Suicídio: um tabu que precisa ser desmitificado

De acordo com o Ministério da Saúde, entre 2007 e 2016, foram registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) 106.374 óbitos por suicídio no Brasil. Em 2016, a taxa chegou a 5,8 por 100 mil habitantes, com a notificação de 11.433 mortes por essa causa. Os dados apontam, ainda, que, no mesmo ano, 396 pessoas tiraram a própria vida em Pernambuco

por Lorena Andrade seg, 24/09/2018 - 15:50
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“Ver o sofrimento da minha família me fez ver que eu tinha muitas coisas pra viver ainda”. O depoimento é da professora Joana*, 27 anos. Diagnosticada com depressão há 8 anos, a jovem já tentou suicídio algumas vezes. Hoje, enxerga que essa não é a saída e defende que procurar ajuda é o melhor caminho. "É preciso tentar se conhecer, desabafar com gente de confiança, procurar ajuda médica para entender o que está acontecendo com você. Outro fator que foi de extrema importância pra mim nesse processo foi construir laços com as pessoas, para que elas pudessem me amparar nos momentos de crise. Saber que não estou sozinha faz toda a diferença. Hoje eu me conheço melhor e estou aprendendo que a vida vale a pena ser vivida, mesmo com todos os contras", revela.

O setembro amarelo foi implantado no Brasil em 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). A campanha mundial tem o objetivo de aumentar a conscientização sobre o suicídio e prevenir sobre uma das principais causas de morte em todo o planeta. De acordo com o Ministério da Saúde (MS), entre 2007 e 2016, foram registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) 106.374 óbitos por suicídio no Brasil. Em 2016, a taxa chegou a 5,8 por 100 mil habitantes, com a notificação de 11.433 mortes por essa causa.

Os dados apontam, ainda, que, no mesmo ano, 396 pessoas tiraram a própria vida em Pernambuco. Entre eles, estava o filho da cabeleireira Sibely Fernanda das Chagas Brito, de 40 anos. Luan Felipe tinha 17 anos e estava com depressão. Ele faz parte da estatística que aponta, hoje, o suicídio como a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no Brasil. Sem ter ideia da gravidade do problema, Sibely acredita que a busca por ajuda médica para o filho chegou tarde. “Levei ele ao psiquiatra, que passou remédios e disse que estava tudo sob controle. Após duas semanas, Luan tirou a própria vida”, conta.

Segundo a psiquiatra do Hospital Oswaldo Cruz (Huoc), professora da Universidade de Pernambuco (UPE) e membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, Kátia Petribu, as pessoas que pensam em suicídio emitem sinais. "75% dos pacientes que tentam suicídio procuram atendimento de saúde nos seis meses anteriores. E até 45% no mês anterior. E, na maioria das vezes, ele confidencia os seus sintomas, dão sinais. Muitas vezes não de forma direta, mas de forma indireta. Outras vezes procuram conversar com amigos para desabafar e, se isso acontecer, é preciso que o outro ouça atentamente”, explica.

Sibely reconhece que foi exatamente esse o seu erro. "Eu errei em não ter prestado atenção, mas eu errei sem saber. Eu não tinha consciência da gravidade, achava que depressão era frescura e que o que ele estava fazendo era pra chamar atenção. Mas, na verdade, ele estava pedindo socorro o tempo todo e eu não consegui ver isso", desabafa. Após receber uma carta psicografada de Luan em 2017, ela resolveu criar o projeto social “No mundo do Lua”. Mantido através de doações, o projeto atende jovens que sofrem depressão e têm propensão ao suicídio. O espaço, que funciona no bairro de Paratibe, em Paulista, na região metropolitana do Recife, oferece atendimento psicológico gratuito por meio de uma psicóloga voluntária. "Eu aprendi a olhar para as pessoas de maneira diferente. Eu comecei a observar tudo no ser humano. Da forma que eu vejo hoje, eu me considero uma pessoa completa por poder salvar, ou ao menos tentar, um adolescente", conta Sibely. A iniciativa também criou uma rede de assistência às mães que perderam os filhos.

No Brasil, há, em média, um caso de suicídio a cada 46 minutos. Os dados são de 2016 e apontam que isso representa um aumento de 2,3% em relação ao ano anterior. De acordo com a Organização Mundial da Sáude (OMS), o suicídio poderia ser evitado em mais de 90% dos casos. "A maioria das pessoas que se suicidam são pessoas portadoras de transtornos psiquiátricos. Portanto, existe prevenção. Se a pessoa fizer o tratamento adequado, as chances de cometer o suicídio são diminuídas", explica Kátia Petribu.

É o caso da estudante de medicina Ramona Silveira, de 23 anos. Diagnosticada com depressão, transtorno de ansiedade e de personalidade conhecido como ‘Boderline’, há quatro meses a jovem decidiu buscar tratamento. “Já tentei suicídio três vezes e eu só melhorei a partir do momento que aceitei os transtornos que tenho e procurei ajuda”, conta. Atualmente, Ramona realiza psicoterapia e usa medicamentos. “Minha vida melhorou tanto na parte acadêmica quanto na social. O apoio da minha família também foi muito importante. É importante os familiares não acharem que é drama ou que a pessoa quer chamar a atenção”, afirma.

Para Kátia Petribu, esse apoio, de fato, pode ser decisivo. “Se uma pessoa lhe confidencia que pretende se matar, você precisa ficar extremamente atento. Primeiro, é preciso mostrar amizade e solidariedade, mas não apenas isso. É preciso, também, acolher a pessoa e incentivá-la a buscar atendimento. Se ela não quiser, marque você mesmo e leve ela”, alerta. A psiquiatra aponta que criar uma rede de apoio é fundamental. “O suicídio é uma emergência médica. Os pacientes precisam ser atendidos e medicados, e isso não pode demorar meses, é preciso ter um atendimento rápido”, afirma.

O Coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Quirino Cordeiro, considera a informação como primordial na prevenção ao suicídio. “Conversar sobre como agir nessas situações é fundamental para quebrar os mitos que existem hoje. A sociedade precisa estar orientada em relação às modalidades de tratamento para que as pessoas possam ter o cuidado de acordo com a necessidade clínica”, assegura.

De acordo com o Ministério da Saúde, em um ano foram inaugurados 109 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) em 20 estados. De acordo com dados do MS, nos locais onde existem Centros de Apoio Psicossocial (CAPS), uma iniciativa do SUS, o risco de suicídio reduz em até 14%. Ainda de acordo com o ministério,  também foi destinado R$ 1,4 milhão para a realização de projetos nas Redes de Atenção Psicossocial (RAPS), nas capitais de Manaus, Campo Grande, Boa Vista, Teresina, Porto Alegre e Florianópolis, consideradas prioritárias devido ao alto índice de suicídio.

TELEFONES ÚTEIS E ONDE BUSCAR AJUDA

Serviços de saúde

CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da família, Postos e Centros de Saúde).

Emergência

SAMU 192, UPA, Pronto Socorro, Hospitais.

Centro de Valorização da Vida – CVV

188 (ligação gratuita) ou www.cvv.org.br para chat, Skype ou e-mail

Ajuda psicológica gratuita ou de baixo custo no Recife



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