“Pica-Pau: O filme” não explica o porquê de existir
Misto de animação e live-action, longa terá dificuldades para conquistar o público infantil
“Esse filme não terá uma continuação”. Apesar da frase ser apenas uma das falas do pássaro protagonista em determinada situação de “Pica-Pau: O Filme”, é lícito que a Universal leve em conta a previsão do personagem. Errático desde sua concepção, o longa tenta trazer à luz de 2017 o frescor e a irreverência do personagem criado em 1940 pelo artista Walt Lantz. Mas se as histórias do desenho animado, apesar de terem o público infantil como principal alvo, sempre foram carregados de humor ácido e algumas pitadas de transgressão do bichano tresloucado, a adaptação cinematográfica veste a caretice de seu tempo e se apresenta como um dos produtos mais desinteressantes a figurar nas telonas este ano.
Quando Lance Walters (Timothy Omundson), um riquíssimo advogado, perde o emprego, ele decide se mudar com a namorada Vanessa (a atriz brasileira Thaila Ayala) para um terreno que possui numa área florestal, onde planeja construir uma casa gigantesca. Com os dois, porém contra a vontade de ambos, também segue Tommy (Graham Verchere), filho do primeiro casamento de Lance. Solitário em meio as árvores, o garoto faz, então, sua primeira amizade que não é ninguém mais, ninguém menos do que o próprio Pica-Pau. Antes disso, o pássaro dá os ares de sua graça pregando peças com os principais antagonistas da história, os irmãos Grimes, que passarão todo o filme tentando capturar e vender o animal. O grande problema é que todo o texto de Alex Zamm e William Robertson é de um mau gosto extraordinário e raramente remete ao histrionismo da obra original. A narrativa segue os arcos mais clichês do cinema comercial norte-americano, atirando a torto e a direito em busca de um sentido de existir, que não surge nunca e, mais, parece se esconder atrás das personagens e situações pavorosas que fazem “Space Jam” soar como uma obra-prima, caso esdrúxula comparação.
Em tempo, o mix animação/live-action definitivamente não funcionou em “Pica-Pau: O Filme”. Uma vez lançado o trailer, as críticas foram massivas quanto a aparente tosquice do CGI empregado na feitura da personagem. E custam poucos minutos para que não haja mais dúvidas quanto a imagem disforme, nada crível e destoante que surge sazonalmente em tela. O visual do pássaro só não está aquém de seus diálogos, que não criam o mínimo de empatia e dificilmente conquistarão o público infantil acima dos 5 anos. E olhe lá.
Ainda sobre estética, Alex Zamm entope seus cenários e atores de azul e vermelho e tenta, de todas as formas, informar que aquele é um filme do Pica-Pau. Ou, pelo menos, era pra ser. Mas, no afã de destilar lições de moral baratas e criar sub-conflitos inexplicáveis, Zamm perde o rumo de qualquer coisa que tivesse a intenção ao longo dos quase 100 minutos da projeção, além de trazer a tona o maior white-whashed do ano (num filme sem nenhuma diversidade em quaisquer escalas). E assim, pouco do que se vê importa, já que o nonsense desagradável bate à porta misturado com o que há de mais pejorativo e esquemático em Hollywood. Como adendo, as atuações fazem a experiência ainda mais sofrível, com o destaque negativo para Omundson e Ayala, que até hoje devem estar se perguntando quais são seus papeis no filme.
Em tempos de animações infantis e/ou filmes em live-action, voltados a este público, cada vez mais maduros, cientes de que crianças também desgostam do mau gosto, “Pica-Pau: O Filme” é um retrocesso, um erro que inexplicavelmente chega aos cinemas e um desrespeito à obra de origem. Talvez até distraia os aficionados por “Patati e Patatá” e cia, mas passará longe dos registros mnemônicos destes. Uma pena, pois talvez será a única referência que esta geração terá do personagem que, há tanto, vive e sobrevive em nossas lembranças.
Nota: 0 / 5