'Adoração do Cordeiro Místico' revela seus segredos

Projeto de restauração deste políptico dos irmãos Van Eyck, na cidade de Gante, no norte da Bélgica, está redescobrindo uma das obras mais famosas do mundo

qui, 20/10/2016 - 11:55
EMMANUEL DUNAND (12 out) A obra é apresentada após a restauração, na catedral de Gante EMMANUEL DUNAND

O Retábulo de Ghent, também chamado de "Adoração do Cordeiro Místico", obra de arte da pintura primitiva flamenga (1432), é uma das mais conhecidas no mundo depois da Mona Lisa e, 600 anos depois, ainda guarda surpresas.

É o que revela a restauração deste políptico dos irmãos Van Eyck, na cidade de Gante, no norte da Bélgica.

"Podemos dizer que isto é equivalente à redescoberta da Capela Sistina após a restauração do teto de Michelangelo", afirma à AFP Marie Postec, restauradora do Instituto Real do Patrimônio Artístico (IRPA) de Bruxelas.

"A obra original estava escondida por mantos de sujeira. As cores estavam totalmente alteradas. Hoje, acontece a mesma coisa aqui, temos a oportunidade de testemunhar o renascimento de uma obra", explica a restauradora durante a apresentação da primeira fase de tratamento do Cordeiro.

Há uma semana, os painéis externos do retábulo e suas molduras voltaram à catedral de Saint Bavo, em Gante, província de Flandes oriental, depois de passar quatro anos na sede do IRPA, onde foram estudados. O instituto tinha realizado a última grande restauração desta obra entre 1950 e 1951.

Sobre os oito painéis restaurados - o políptico reúne 24 no total -, pode-se contemplar a Anunciação da Virgem, dois São João (o Evangelista e o Batista, padroeiro de Gante) e os mecenas do quadro: o rico comerciante Joos Vijdt e sua mulher Elisabeth Borluut.

O Cordeiro Místico, que simboliza o Cristo, aparece no meio dos painéis internos do retábulo. O animal também era o emblema das corporações de negociantes de tecidos quando, na Idade Média, Gante era a capital do comércio de lã na Europa.

Na época, o políptico, cuja interpretação é complexa (mostra, por exemplo, referências ao texto sobre o Apocalipse), era mantido fechado a maior parte do tempo, sendo aberto apenas durante os principais feriados cristãos. A obra aberta mede 3,75 por 5,20 metros.

- Várias camadas de pintura e verniz -

Durante o estudo, a equipe de dez restauradores descobriu que as pinturas sobre madeira que decoravam a parte de trás dos painéis do Cordeiro estavam cobertas com verniz antigo, que tinham se tornado amarelados, e por uma camada espessa de pinturas adicionais que datavam ao menos do século XVII, ou até do XVI.

"Hoje já não se cobre o material original. Antes, os restauradores eram, na realidade, pintores e, em vez de retocar minuciosamente as lacunas, pintavam a figura inteira", explica Postec.

Para redescobrir o Cordeiro "autêntico" dos irmãos Van Eyck, começado por Hubert e finalizado pelo mais novo, Jean, doze anos depois, foi preciso retirar delicadamente as pinturas adicionais, centímetro por centímetro.

"Não havia espaço por trás, só um fundo preto uniforme. E ao restaurá-lo encontramos um material luminoso. Encontramos também pregas do século XV que tinham sido simplificadas com as repinturas, por isso é uma leitura completamente diferente", explica a restauradora francesa.

"O vestido da mecenas, por exemplo, tinha sido repintado em um rosa escuro. Hoje é de um rosa muito claro e brilhante", aponta.

O renascimento do Cordeiro, iniciado em 2012 e 80% financiado pelas autoridades flamengas (1,5 milhões de euros), ainda não foi concluído. A segunda fase deve começar nesta semana.

"Ainda falta restaurar toda a parte interna e, portanto, os painéis inferiores do retábulo aberto já estão no Museu de Belas Artes de Gante (MSK), onde está instalado um ateliê para a restauração desde o início do projeto", diz Marie Postec.

Estes painéis internos foram temporariamente substituídos por reproduções fotográficas.

O Cordeiro Místico totalmente restaurado deveria estar de volta à catedral de Saint Bavo em 2020, chamado de "ano temático Van Eyck".

Inteiramente restaurado? Não exatamente. Continuará faltando o painel dos Juízes Justos, que desapareceu misteriosamente em uma noite de abril de 1934, nunca foi encontrado e foi substituído por uma cópia. É um dos enigmas mais fascinantes da História da Arte.

Aliás, a obra de arte de Van Eyck, inscrita no Patrimônio Mundial da Unesco, foi roubada em várias ocasiões ao longo dos séculos.

Sua ressurreição é acompanhada pela exposição "Restauração/Revelação - Os painéis externos do Cordeiro Místico", que pode ser vista até 28 de maio de 2017 no museu Caermersklooster de Gante.

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