Confinamento priva as famílias dos velórios de parentes
Além das restrições de viagem, a França limita a 20 o número de pessoas que acompanham o falecido no cemitério ou crematório
Famílias que desistem de ir ao funeral de seus entes queridos, multas por ter participado de uma procissão fúnebre, enterros em vídeo... diante do coronavírus, muitos europeus confinados não podem mais prestar uma última homenagem ao falecido.
"Relutantemente, desisti com minha irmã de ao ir ao funeral", explica Emmanuelle Caradec, que vive em Paris e cuja avó morreu em Nantes, 400 quilômetros a oeste.
Porque, além das restrições de viagem, a França limita a 20 o número de pessoas que acompanham o falecido no cemitério ou crematório.
"O que vou dizer é terrível de ouvir (...) precisamos limitar os deslocamentos o máximo possível e, mesmo sob essa circunstância, não devemos nos desviar da regra", disse o primeiro-ministro francês, Edouard Philippe.
Bênçãos rápidas ainda podem ser dadas no cemitério ou no crematório, privados de um registro de condolências pelas mesmas razões sanitárias, sem mencionar que os participantes não podem se confortar com beijos ou abraços.
Também não há exceções para as "estrelas": a família da cineasta Tonie Marshall, recentemente falecida, teve que desistir de organizar uma missa, assim como a da atriz Suzy Delair. Todas as religiões estão envolvidas, como o Islã, que tem milhões de seguidores na França.
O Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM) convida, por exemplo, a limitar "a 5 o número de pessoas presentes" nos velórios. A Itália, o primeiro país europeu a confinar sua população, foi ainda mais longe suspendendo cerimônias religiosas, "incluindo enterros".
Quarta-feira, em Bergamo, uma cidade italiana particularmente afetada pelo vírus, os carros funerários aguardavam em fila, em frente aos portões fechados do cemitério Monumental.
"Fechamos o cemitério para que as pessoas não usem o ônibus entre a cidade e o cemitério para uma despedida final de seus entes queridos", disse Giorgio Gori, prefeito da cidade. "Mas reabrimos a câmara funerária e a capela para guardar os muitos caixões", continua ele.
Somente uma bênção rápida é dada ao falecido. Na Sicília, 48 pessoas foram multadas por terem participado de uma procissão fúnebre.
Para atenuar a dor, empresas como a francesa Advitam, oferecem "serviço gratuito de transmissão de vídeo das cerimônias fúnebres para todas as famílias".
Mas essa situação atrapalha inevitavelmente o trabalho essencial do luto.
"Não nego de forma alguma os méritos das medidas, nem a urgência delas, mas não sem consequências humanas", destaca Christian de Cacqueray, funcionário francês do Serviço Funerário Católico. "O trauma de certas famílias para quem o evento será estragado será terrível".
Denis Malvy, especialista em doenças infecciosas e consultor do ministro da Saúde da França, acredita que "serão tomadas medidas para apoiar o luto e as lágrimas, é obrigatório".
"Para um familiar ou amigo, não poder acompanhar o falecido até o final pode representar um choque duradouro", confirma a psicóloga Marie-Frédérique Bacqué, professora de psicopatologia da Universidade de Estrasburgo e autora de livros de referência sobre o luto.
"A única solução é fazer uma substituição em pensamento. Acender uma vela é o símbolo mais simples e sugestivo, pensar na pessoa que amamos, instalar fotos ou flores. É o melhor enquanto aguarda para visitar o túmulo mais tarde".