Periferias concentram 87% das bibliotecas comunitárias
Mais de 65% dessas bibliotecas foram criadas por coletivos – grupos de pessoas do território e movimentos sociais
A pesquisa Bibliotecas Comunitárias no Brasil: Impacto na formação de leitores mostrou que 86,7% dessas bibliotecas estão localizadas em zonas periféricas de áreas urbanas em regiões de elevados índices de pobreza, violência e exclusão de serviços públicos. Do restante, 12,6 % delas estão em zonas rurais e apenas 7% em área ribeirinha.
“Descobrimos que essas bibliotecas estão, em sua maioria, em regiões periféricas. Mas uma grande característica é que essas bibliotecas estão onde o poder público não chega. Elas surgem por essa vontade da comunidade em ter esses espaços, que muitas vezes são os únicos espaços culturais nos territórios”, disse Luís Gustavo dos Santos, mediador de leitura e um dos pesquisadores.
O estudo foi coordenado pelos Grupo de Pesquisa Bibliotecas Públicas do Brasil, da Universidade Federal do Estado do Rio (Unirio), o Centro de Estudos de Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e o Centro de Cultura Luiz Freire (PE).
Outro dado revelado foi que 66,5% das bibliotecas foram criadas por coletivos – grupos de pessoas do território e movimentos sociais. A prática da leitura compartilhada também faz parte da identidade da maioria das bibliotecas pesquisadas.
A amostra para a pesquisa incluiu 143 bibliotecas, sendo 92 integrantes da Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias (RNBC) e as outras 51 sem vínculo com a rede, em 15 estados e o Distrito Federal. As bibliotecas comunitárias são aquelas criadas e mantida pela sociedade civil. Os pesquisadores destacam a luta das comunidades para conquistar e garantir seu direito nesses territórios marcados pela exclusão de políticas públicas de cultura e educação.
A pesquisa mostrou que as bibliotecas são acessíveis e estão envolvidas com suas comunidades, seus espaços são pensados para assegurar práticas de leitura compartilhada, têm acervos que priorizam o letramento literário, a gestão é compartilhada e que a população identifica a biblioteca e os mediadores de leitura como referências.
“Uma característica da biblioteca comunitária é a gestão compartilhada, então, por mais que esse espaço surja por meio de alguma instituição, é um espaço que é gerido também pela comunidade. Não é apenas um usuário e sim uma pessoa que participa da gestão, da organização e das decisões que acontecem nessa biblioteca”, disse Santos.
Segundo ele, são poucas as pesquisas no país sobre a importância das bibliotecas comunitárias e, em maioria, são estudos muito específicos com recortes locais. “[A pesquisa] mostra o impacto na formação de leitores através dos relatos. Muitas pessoas entram na biblioteca apenas como leitores e saem como mediadores. Então, existe um grande impacto na formação dessas bibliotecas comunitárias.”
Apesar de essas bibliotecas conseguirem se manter por meio de doações e voluntariado, Santos disse que um dos objetivos é que haja investimento público para que esses espaços se desenvolvam melhor. “Como é um espaço, muitas vezes, o único espaço cultural e de acesso público nesses territórios, ela necessita sim de recursos públicos. [Precisa de recursos] para que as bibliotecas consigam se manter com qualidade, pagando seus mediadores, conseguindo custear o espaço, que muitas vezes é feito por meio de doação e de trabalho voluntário.”
O estudo concluiu também que os profissionais que atuam nas bibliotecas comunitárias cumprem diferentes funções, como gestores, bibliotecários, facilitadores e mediadores de leitura. Os pesquisadores consideraram relevante também que entre os mediadores de leitura, pessoas que apresentam os livros aos leitores, é alto o índice de escolarização: mais de 90,2% têm de ensino médio a pós-graduação.
Stefanie Felício da Silva, articuladora da biblioteca comunitária Ademir Santos, na zona lesta da capital paulista, diz que o espaço tem função que extrapola a leitura. “Só de a criançada chegar, entrar aqui e passar a tarde toda já acho muito importante porque, pela realidade que elas vivenciam aqui, esse é um espaço de acolhimento para elas. Elas estando aqui dentro, elas estão entrando em contato com outras culturas, outros conhecimentos e elas não estão tão vulneráveis como elas poderiam estar na rua”, disse.
“Não considero nem um trabalho, considero uma contribuição pela comunidade onde eu moro. Sempre tive esse desejo de fazer alguma coisa pelo lugar onde eu moro. Tento aproveitar ao máximo [este espaço] para conseguir alcançar o maior número de pessoas possível [com a leitura]”, acrescentou.