo em que vocês publicaram a Ragu - foi boa para a produção e permitiu o surgimento de mais pessoas e de uma produção autoral de quadrinhos?
Mascaro – A gente vive um momento incomparavelmente melhor do que o que a gente vivia quando lançou a primeira Ragu. Hoje tem uma rapazeada como o próprio Raoni (dono d’A Casa do Cachorro Preto, onde acontece o lançamento da Ragu Cordel) que já desponta junto com uma moçada com um volume muito maior do que quando eu e João atuávamos. Era assim uma coisa de “meia dúzia de três ou quarto”. A (editora de Livrinhos de) Papel Finíssimo tem um trabalho muito legal, essa coisa de preocupar em produzir em quantidade também, além da qualidade e do despojamento que eles têm. É um espírito muito mais empreendedor do que o nosso. A gente faz uma edição esporádica, tem toda uma tramitação formal de viabilidade do projeto.
João Lin – E hoje, não só falando de Pernambuco, de fato o campo da ilustração é muito mais possível pra quem pretende se dedicar a essa profissão. Pra quem fazia quadrinho era inconcebível, em 2000, pensar nesse volume de publicações de quadrinhos de autores brasileiros nas livrarias. Hoje você tem as grandes editoras com selos de quadrinhos. Isso realmente é uma coisa muito nova e um ambiente muito favorável pra quem tá querendo produzir hoje.
Mascaro – Agora existe um mercado, mesmo que engatinhando. Um nicho de interesse que as grandes editoras estão querendo ocupar.
Como é a relação entre a experimentação e a liberdade estética com esse mercado na Ragu e no Brasil? Como o mercado assimila essa inovação?
Mascaro – A Ragu ainda não se viabiliza economicamente. Falando muito francamente, ela não seria possível sem o apoio de incentivo público, como a gente tem hoje. E a gente não conseguiu fechar parcerias com editoras justamente por ela não ter essa adequação ao mercado como se exige. Ela é basicamente um fórum para que os artistas que colaboram exerçam sua autoralidade. Um filão que se descobriu no mercado foi a adaptação de obras literárias para os quadrinhos, mas ainda se faz apostas dentro de uma formatação muito careta, convencional. Você vê muita coisa que dá aquele deja vu monstro ou não acrescenta absolutamente nada.
João Lin – Não só para a Ragu, mas para os autores que têm essa instiga e essa curtição de experimentar e ir além do lugar seguro, continua sendo um desafio a publicação. São realmente poucas editoras em que existe abertura para isso. Mas, de fato, pra vender mesmo, continua se investindo em um quadrinho que é, entre aspas, de fácil leitura, de uma leitura mias palatável, que não exija que você se depare com uma coisa muito diferente do que você vê pra que você não tenha resistência aquilo. E muitas vezes experimentar pode levar por esse caminho, de ser uma coisa estranha, diferente.
Existe mercado para a experimentação?
Mascaro – Existe. Há uma demanda reprimida de se ver coisas diferentes, que surpreendam. O que precisa é um pouco mais de visão, ou de vontade, das editoras mais estabelecidas de fazerem essas apostas fazendo uso dos instrumentos que elas têm.
João Lin – Talvez uma coisa que colabore para se ter um público mais aberto à experimentação é a própria arte contemporânea. Você tem hoje mais possibilidades de ver uma coisa diferente, de formatos e caminhos novos. Eu acho que esse público, que tem tido contato come esse tipo de experimentação na arte é um público que pode curtir isso, que vai ter abertura para ler e se interessar por quadrinho que também experimente. Nos quadrinho e no campo da ilustração, eu acho que isso é uma marca dessa geração nova. É uma geração muito mais experimental do que a gente podia ver dez, quinze anos atrás.
A Ragu Cordel é uma edição especial, complementar à Ragu original, que teve a última edição lançada em 2009. Vocês já estão pensando na próxima edição da Ragu?
Mascaro – Não. Na verdade a gente tem um desejo de partir para os livros fechados, fazer novelas gráficas, livros de longas histórias. Essa é a nossa vontade, fazer agora livros autorais e dar um tempo nessa coisa mais coletiva quando tiver a possibilidade de executar um projeto mais encorpado pela Ragu.
João Lin – A gente tá querendo agora investir nesse outro formato.
Os dois trabalham com várias vertentes diferentes da imagem, como ilustração, quadrinhos, pintura. Como cada um sente a imagem na própria vida. Tudo é imagem para vocês?
Mascaro – Pra mim imagem é tudo, é como eu penso. Eu, por trabalhar com desenho, busco referências em absolutamente tudo, sou um verdadeiro “aspirador de pó” de imagens. Desde vinhetas de televisão a jornais de qualquer parte do mundo, passando por fanzines e livros bem elaborados graficamente, exposições, cinema, animação, tudo serve para criar a cultura gráfica que preciso para depois processar todas essas informações e ressignificar, produzir as minhas interpretações. O texto também desperta, o próprio quadrinho é a junção do texto com a imagem, é uma linguagem que faz uma junção preservando o que cada um tem de melhor para dar. E a música é importantíssima, não consigo trabalhar sem música.
João Lin – Eu sou muito disperso, talvez pouco observador. Diferente de Mascaro, eu não intenciono as coisas às produções. Sou muito pelo acaso de encontrar as coisas e deixar aquilo fazer parte do que estou pensando. Essa dispersão me faz ver coisas muito diferentes. É imagem, é poesia, é a ação política. É uma viagem minha de ficar elaborando e pensando o mundo a partir de reflexões que não são necessariamente ligadas à arte ou à imagem. Eu realmente tenho uma relação com a imagem muito dispersa, que não é de prestar muita atenção ou procurar muito. A gente vive num mundo muito saturado desse elemento visual, talvez fosse bom fugir um pouco disso e experimentar outras formas de entender e sentir o mundo, além da imagem. Mas realmente o meu trabalho, o que eu curto fazer de verdade, é no campo da imagem.
Mascaro – Imagina se você prestasse atenção, hein? (risos)