Muito além dos playgrounds

| sex, 04/11/2011 - 23:31
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Quando você pensa em parques, a primeira coisa que pode vir à sua cabeça é a imagem de um espaço com gramado verde, árvores e brinquedos, onde pessoas praticam exercícios físicos e levam seus filhos, nos finais de semana. Se olharmos de um ponto de vista ainda mais simples, um parque pode ser descrito como um espaço público onde pessoas se reúnem para atividades recreativas, uma extensão de suas casas.

Em grandes áreas urbanas, como o Recife, onde muitas pessoas moram em apartamentos e pouquíssimas dispõem de espaço suficiente em seus lares para atividades de laser, como correr ou um simples bate-bola com os amigos, os parques acabam se tornando a única opção. Porém, muito além dos playgrounds, os parques ao redor do mundo acabaram dando espaço também a outras atividades que antes eram restritas apenas a ambientes domésticos, como surfar na Internet, por exemplo.

Com a conexão à grande rede começando a estar presente em todos os tipos de dispositivos eletrônicos e lugares, não é incomum pensar que alguém possa ir a um parque ou praça para passar um tempo conectada à outras pessoas que estão a milhares de quilômetros de distância.

No verão europeu, em vez de ler um livro à sombra de uma árvore, cada vez tem se tornado mais comum levar o notebook ou um tablet, ler um e-book, usar bate-papos, assistir vídeos online e até mesmo trabalhar remotamente. O Hyde Park, em Londres, por exemplo, se tornou um lugar disputado entre jogadores de frisbee e jovens geeks, aquelas pessoas viciadas em tecnologia.

Áreas públicas, como determina a lei, precisam estar preparadas para receber todos os tipos de pessoas e, em parques, governos locais precisam estar atentos ao comportamento social de seus usuários e criar formas de oferecer opções de laser para seus cidadãos. Pensando desta forma, será que os parques do Recife estão preparados para uma nova geração de pessoas dispostas a consumir — e gerar — conteúdo em todos os lugares, a partir de todos os dispositivos?

Em setembro de 2008, a Prefeitura da Cidade do Recife, através da Empresa Municipal de Informática (Emprel), realizou um projeto pioneiro de cobertura Wi-Fi, oferecendo Internet sem fio em parques, praças e mercados públicos da cidade, apostando na promoção da inclusão digital das pessoas que frequentam estes locais. Apesar da novidade ter sido recebida com entusiasmo pelos usuários, na época, a realidade mostra algo completamente diferente.

Um dos primeiros parques a receber o projeto foi o Parque da Jaqueira, o maior da cidade, situado numa das áreas mais nobres do Recife e predominantemente residencial, na Zona Norte. “Após fazer suas caminhadas, as pessoas terão a chance de usar a internet no ambiente aprazível do parque”, afirmou, na época, o então secretário de Serviços Públicos, Amaro João. “O Recife será cada vez mais coberto pelo sistema”, prometia o presidente da Emprel, Eduardo Vital, que atualmente comanda a pasta de Serviços Públicos da cidade.

 

Porém, o medo da insegurança afasta os usuários, além da falta de manutenção, que deixa o serviço muitas vezes fora do ar. Poucas pessoas chegam a se conectar aos três hotspots que cobrem apenas 100 metros, cada um, dos quase 72 mil m² da área útil do parque. “Quem tem coragem?”, respondeu Carlos Silva, comerciante que trabalha próximo ao local, quando perguntado se já havia visto alguém usar a Internet pública do parque. “Já vi algumas pessoas, sim, uma vez ou outra perdida, mas chama muita atenção. Todo mundo fica olhando”, completou.

“A Guarda Municipal faz a segurança do local, em 4 turnos, mas não há uma equipe específica focada nos pontos [de acesso à Internet]”, afirma a engenheira Ana Guedes, gestora que representa a Nestlé, empresa adotante do Parque da Jaqueira.

“Não me sinto segura para levar meu iPad na Jaqueira, mesmo se eu estiver acompanhada. Já fui assaltada lá, há três anos, enquanto voltava para casa, e dois ‘trombadinhas’ com um caco de vidro na mão levaram meu iPod”, relata Maristela Souza, estudante de direito, que mora numa rua próxima.

Entre outros pontos que precisam ser levados em consideração, está a falta de estrutura física para quem precisa usar um notebook no parque. Não há áreas próprias para isso, como quiosques ou mesas, muito menos tomadas para carregar as baterias dos aparelhos. “Não há espaço específico, pois os pontos são bem distribuídos no parque. São três pontos de acesso e os visitantes podem escolher o lugar que melhor lhe acomode e usar a Internet livremente”, diz Ana Guedes. 

Para testar o serviço, convidados o administrador e blogueiro Murilo Lima, que aceitou ir até o Parque da Jaqueira com seu notebook. Para nossa surpresa, o serviço está em manutenção há mais de um mês, segundo o auxiliar de serviços Romildo Bezerra, que trabalha no Parque. “Rapaz, só tem esse [ponto de acesso] aqui, mas não está funcionando, não. Já faz mais de 1 mês, mas, quando funcionava, o pessoal usava”, disse.

“Quando eu cheguei aqui, tentei achar a rede do parque com o meu celular, mas não encontrei nenhuma”, segundo Murilo, que ficou frustrado por não conseguir usar o serviço. “É uma pena. Aqui é um lugar agradável”, disse.

 Numa rápida caminhada, ainda notamos outro problema: há pouca sinalização informando os visitantes que o Parque é dotado de pontos de Internet pública. Na entrada da Rua do Futuro, próximo aos banheiros, havia uma discreta placa da Emprel — que em nada se parece com o popular símbolo do “Wi-Fi Zone”, usado internacionalmente para sinalizar áreas cobertas por conexões wireless.

 

“Moro quase aqui em frente, frequento há anos e nunca soube que tinha Wi-Fi aqui”, disse a jornalista Janaina Calazans, que corria em umas das pistas de cooper do local. As estudantes Clarissa e Marcela, que estavam lanchando no gramado, ficaram surpresas ao tomar conhecimento que o parque dispõe do serviço. “Tem Internet aqui?”, exclamou uma delas.

Do lado de fora do parque, a comerciária Patrícia Gueiros, que atende em um café a poucos metros de um dos hotspots, afirmou não ter conhecimento do serviço. “Os clientes sempre usam a conexão daqui [do café]. Nem sabia que tinha também no parque, nunca vi [a rede]”, disse, enquanto puxava o notebook próximo ao caixa, para conferir o sinal.

Apesar da ideia de um parque conectado parecer ser bastante bem-vinda, a aparente falta de atenção dos órgãos responsáveis pelo serviço tem atrapalhado a sua adesão. A estranheza das pessoas, ao serem informadas sobre a disponibilidade da Internet grátis no parque, mostra ainda que a falta de divulgação correta atrapalha na utilizaçao de uma ferramenta que poderia garantir acesso a um bem imaterial cada vez mais valorizado: a informação.

O LeiaJá tentou entrar em contato com a Emprel, logo após a tentativa de teste, para ter mais detalhes sobre a manutenção do serviço e a previsão de quando será reestabelecido, mas o ramal informado do responsável não atende as inúmeras ligações. Até a publicação deste texto, a assessoria da presidência do órgão não havia respondido o e-mail pedindo esclarecimentos.

 

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