‘Pai, por que a gente mora aqui?’: O enredo das palafitas

Com uma realidade difícil de morar de aluguel em uma palafita, Playboy, diz não se preocupar com o amanhã “se eu tenho meu pão hoje, tenho a certeza que no outro dia clareia”

por Alice Albuquerque seg, 16/05/2022 - 20:44
Rafael Bandeira/LeiaJáImagens O drama e a esperança pelo outro dia melhor dos moradores das palafitas do Pina Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

"O ser humano é adaptável. A gente tem que se adaptar àquilo que a vida nos oferece no momento, não é só a moradia, a palafita, não é só a madeira, certas vezes é o mau cheiro da maré, a água contaminada, é você tendo que manter seu barraco mais limpo possível para evitar que rato entre”, disse Douglas Fernando, mais conhecido como Playboy, morador de palafita no Beko Capui, bairro do Pina, Zona Sul do Recife. De acordo com ele, o ‘morar em palafita’ não se resume apenas às péssimas condições e estrutura. “Muitas vezes até o próprio tamanho da moradia contribui muito no estresse. Por ser pequeno, muita gente dentro de casa, pouco espaço para transitar. São crianças”.

As condições de moradia e de vida de Playboy, que não tem emprego fixo, mora de aluguel em palafita, vive de fazer bico e que tem, além de dale, mais outras cinco bocas para dar de comer, sendo quatro filhos e a esposa, e não o faz desacreditar da vida e nem deixar de ter esperanças. Ele passou a morar e palafita há oito anos por questões financeiras. “As condições que o nosso País nos oferece também não nos dá condições para isso [morar em casa de alvenaria]”.

Essa subcondição de vida da família de Playboy e de tantas outras talvez seja o maior sinônimo de amor e proteção à família já que, mesmo com todas as condições adversas, agradecem todos os dias por ter um teto, que é o mínimo que qualquer ser humano deve ter. “Como cidadão de bem, pai de família me mantenho em pé com a cabeça erguida, principalmente fé em Deus que tem que estar em primeiro lugar, e vou seguindo minha caminhada, um dia após um dia agradecendo pelo que tenho hoje”. 

Por mais que queira ter um emprego de carteira assinada e todos os direitos trabalhistas adquiridos, Douglas não pode ter esse ‘privilégio’ porque senão vai “passar 15 dias sem pegar em dinheiro nenhum e já passo por necessidade”. “A gente não passa por muita dificuldade aqui na comunidade porque um ajuda o outro, mesmo todo mundo sendo pobre e tendo problemas, a gente se ajuda; seja de esquentar uma comida quando o gás acaba, um botijão de água quando não tem, dividir cesta básica quando recebe”, conta Playboy, que já ficou várias vezes com o armário e a geladeira vazia, “comendo de ôia, fazendo uma de R$ 30, uma de R$ 50, uma de R$ 100”. 

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Mesmo morando de aluguel, que custa R$ 200 o mês, o acordo com o proprietário do barraco é “ir pagando quanto pode”. Sem emprego, Douglas não tem condições de sustentar um aluguel e ainda colocar comida dentro de casa. “Como é que eu vou ter condições de pagar um aluguel, uma água, uma luz, se o que a gente ganha mal dá para comer?”, questionou. 

“Pai, por que a gente mora num canto assim?”, é uma das perguntas que as filhas de Playboy fazem quase sempre. Ele havia ido buscar as três filhas na escola quando encontrou com a reportagem do LeiaJá. Sobre o amor, proteção e riqueza, ele ensina diariamente a às três “quais caminhos devem seguir, quais levam para o bem, qual é o caminho correto e o negativo”. 

“Passo sempre para elas e vou passar para esse [o bebê] também. Muitas vezes elas perguntam por que moramos ‘num canto assim’ e eu respondo: ‘porque seu pai não estudou, porque sua mãe não estudou, porque a gente se envolveu muito novo e não teve mais condições de correr atrás. Para vocês serem diferentes, terem uma boa moradia, um carro, estudem primeiro, arrumem um bom trabalho e depois pensem em namorar. Esse é o segredo’. É nesses momentos que eu vejo que sou rico, pois não estão na chuva, no frio, estão de barriga cheia”. 

“Não é só a madeira”

Antes de ir para o aluguel, Playboy tinha um barraco, mas ele caiu por falta de dinheiro para comprar estroncas para reforçar a estrutura. “A parte do meu barraco é correnteza constante, não é uma área que fica só lama quando a maré seca, ela fica em cima do canal, a água lá não para de correr, seja a maré secando ou enchendo. Aí faltou condição pra eu comprar as estroncas e botar umas linhas de cerrado, que é caríssimo e quando eu menos esperei já tava para acontecer, não deu tempo suficiente de fazer isso e ele caiu”. 

“Meu barraco caiu e eu não tive condições de levantar porque o custo é alto, o aluguel é R$ 200 por mês, não dá para levantar esse dinheiro. Mesmo não levantando todo, consigo R$ 100, R$ 150, pagar um pedaço, e assim vou levando. Aquela preocupação muitas vezes quando venta muito, você vê toda aquela estrutura balançando, e eu sempre me apegando a Deus, confiando nele acima de tudo. Fora outras coisas que aparecem que temos que conviver e que não pode ser falado”. 

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À reportagem, ele contou já ter passado por várias situações marcantes que abalou a estrutura emocional dele e da esposa. “Um dia eu estava em casa e subiu aquele cheiro muito forte de carniça, mas antes disso já tinha rolado dois porcos enganchados no barraco, que eu arrumei uma vara e consegui tirar, mas nesse dia tava um cheiro extremamente insuportável”. 

“Pedi para a minha esposa colocar a roupa nas meninas e ir para os prédios até o cheiro passar, foi quando ela saiu, deu um grito, e eu saí correndo para saber o que era. Quando vi, tava lá um corpo totalmente duro, uma cena horrível. A maré fez ele desenganchar e sair rodando que nem uma garrafinha plástica, aquilo foi muito marcante para mim. É como eu falei, não é só a moradia em si, não é só a madeira, acontecem muitas e muitas outras coisas no ambiente”, revelou. 

Questionada pela reportagem sobre as políticas públicas existentes para as pessoas que moram em palafitas, a Prefeitura do Recife não deu retorno até a publicação desta matéria. 

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