Educação especial: aluno, escola e inclusão
Professores e estudantes compartilham experiências sobre o cotidiano escolar e sistema de ensino-aprendizagem
“A gente parece estrangeiro morando no Brasil. É como se pertencemos a duas culturas fechadas”, comparou o professor Marcelo Manoel da Silva, 36 anos, que perdeu a audição aos oito anos de idade, depois de contrair caxumba (doença que, se não for bem tratada, pode causar surdez, esterilidade e provocar abortos espontâneos). Marcelo tem surdez total no ouvido esquerdo e tem 85% da audição comprometida no ouvido direito.
Filho mais velho de nove irmãos, ele é o único com deficiência auditiva e se orgulha em frisar que é o único a ter o ensino superior. Formado em pedagogia, Marcelo é oralizado, graças à persistência de uma professora primária que dedicava algumas horas a lhe ajudar a compreender as palavras através da leitura labial.
“Nunca pensei em ensinar, pensava em ser policial. Mas a vida foi me levando para esse caminho e hoje sou feliz ensinando as crianças surdas”, conta Marcelo na sala de alfabetização da Escola Governador Barbosa Lima, localizada no bairro do Derby, área central do Recife. Ao ser questionado sobre quais as habilitações que um professor deve ter para educar pessoas com deficiência, o pedagogo é rápido na resposta: “ser conhecedor da cultura surda, ou qualquer que seja a deficiência que os alunos tenham”. Ele também relata que a “maioria” dos professores fica com medo de interagir com os surdos.
Entre os alunos da Escola Governador Barbosa Lima 20% tem deficiência auditiva, motora e visual, percentual que corresponde a quase 400 estudantes matriculados, segundo diz a gestora-adjunta, Fábia Fragoso. De acordo com ela, a unidade escolar recebe pessoas com todos os tipos de deficiência, mas os alunos com surdez são os que mais procuram a instituição. “Nunca deixamos de atender a qualquer aluno. Mas as pessoas com surdez representam a maioria dos matriculados, quase 90%, porque eles sabem que aqui já há muitos alunos surdos e sentem-se mais à vontade”, explicou Fábia.
A gestora-adjunta ainda esclareceu que a educação especial da escola atende alunos de diferentes faixas etárias em uma mesma turma. O critério é adotado para o ensino fundamental I. A partir do sexto ano, o aluno com deficiência passa a estudar com os estudantes do chamado ensino regular. O formato adotado pela unidade de ensino é aprovado e defendido por todos os professores do ensino fundamental I para deficientes da instituição.
“Nesses primeiros anos na escola, os alunos com deficiência se desenvolvem mais em turmas separadas do ensino regular. É importante para eles terem essa educação mais direcionada. Quando eles vão para o sexto ano, aí sim eles conseguem se adaptar bem no ensino regular. Até porque aqui na escola eles já estão acostumados a conviver com os demais alunos”, avaliou a professora baiana Miriam de Santana Lima, que trabalha com educação especial há 12 anos.
Ela conta que fez especialização na área após começar a ensinar para pessoas com deficiência e diz que, inicialmente, foi um desafio trabalhar com esse público. “Eu dava aula no ensino regular, mas quando cheguei ao Recife e fiz o concurso público, me colocaram em turma de pessoas com deficiência mental e a partir daí fui fazer uma pós-graduação na área”. Para ela, a inclusão só dará certo quando os professores estiverem capacitados para ensinar as pessoas com deficiência. “Inclusão não pode feita ser de qualquer jeito, só para dizer que está integrando os alunos com deficiência aos demais”, criticou a professora.
Já os alunos do ensino médio aprovam a inclusão. Segundo contam, é importante conviver com os alunos que não têm nenhum tipo de deficiência. “Tem seus desafios, mas eu gosto da inclusão. Mostra que estamos em pares. Nesse momento há interação, troca de experiência, pois ninguém é melhor do que ninguém. Todos nós temos o que aprender e o que ensinar”, frisou Taine Ângela, 18 anos, aluna no 2° ano do ensino médio, que tem surdez.
O aluno do 1° ano do ensino médio, Eduardo Carlos, 19, que também é surdo, acredita na eficiência da inclusão e diz que não sente nem um tipo de descriminação por parte dos colegas. Porém, ele adverte que algumas vezes, para os surdos o problema é que o assunto abordado pelo professor em sala de aula é transmitido pelo instrutor de libras, o que dificulta o entendimento da matéria. “Sinto um pouco de dificuldade, pois, em matemática muitas vezes fica confuso para organizar as minhas ideias, já que o instrutor de libras não é professor da matéria”, ponderou. Para Eduardo, o ideal seria que o professor dominasse a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Na Escola Estadual Jerônimo de Albuquerque, em Olinda, Região Metropolitana do Recife, a separação dos alunos acontece também no fundamental I e a integração é feita a partir do sexto ano. Além disso, a escola ainda adota a divisão física das salas de aula destinadas ao ensino especial das do ensino regular. Um portão e uma parede de cobogós separam os alunos com deficiência mental dos estudantes surdos e do ensino regular. Apesar disso, a professora Josefina de Novaes Rodrigues diz que eles interagem com os outros alunos.
Receptivos, carismáticos, verdadeiros e solidários é como os descreve a professora formada em pedagogia e especialista em educação especial, formação que obteve após começar dar aula a estudantes com deficiência mental e portadores de Síndrome de Down. “Para qualquer lugar que eles forem, eles chamam atenção pelo carisma. Hoje prefiro dar aula para eles aos alunos do ensino regular”, afirmou a professora.
A receptividade e afetuosidade dos estudantes também foram percebidas pela reportagem do LeiaJá, ao entrar na sala de Educação para Jovens e Adultos (EJA). “Eu gosto de tocar samba”, disse Delano José, 21, portador de síndrome de Down, emendando com a letra do seu pagode preferido: “O jeito é, dar uma fugidinha com você. O jeito é dar uma fugida com você” (música do grupo Exaltasamba). Além de mostrar que tem suingue, Delano contou que gosta de ler e adora estar na escola, pois nela encontra seus amigos.
Já Ezequiel Lins, 17, que tem deficiência metal devido a uma meningite, revela que a única matéria “chata” é matemática. O adolescente mostra que gosta de ler fazendo a leitura do texto sobre o Natal produzido pelos alunos e escrito pela professora no quadro de giz. A risonha Rafaela Maria da Silva, 36, também fez questão de mostrar seu caderno com as lições de matemática e português. “Veja minha letra como é bonita”, disse aos risos a estudante que tem deficiência mental, adquirida depois de contrair meningite na infância.
Na avaliação da professora Josefina, o tempo de aprendizagem dos alunos com deficiência é mais lento se comparado aos estudantes que não são deficientes. Contudo, ela ressalta que sente seu trabalho mais valorizado pelos alunos com deficiência e que o resultado é entusiasmante. “Eles (os alunos com deficiência) são mais atenciosos e participativos do que os alunos que não são deficientes. É muito bom quando percebemos progressos”, declarou a professora.