EUA: Lobo 'imigrante' revitalizou ecossistema florestal

Sua chegada reavivou a sorte da população de lobos na área, afetada por doenças e endogamia, e desencadeou uma cascata de efeitos que melhoraram a saúde geral do ecossistema

qua, 23/08/2023 - 20:43
THOMAS KIENZLE Um lobo cinzento em um parque natural perto de Cleebronn, no sul da Alemanha THOMAS KIENZLE

Um lobo solitário conseguiu revitalizar todo um ecossistema depois de cruzar uma ponte de gelo que temporariamente conectou o Canadá à remota Ilha Royale, no norte dos Estados Unidos, ao largo da costa de Michigan, no Lago Superior, em 1997, de acordo com um estudo publicado nesta quarta-feira (23).

Sua chegada reavivou a sorte da população de lobos na área, afetada por doenças e endogamia, e desencadeou uma cascata de efeitos que melhoraram a saúde geral do ecossistema, de acordo com a pesquisa publicada na revista científica Science Advances.

"Questões como a endogamia e a baixa diversidade genética são uma preocupação significativa para os cientistas", disse Sarah Hoy, ecóloga da Universidade Técnica de Michigan, à AFP.

"Mas este é o primeiro estudo que mostra que quando você tem esses problemas genéticos, eles não afetam apenas a população específica e aumentam o risco de extinção: eles também têm esses efeitos em cascata realmente grandes em todas as outras espécies", acrescentou.

- "O Velho Cinzento" -

Os primeiros lobos chegaram à ilha no final da década de 1940, e sua principal presa eram os alces, o que levou ao estudo mais longo do mundo sobre um sistema predador-presa.

Mas nos anos 1980, os lobos estavam em apuros devido à chegada de uma doença, o parvovírus canino, que reduziu seu número de 50 para cerca de 12 exemplares.

Embora a doença tenha desaparecido, a população não se recuperou imediatamente. O motivo foi a grave endogamia, que resultou em menor sucesso reprodutivo, bem como piores sequelas para a saúde, como deformidades na coluna vertebral do tipo geralmente vista em cães de raça pura.

"Se você é um lobo selvagem e precisa derrubar uma presa como um alce, oito vezes maior que você, a vida na natureza pode ser muito difícil", explicou Hoy.

Foi nesse momento que chegou o "imigrante", identificado como "M93" pelos cientistas, mas carinhosamente apelidado de "O Velho Cinzento".

M93 não tinha parentesco com a população existente e também era excepcionalmente grande, uma vantagem para defender seu território de rivais ou abater ungulados, mamíferos quadrúpedes de casco, com mais de 350 quilos.

Ele rapidamente se tornou o macho reprodutor de uma das três alcateias de lobos da ilha e teve até 34 filhotes, o que melhorou significativamente a saúde genética da população e a taxa de mortalidade de suas presas.

- Restabelecer o equilíbrio -

Os alces são herbívoros vorazes que consomem até 14 quilos de vegetação por dia. Ao reduzir seu número, os lobos ajudaram a restabelecer o equilíbrio da floresta, o que foi notado principalmente nas árvores de abeto-balsâmico, uma espécie frequentemente usada como árvore de Natal.

Com menos alces, as árvores começaram a crescer a ritmos não vistos em décadas, o que é vital para a renovação da floresta e para a grande quantidade de espécies vegetais e animais que dependem dela.

Os benefícios trazidos pela chegada de M93 duraram cerca de uma década. Depois, a situação voltou a piorar, ironicamente devido ao seu extremo sucesso reprodutivo.

Em 2008, dois anos após sua morte, 60% do acervo genético da população de lobos era proveniente de M93, o que levou a um retorno do declínio genético. O próprio M93 começou a se reproduzir com uma de suas filhas após a morte de sua companheira.

Felizmente, um programa de restauração iniciado em 2018 reequilibrou o sistema e atualmente há cerca de 30 lobos e um pouco menos de 1.000 alces na ilha.

Para Hoy, uma ideia-chave é que o mesmo princípio de inserir apenas um pequeno número de indivíduos poderia ser aplicado a outras populações de predadores em perigo que sofrem de endogamia, como leões ou chitas.

William Ripple, professor de ecologia da Universidade Estadual do Oregon, que não participou da pesquisa, explicou à AFP que este era um "estudo importante" que avança na compreensão "ao demonstrar que os processos genéticos podem limitar os efeitos ecológicos de uma espécie-chave, o lobo cinzento".

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