Comissão faz audiência pública no auditório do TCE

A Comissão Dom Helder Câmara ouviu ex-presos políticos sobre o assassinato de Anatália Alves

ter, 27/11/2012 - 17:58

Segundo informações dos ex-presos políticos que prestaram depoimento na manhã desta terça-feira (27) no auditório do Tribunal de Contas do Estado, a desaparecida política, Anatália Alves, não cometeu suicídio, mas foi morta pelos agentes da ditadura militar. Participaram da audiência pública, José Adeildo Ramos, Edmilson Vitorino de Lima e Luiz Alves Neto, viúvo da vítima. “Ouvi uma pancadaria no banheiro, depois me vem um policial e me diz, seja corajoso, porque ela está morta. Não vi o corpo no banheiro, mas jogado no chão da cela com o abdômen e a genitália queimados. Não havia marcas no seu pescoço, nem marcas de sangue”, informou Luiz Neto.



O atestado de obtido nunca foi emitido, mas segundo informações divulgadas no laudo pericial da polícia, Anatália ateou fogo nas suas roupas e se enforcou com a alça de uma bolsa no banheiro do Departamento de Ordem Política e Social (DOPs) do Recife, em 22 de janeiro de 1973. As quatro pessoas que foram detidas, nessa época, faziam parte do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).  “Os torturadores nos obrigavam a chamá-los de doutores, mas Anatália se recusou a falar. Nos autos não há nenhum depoimento dela. Eu dizia para eles que ela não sabia de nada, nunca realizou uma ação e não fazia parte da organização. Eles não acreditavam e insistiam na tortura”, contou Luiz Neto.   

        

A forma brutal como os agentes praticavam a tortura também foi citada pelos depoentes. “Logo quando Anatália chegou ao Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI CODE ), foi submetida a uma tortura violenta, por três agentes, eu lembro que ela gritava muito e me chamava. Como ficávamos em celas separadas e não tínhamos contatos algum, um companheiro chegou para a gente e falou que ela tinha sido estuprada por cinco policiais”, desabafou.



O viúvo também relatou que tempos depois, a família de Anatália, que vivia na cidade de Mossoró no Estado do Rio Grande do Norte, recebeu a visita uma pessoa se dizendo “amigo do DOPs” com uma urna em que supostamente estaria os restos mortais da mulher. “Surgiu uma pessoa como se tivesse caído de paraquedas, ele dizia que na urna estavam os restos mortais e não poderia ser aberta por ordem do DOPs. Mas nada comprova que isso é verdade, não fizeram exame de DNA e a família estava com muito medo por causa da repressão e silenciou sobre o assunto.” 



Outro preso político, José Adeildo Ramos, militar da marinha que foi expulso por participar de uma passeata de protestos no Rio de Janeiro, afirmou que todo preso político em Pernambuco recebia choques nos órgãos sexuais. A intenção dos agentes era que os torturados informassem o local em que ficavam os aparelhos (casas) dos militantes de esquerda e os pontos de encontro. “Não condeno ninguém por ter falado qualquer coisa, pois só quem passou por isso sabe o que é a tortura”, lamentou José Ramos.



Sobre o assassinato de Anatália, ele respondeu que não teve coragem de ver o corpo por ser uma pessoa bastante emotiva e que após sair da prisão conheceu um médico especialista em medicina legal e pericial, Genival Veloso, que lhe esclareceu alguns fatos. “Ele reconheceu que ninguém se enforca com as duas mãos, pois chega uma hora que não terá mais força para apertar e colocar fogo na roupa ao mesmo tempo, essa é uma versão falsa, eu não acredito. No dia de sua morte não escutei não senti cheiro de queimado nem barulho algum. Ela ficava presa na sala dos policiais”, respondeu.



Aconteceram outros casos de morte e tortura nas dependências do DOI CODI e DOPs do Recife e sobre o assunto, José Ramos relatou: “Escutava muitos gritos de uma mulher do Rio Grande do Norte chamada de Isolda, depois nunca mais escutei falar dela. Os torturadores também mataram a chutes Fernando Saldanha que era membro da comissão central do partido e tinha problemas nos rins. Eles levaram o corpo para o Rio de Janeiro, tocaram fogo dentro de um fusca e montaram um teatrinho afirmando que Saldanha iria entregar os companheiros.” 

    

Já Edmilson Vitorino de Lima, líder estudantil na cidade de Campina Grande, que chegou a ter um cartaz de procurado vivo ou morto, depôs na audiência e falou dos motivos que levaram os militares a perseguirem os estudantes e militantes de esquerda que entravam para a clandestinidade. “Pichávamos a cidade e lutávamos pelo abatimento de 50% no ingresso de cinemas e transporte público. Saímos do cerco policial repressivo da Zona Urbana e fomos para a Zona Rural. Criamos um comando nos engenhos, reuníamos os trabalhadores para discutir melhoras no trabalho e denunciávamos mortes e torturas dos camponeses. Lutávamos para combater a miséria e as diferenças sociais”, defendeu Vitorino.



Depois de escutar os relatos dos ex-presos políticos, um dos membros da Comissão Dom Helder Câmara, Pedro Eurico, solicitou que fosse enviado um ofício ao governo do Estado e a algumas prefeituras da Região Metropolitana. Pedro Eurico tenciona fazer uma pesquisa sobre os sepultamentos realizados entre os dias 22 e 30 de janeiro de 1973, nos cemitérios do Recife, Olinda, Paulista e Tejipió. As informações poderão ajudar a identificar o lugar onde se encontra os restos mortais de Anatália. O pedido foi deferido pelo presidente da comissão, Fernando Coelho e será encaminhado aos órgãos responsáveis.

 

COMENTÁRIOS dos leitores