Os riscos da compra de produções científicas na internet

Sites oferecem textos de trabalhos acadêmicos a diversos preços. Professores criticam a prática e delegado alerta que o ato pode configurar crimes

por Camilla de Assis dom, 04/11/2018 - 10:30
Pixabay Venda é feita pela internet Pixabay

“Está sem tempo e precisa fazer um trabalho? Nós te ajudamos”. Esse é o slogan em uma rede social de um site que promete venda de trabalhos acadêmicos. Para alguns estudantes, esse serviço está fora de cogitação. Outras pessoas, no entanto, acabam aderindo.

Há vários exemplos de plataformas de venda de conteúdos científicos. Além deles, pode ser encontrado um ramo de comercialização de trabalhos de conclusão de curso (TCCs), redações, artigos, teses de doutorado, dissertações de mestrado e até mesmo redações de admissão escolar.

Alguns sites divulgam o preço: “a partir de R$ 5 por página”. Outros preferem que o cliente faça o orçamento. “Nós temos os melhores preços”, informa uma plataforma de venda desses trabalhos na seção “calculadora de preço”. O estudante ainda tem garantias, segundo o site, de estar livre de plágio. "Garantia do seu dinheiro de volta", diz a página.

 

Aos 23 anos, uma administradora de empresas relembra quando realizou a compra de trabalhos acadêmicos durante a graduação. “Eu só queria me livrar deles, sinceramente. Não me importei muito se eu iria perder certos conteúdos, pois sei que eles não vão defasar minha capacidade técnica”, explica a jovem. “Além do mais, só foi uma vez. Nas outras, eu sempre procurei fazê-los [os trabalhos]”, complementa a mulher, que não quis ser identificada.

Visão docente

"O que leva os estudantes a fazerem isso é a falta de maturidade acadêmica deles. É preciso que eles internalizem que estão na academia e que precisam produzir ciência”, explica a psicopedagoga e professora de metodologia científica, Rosangela Nieto. 

“Não é apenas uma infração ética, como também um prejuízo para a produção de conhecimento daquele estudante que realiza a compra do trabalho”, aponta a professora de metodologia científica da Universidade de Pernambuco (UPE), Arine Lyra. Segundo a docente, os estudantes passam por um processo grave de infração. “Aqui na universidade existe o código de ética. Segundo ele, caso o aluno seja pego com um trabalho feito por outra pessoa, o caso vai para as instâncias da Universidade para que ele seja penalizado, chegando até mesmo uma suspensão ou expulsão”, explica Lyra.

A professora ainda explica que as pessoas responsáveis pelas vendas também são culpados pela deficiência acadêmica dos estudantes. "Se ele fez um doutorado, sabe a importância da pesquisa, então também está tirando do estudante essa parte da formação dele", opina Arine Lyra. 

Rosangela Nieto ainda alerta para o prejuízo no mercado de trabalho. “Se ele, que é estudante, é capaz de comprar um trabalho e não realizar a pesquisa, que tipo de profissional ele vai ser formado?”, reflete a docente. 

Segundo o delegado Antônio Guerra, da Polícia Civil de Pernambuco, tanto quem compra quanto quem vende trabalhos acadêmicos, e ainda quem intermedia esse processo, está cometendo três crimes. Isoladas, as sanções para as infrações podem ser por meio de Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e pagamento de cestas básicas.

O primeiro é o crime contra a propriedade intelectual, quando uma pessoa usufrui de um material intelectual produzido por outra em benefício próprio. O segundo crime é o contra a propriedade industrial, que viola os direitos de algo que já está devidamente produzido e registrado. Já o terceiro crime se refere a violação da patente, quando o trabalho é patenteado. “Geralmente quem comete um crime, comete os outros. As penas, somadas, podem chegar a cinco anos de reclusão”, afirma o delegado.

Entretanto, de acordo com Guerra, é muito difícil realizar a captura dos criminosos. “Quem compra e quem vende sabem que estão cometendo um crime, então nem um nem outro aparece para prestar alguma queixa na delegacia. O que fazemos é a prisão em flagrante quando flagramos essa comercialização”, explica o delegado.

Procurada pela reportagem do LeiaJá, a assessoria de imprensa do Ministério da Educação (MEC) informou que “não tem como emitir juízo de valor sobre uma plataforma que não é desenvolvida pelo próprio Ministério nem mesmo fazer suposições sobre o comportamento das pessoas ao usar determinada ferramenta”. O órgão ainda informa que as instituições de ensino que devem tomar providências sobre a formação acadêmica do aluno, caso ache necessário.

Em nota, também solicitada pela nossa reportagem, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) informou que “não faz parte das atribuições da Capes fiscalizar esse tipo de serviço ou definir punições para quem toma essas atitudes".

A reportagem do LeiaJá também entrou em contato com um dos sites que comercializam os trabalhos, mas não tivemos respostas sobre as vendas.

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