Dia do Exército: especialista avalia exposição da Força

Os escândalos potencializam a descredibilização do Exército com a sociedade, que exercia um maior patriotismo e respeitava a Força

por Alice Albuquerque ter, 19/04/2022 - 20:56
Divulgação/Exército Brasileiro A popularidade da Força caiu durante o governo Bolsonaro Divulgação/Exército Brasileiro

Todo 19 de abril é comemorado o Dia do Exército, que completa 374 anos neste ano de 2022 em meio a vários escândalos envolvendo as Forças Armadas e o governo federal do presidente Jair Bolsonaro (PL), que é capitão da reserva e deveria preservar a imagem da Força. Recentemente, foi divulgado a compra de mais de 35 mil unidades de comprimidos de Viagra e para comprimidos calvície pelas Forças Armadas, além da licitação em R$ 37 mil em bisnagas de gel lubrificante íntimo e R$ 3,5 milhões em próteses penianas. Os escândalos potencializam a descredibilização do Exército com a sociedade, que exercia um maior patriotismo e respeitava a Força.

A mais recente pesquisa feita sobre a popularidade dos militares, em 2021, mostrou que a popularidade caiu de 62%, em 2018, primeiro ano de gestão do atual presidente, para 58% no ano passado. 

De acordo com o professor de Relações Internacionais na UnB (Universidade de Brasília) e professor visitante na Universidade da Virgínia, Juliano Cortinhas, as Forças Armadas, de modo geral, não deveriam ter a pauta da popularidade, tendo em vista que não é esse o objetivo delas. "As Forças Armadas sequer deveriam estar tão presentes como estão", observou. 

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Para ele, Bolsonaro deslocou o Exército para o ambiente interno, "erro" ocasionado também pelo Partido dos Trabalhadores. "Houve uma militarização do Ministério da Defesa entre os anos de 2003 e 2016, foi um erro grave do PT não ter estabelecido um controle civil sobre as Forças Armadas, e o Bolsonaro se aproveita desse equívoco bastante importante para militarizar ainda mais, politizar as Forças Armadas e promover esse desastre em termos de quebra institucional que a gente vem acompanhando".

No entanto, a exposição não acaba sendo de culpa exclusiva do governo federal, mas também da Força, que se propôs a fazer parte do governo para se beneficiar. "Quanto mais as Forças Armadas se expuseram politicamente, o que foi um erro grave delas ter aceitado também, porque elas estão institucionalmente comprometidas com o governo atual, isso é inegável. Bolsonaro usa isso mas as Forças também utilizam isso para se promover, montar o seu orçamento, seus salários e seus benefícios individuais, então ganham os dois, o Bolsonaro porque se protege institucionalmente pelas Forças Armadas, e ganham as Forças Armadas porque a troca que eles recebem de vários benefícios", afirmou Cortinhas. 

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O especialista classifica toda a atuação como indevida: "Tudo isso para mim é indevido, muito problemática essa atuação do Exército, que ficam mais expostos na mídia e, consequentemente, todo o seu problema de corrupção, de má gestão, de desastres na gestão da pandemia, por exemplo, ficou bastante exposto", criticou. 

Função doméstica

De acordo com o professor, o Exército vem cumprindo uma função doméstica e política no País, que não faz parte do seu dever. "Idealmente, as Forças Armadas servem para defesa nacional, ou seja, para proteger o Brasil contra ameaças externas e elas se voltam para a atuação internacional. Forças Armadas não são componentes políticos de um país e nem componentes que devem estar relacionados a serviços públicos, como a construção de rodovias, levar água para o Nordeste, atuar nas favelas. Isso é tudo função que as nossas Forças Armadas ocupam porque estão mal posicionadas no ambiente político nacional", disse. 

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Ele alertou que a "mudança de função" pode prejudicar os brasileiros numa possível guerra. "Os brasileiros não percebem o risco de entrar numa guerra ou num momento próximo ou até num futuro mais distante e aí voltam instituições que deveriam estar voltadas para a proteção do Estado, e não estou falando das instituições do Estado, porque a proteção das instituições cabem a outras instituições como a Polícia Federal, os órgãos de controle, como o equilíbrio de poder entre Executivo, legislativo e Judiciário, mas nunca as Forças Armadas". 

Inclusive, ele destacou que o artigo 142 da Constituição Federal, que coloca o Exército, Marinha e Aeronáutica como " instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem", deveria ser reformulado. "Não cabe às Forças Armadas, na democracia madura - e vê-se que o Brasil não é uma democracia madura -, a atuação doméstica, a não ser em questões muito emergenciais, como uma catástrofe, uma pandemia, um momento de exceção, aí sim, num momento de muita exceção, as Forças Armadas poderiam ser designadas para atuação doméstica. Mas quanto mais atuam domesticamente, mais risco elas trazem à nossa democracia e a qualquer democracia".

"A democracia madura parte de um princípio chamado controle civil sobre as Forças Armadas, ou seja, os civis eleitos é que exercem o Poder Público, a política, que são os responsáveis pela política, e não os militares", ressaltou. 

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