O Alzheimer, a sensação e o medo de não ser lembrada
O Dia Mundial de Conscientização Sobre a Doença Alzheimer é celebrado nesta quarta-feira (21)
Controle rigoroso da pressão alta. Alimentação balanceada. Controle do diabetes. Do sedentarismo. Atividade física regular. Manter a mente ativa. Vida social ativa. Tratar a depressão. São atividades que podem ser feitas pelo indivíduo para prevenir a doença do Alzheimer, que tem o Dia Mundial de Conscientização Sobre a Doença Alzheimer nesta quarta-feira, 21 de setembro, quando celebra o seu 12º ano.
A data tem como objetivo a conscientização da sociedade sobre a importância da prevenção, cuidado, apoio, diagnóstico precoce, suporte aos familiares e cuidadores das pessoas que vivem com a doença, tendo em vista ser uma enfermidade neurodegenerativa progressiva, caracterizada por uma alteração das proteínas beta-amilóide e a tau, que promovem a morte dos neurônios e ajudam no desenvolvimento da doença, que é multifatorial, segundo explicou a geriatra e diretora científica da Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), Draª Carla Núbia Borges.
“A gente pecou muito por não entender. A gente não queria acreditar na situação”, relatou a optometrista Cileide Cavalcanti, filha de Josefa Cavalcanti de Oliveira, mais conhecida como dona Nina, de 93 anos.
O Alzheimer de dona Nina foi diagnosticado aos 85 anos e, de acordo com Cileide, os primeiros sinais iniciaram entre os anos de 2013 e 2014, quando ela começou a achar que estava sendo roubada dentro de casa. “Todo mundo roubava ela. A gente colocava como velhice, porque a minha avó fazia isso. Mas ela começou a se perder aqui no conjunto, não sabia voltar para casa”, disse.
Sábado era o “dia oficial” de Liliane Cavalcanti, filha mais velha de Cileide e neta de Nina passar o dia na casa da avó. “Liliane ia todo sábado na casa dela e ela fazia a janta. Num belo dia, ela chegou dizendo: ‘voinha falou que não vai mais fazer a janta da gente. Ela disse que não sabe mais fazer a janta’. Foi quando a gente começou a se preocupar”, informou Cileide.
Para a filha de dona Nina, o que fez a doença se agravar com maior agilidade foi a morte de Dina, enteada de Nina que ainda morava com ela. “Quando Dina faleceu eu senti como se fosse aquele fiozinho que cortou. Ela começou a esquecer fogão ligado, torneira aberta, e Mariquinha [irmã de Cileide por parte de pai] começou a reportar tudo para a gente, pois elas moravam juntas e a doença passou a ficar perigosa para as duas. Mamãe começou a fechar a porta do quarto para Mariquinha não entrar, pegava a faca e ameaçava ela porque achava que ia ser roubada. Ela estava totalmente sem medicação”.
A decisão de colocar dona Nina num abrigo veio em 2017 a muito contragosto por Cileide, Liliane e Luane, a filha mais nova, mas era uma decisão necessária. Na casa de Cileide não havia espaço e nem o suporte essencial para cuidar de uma idosa com Alzheimer. “Eu vim de uma geração que considerava que abrigo era desprezo”, confessou a optometrista. “Você pegou a sua mãe na velhice, jogou no abrigo e a despejou lá. Para mim era muito doloroso, só que a minha vida não permitia e ainda não permite que eu cuide dela na minha casa”, lamentou.
“Antes disso, mamãe foi morar com a minha irmã, mas a gente nunca se deu bem, então, para eu ver a minha mãe, ela tinha que chegar na porta, abrir o portão e a gente conversar em outro local porque eu não podia entrar na casa. Muitas vezes a gente conversava no meio da rua. Começou a ficar muito difícil”, relatou.
O abrigo Casa do Amor, que era localizado no bairro do Arruda, Zona Norte do Recife, foi o primeiro que dona Nina se hospedou. “Lá eu podia entrar, sentar na cama que a minha mãe tava dormindo. Era outra história. Quando eu ia buscar mamãe, eu entrava, pegava as roupas dela no guarda-roupa. Era a minha segunda casa, não tinha dia e nem horário para visita. Isso é o que eu sinto mais falta, muita mesmo”.
No entanto, em novembro de 2021 a Casa do Amor fechou e dona Nina teve de mudar de abrigo, o que foi mais outro desespero para a família pela dificuldade de encontrar algum local com vaga. “Foi horrível essa mudança. Eu não sei onde a minha mãe dorme. Eu nunca entrei nesse abrigo. A gente só fica na porta. Eu cheguei até a brigar lá, fazer revolução, e eles acabam abrindo uma exceção com a gente, mas não queriam nem deixar eu pegar mamãe”, afirmou Cileide, revoltada.
Agora, as visitas são em horários específicos. Antes da “revolução” de Cileide, só era possível ver dona Nina pelas grades, como se fosse uma prisão. “A gente não podia abraçar ela. A desculpa era a pandemia da Covid-19. Mas qual é a expectativa de vida que ela tem? É ficar o resto da vida vendo ela pela grade? E ela pegava a grade, tentava abrir para poder pegar na gente, porque somos um grude. Mamãe é muito carinhosa, de botar no colo, amarrar o cabelo. Sempre foi desse jeito”.
“Mamãe virou um bebê”
A optometrista falou sobre a regressão que o Alzheimer causa no indivíduo, quando ele começa a esquecer de tudo, até de comer. “A minha mãe virou um bebê. É festa quando ela conseguia dar uma passada, lembrar de Roberto Carlos. É festa quando ela consegue engolir. A gente começou a resgatar as pequenas lembranças que ela ainda tinha para tê-la presente, a botar as músicas que ela sempre amou, mas ela também já não reconhece. Hoje ela não sabe mais o nome dela. Ela virou um papagaio”, lastimou.
O medo de envelhecer
“É muito ruim ver uma mãe como era a minha mãe, ela olhar para você e não lhe reconhecer como filha. É muito ruim. É terrivelmente ruim”, disse Cileide, com a voz embargada. “Mamãe era uma mulher muito apaixonada. Ela tinha a capacidade de passar fome pelos filhos e quando ela olha para mim hoje, ela só fala ‘é tão bonitinha’. Sou só bonitinha”, disse.
A filha de dona Nina expôs que o que a deixa mais tranquila é ver a idade da mãe, que tem 93 anos. “Se eu reclamar a Deus porque ela não tá se lembrando de mim, eu acho que tô pedindo demais”.
“Envelhecer dá muito medo. Muito medo. Envelhecer é irmão da debilidade”.
Atualmente, Cileide, Liliane e Luane só veem dona Nina uma vez no mês. A mobilidade de Josefa é um dos principais fatores, já que se tornou inviável carregá-la até o 4º andar do prédio. “Uma vez no mês a gente pega ela e vai para Itamaracá passar o dia. Numa dessas vezes, ela chegou no abrigo e contou que foi à praia, que gostou de ter ido, e depois pediu para ir ao banheiro. Foi como se ela tivesse recebido uma bomba de sentimentos e voltado rapidamente à lucidez”, detalhou, emocionada.
“O grande medo sempre foi ela me esquecer”
A estudante de psicologia Luane Cavalcanti, de 25 anos, neta mais nova de dona Nina, revelou à reportagem que o maior medo era ser esquecida pela avó. “Eu tinha por volta dos 20 anos quando recebemos o diagnóstico, e passei a minha infância toda com a minha avó e parte da minha adolescência ela tava muito lúcida. Mas esse diagnóstico comigo já adulta foi menos doloroso por um lado. O meu grande medo sempre foi ela me esquecer”, disse.
O medo de ser esquecida fez com que a família passasse a ter conversas sobre o passado de dona Nina e registrar todos os possíveis momentos com ela na tentativa de manter a memória. “Eu ainda falava pra ela: ‘vó, a senhora não vai me esquecer, não, né?’, e ela falava: ‘nunca, minha filha. Nunca’. Ela nem entendia porque eu perguntava isso”.
“Ela sempre se doou muito para toda a família e com as netas não seria diferente. Se ela precisasse criar, ela criava para educar. Tudo o que ela fazia para a gente é com muito amor, desde a comida. Ela sempre quis a gente por perto, tanto que quando começou a perceber os primeiros sintomas do Alzheimer a primeira coisa que fez foi avisar que não lembrava mais como cozinhar”, relatou.
A própria enfermidade causa mais confusão mental, estresse e agressividade na pessoa. Com Luane, Josefa nunca chegou a apresentar nenhum desses sintomas mais “grosseiros”. “Mesmo sem lembrar de mim ela abre um sorrisão no rosto sempre que eu chego. Ela não sabe o meu nome. Não lembra da nossa história. Não lembra que eu sou neta dela. Mas acho que é como se ela reconhecesse meu rosto e a lembrasse amor, coisas boas”, contou, muito emocionada.
Luane então decidiu gravar na pele o amor pela avó e o amor da avó pela neta. “De quem ti ama voinha” foi a frase tatuada no braço, num local onde ela possa sempre ver e lembrar. “Foi um cartão que ela escreveu para mim há uns 12 anos, quando ainda sabia escrever, e ela assinou com essa frase no final. Eu resolvi tatuar porque se hoje eu tenho um receio de no futuro ter essa doença, também é receio de não lembrar dela. Não lembrar quem foi a minha avó. Pelo menos vai estar na minha pele que ela me amou muito e que eu também amei muito ela”, expressou.
Como o Alzheimer se desenvolve
A idade é o maior fator de risco para o desenvolvimento da doença. “Quanto maior a idade, maior o risco de ter demência. Vários fatores têm sido implicados no desenvolvimento da doença como fatores metabólicos, hipertensão, diabetes, obesidade, sedentarismo, a prática do fumo. Isso leva a alterações vasculares que podem promover o aparecimento e o depósito anormal dessas proteínas, com a morte dos neurônios e o desenvolvimento da alzheimer”, detalhou a Draª Carla Núbia Borges.
O geriatra Carlos Henrique Tavares, por sua vez, afirmou que a doença atinge majoritariamente pessoas acima dos 60 anos, “mas há relatos de casos entre 30, 60 anos de idade”. “Que costuma ser de pior evolução, ou seja, mais acelerada”, disse. “Antes dos 60 são demências mais rápidas e de uma linhagem familiar muito forte. Quanto maior a idade, maior o risco de ter demência. Acima dos 60 anos, é 1,5%, e vai aumentando para 15, 20%. Acima dos 85 anos, quase 50% dos pacientes podem desenvolver a alzheimer”, complementou a Draª Carla Núbia.
A revista Lancet Public Health diz que ainda não há clareza sobre o total de pessoas com Alzheimer no Brasil, mas é estimado que cerca de 2 milhões de pessoas vivam com demências, sendo o Alzheimer responsável pela maior parcela. A projeção para 2050 é que esse número tenha um aumento de 200%, chegando a cerca de 6 milhões de pessoas.
No entanto, o Ministério da Saúde aponta que cerca de 1,2 milhão de pessoas vivem com alguma forma de demência no Brasil, e que 100 mil novos casos são diagnosticados por ano. Em todo o mundo, o número chega a 50 milhões de pessoas, de acordo com estimativas da Alzheimer’s Disease Internacional.
Os números podem chegar a 74,7 milhões em 2030, e 131,5 milhões em 2050. Isso acontece porque a população está envelhecendo e o cenário mostra que a doença se caracteriza como uma crise global de saúde que deve ser enfrentada, segundo o Ministério da Saúde.
O órgão alertou que problemas de memória que afetam atividades e o trabalho; dificuldade para realizar tarefas habituais; dificuldade de comunicação; desorientação no tempo e no espaço; dificuldade de raciocínio; mudanças na personalidade; perda de iniciativa para fazer as coisas; diminuição da capacidade de juízo e de crítica; colocar coisas no lugar errado frequentemente são 10 sinais iniciais de alerta para o Alzheimer.
Formas de tratamento
Em janeiro de 2020 o tratamento da alzheimer deu um grande passo com a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de uma proposta para facilitar a importação de produtos à base de canabidiol para uso pessoal. A medida facilita o tratamento de pacientes que sofrem com doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer.
A geriatra Carla Núbia explicou que o uso da cannabis para o tratamento do Alzheimer é uma nova estratégia nos estudos da medicina que vem sendo utilizada para auxiliar no controle dos distúrbios comportamentais. “Ansiedade, insônia, inquietude. A cannabis não é modificadora de doença, ela não cura, não estaciona e não evita a doença”, salientou.
“Ela é uma estratégia que nos é apresentada e pode ser utilizada também com medicamentos, que ajudam muito, principalmente nos sintomas comportamentais de ansiedade. No entanto, é necessário mais estudos para que essa eficácia seja confirmada. Mas na prática já temos muitos pacientes que têm tido bons efeitos”, explicou a médica.
O geriatra Carlos Henrique observou que os estudos ainda são incipientes, ou seja, iniciantes. “De forma que só podemos afirmar até o momento que há um potencial de uso, mas ainda não há indicação”.
A neuromodulação também é uma forma de tratamento do Alzheimer. Ela é uma estimulação magnética transcraniana, um tratamento não invasivo baseado no “uso de pulsos magnéticos que agem no córtex cerebral”, explicou Henrique Tavares, que disse que ainda não há indicação do tratamento.
“É um dos princípios da terapia ocupacional é exatamente esse estímulo [da neuromodulação]. Esse treino cognitivo que vai estimular áreas cerebrais que já estão comprometidas e exacerbar também áreas funcionais para manter o paciente mais funcional. É muito positivo ao tratamento, coadjuvante à mediação”, defendeu Carla.
Ela evidenciou que para além desses tratamentos, existem a forma medicamentosa e não-medicamentosa, o paciente tendo nesta segunda opção a necessidade do acompanhamento de vários profissionais para auxiliar no caso. “Fisioterapeuta para melhorar o equilíbrio, a marcha, evitar o risco de queda; enfermagem para os cuidados gerais; profissionais de educação física, sobretudo nas fases iniciais; a terapia ocupacional com exercícios de treino e estimulação cognitiva que vão atuar em áreas que estão comprometidas e vão estimular outras áreas que ainda estão bem. Fazendo isso junto à medicação, mantém o paciente mais conectado, estimulado”, afirmou.
“A musicoterapia ajuda nos distúrbios comportamentais: na atuação, na ansiedade. Práticas integrativas, florais, terapias que ajudam pacientes que estão inquietos. A família também deve se atentar para as questões legais e jurídicas que fazem parte de várias alterações que acontecem durante a doença”, alertou a geriatra.
O tratamento medicamentoso pode ser feito a partir de anticolinesterásicos e associação com memantina, para as fases mais avançadas da doença. “São medicações que precisam ser bem indicadas, com o máximo de certeza possível desse diagnóstico. Um protocolo bem aplicado, essa medicação é iniciada com doses pequenas que vão aumentando de forma que deva ser continuada. Só deve ser suspensa dependendo de uma avaliação médica, se há algum efeito colateral ou uma fase avançada”, explanou a médica.
Carlos Henrique de Albuquerque alertou que o paciente deve iniciar a reabilitação cognitiva e manter a atividade física o mais breve possível após o diagnóstico. “O tratamento é multi e interdisciplinar. Em relação ao tratamento medicamentoso, a evolução do impacto isolado dessas medicações na evolução é pouco, sendo de suma importância associá-las ao tratamento não medicamentoso”.
Como cuidar de alguém que tem Alzheimer?
Para a geriatra Carla Núbia, a forma específica e importante da doença é saber como cuidar dela e entender as suas fases. “Tem que ter uma abertura muito clara com a sua equipe assistente (familiares e cuidadores), com o médico que está nessa equipe para saber exatamente quais profissionais vão ser necessários em cada fase. Usar a medicação corretamente. Ficar atento aos sinais e sintomas que podem se modificar ao longo da história”, explicou.
“É um tratamento que exige um certo conhecimento, entendimento. Assistir palestras, estudar sobre a doença para poder cuidar cada vez melhor é importante”, indicou.
Por fim, a especialista detalhou que a Alzheimer é uma doença com características fisiopatológicas com alterações nas proteínas e, por isso, é importante o diagnóstico precoce. “Quanto mais precoce, melhor para o paciente. Ele vai ser tratado mais precocemente e a equipe multidisciplinar vai atuar para que ele se mantenha mais cognitivo, funcional e presente ao longo da sua vida, diminuindo a sobrecarga do cuidador e fazendo com que a família toda se una em prol desse cuidado”, disse.
“Não negligenciar sinais e sintomas. Tratar a depressão, que pode ser uma pseudodemência. É uma doença que exige de todos nós o entendimento e a percepção mais precoce possível”, alertou.