Pós-graduação sofre os efeitos da Covid-19

Em meio à pandemia, mestranda se reinventa em um tecnológico modelo de ensino e não deixa de acreditar na educação

por Ruan Reis ter, 11/08/2020 - 11:00
Cortesia Hallana é aluna do mestrado em sociologia da UFPE Cortesia

A pandemia da Covid-19 provoca efeitos em várias esferas educacionais. No âmbito da pós-graduação, por exemplo, alunos precisam se adequar a novos formatos de ensino, muitos deles remotos. Além disso, há o peso da cobrança acadêmica em prol de boas pesquisas. Hallana, de 24 anos, compartilhou a sua rotina em mais uma reportagem do especial "Estudante, você também é herói", do LeiaJá.

Da janela, casas vizinhas com emaranhados de fios cortam a vista do pôr do sol. O barulho das crianças correndo descalças pelos cômodos dos lares, no fim da tarde, ecoa pelas ruas estreitas, pouco movimentadas por pessoas que passam com seus rostos protegidos por máscaras. Os moradores que habitam os pequenos apartamentos com pinturas roídas pelo tempo, se cumprimentam a distância entre os degraus das escadas.

Adiante, os anúncios estampados nos muros das residências anunciam os pequenos comércios de bairro que sustentam famílias periféricas. Eis o recorte da realidade vista pela janela de sua casa da mestranda em sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Hallana de Carvalho, de 24 anos, moradora do Conjunto Habitacional no bairro da Vila Rica, em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Terra que, outrora, já viveu grandes batalhas e hoje carrega o legado de ser o “berço da pátria”. Pátria que mal alimenta suas proles com a educação básica, e exclui seus filhos negros e periféricos, cansados de lutar do amanhecer ao pôr do sol por espaços que também são seus por direito.

Motivações 

Hallana, mulher negra e periférica, não acreditava que poderia seguir uma carreira acadêmica, mas descobriu, no curso de licenciatura em ciências sociais na UFPE, seu verdadeiro lugar, sua verdadeira vocação. “O que me motiva é entender que eu posso estar onde eu quiser; não existem limitações apesar das dificuldades”, diz a pesquisadora, que está em segundo ano de mestrado.

Pela primeira vez na história do País, o número de estudantes negros (50,3%) que ingressaram em uma universidade pública é maior do que o de brancos (49,7), segundo o último balanço levantado, em 2018, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Dificuldades

Desde março de 2020, a notícia sobre a pandemia do novo coronavírus é a informação mais detalhada pela imprensa. Isolada, Hallana senta à mesa toda tarde, como é de rotina, e abre o seu computador. De olho no próprio reflexo na tela, ela conta que as crises de ansiedade que teve no começo da quarentena foram desencadeadas não somente pelo medo de ela e sua família serem infectadas, mas também pela preocupação de se manter produtiva nos estudos.

No mestrado, Hallana estava sentindo a dificuldade de não ter tido uma base educacional em inglês. Foto: Cortesia

Difícil, o momento impactou nas suas atividades e leituras acadêmicas e, mesmo a pandemia sendo noticiado a toda hora, ela não conseguia compreender o porquê de toda realidade que conhecia havia mudado drasticamente. Atordoada, Hallana decidiu buscar uma profissional que pudesse ajudá-la. “Conversando com a minha psicóloga, fui me tranquilizando e entendendo o meu processo frente a essa situação para tentar ir retomando as leituras acadêmicas aos poucos”, conta. 

A psicóloga clínica e escolar Márcia Monteiro esclarece que a ansiedade é uma emoção vaga que potencializa o medo, principalmente entre os estudantes. “O aumento de responsabilidades e a incerteza do futuro são demandas que potencializaram as crises depressivas; falar de depressão hoje é algo bastante comum no meio educacional, pois muitas pessoas estão tentando se adaptar a esse novo 'normal'”, explica.

A pós-graduação exige muito dos alunos. No mestrado, Hallana estava sentindo a dificuldade de não ter tido uma base educacional em inglês, o que é bastante comum nas escolas brasileiras. De acordo com a pesquisa divulgada pela agência do governo britânico 'British Council', entre as principais dificuldades que os alunos encontram na hora de aprender o idioma, está o momento de estudar a escrita, a fonética e a leitura dos materiais em inglês, sendo a falta de investimento e a sobrecarga dos professores alguns dos fatores que geram precária aprendizagem dos alunos.

Em sua trajetória escolar, a mestranda não teve a oportunidade de fazer um curso de inglês pago e até o primeiro semestre de 2020 estava sentindo dificuldade em ler os materiais que precisava para sua pesquisa. Para reverter essa situação, Hallana conta, em entrevista ao LeiaJá, bastante empolgada, que conseguiu ingressar no segundo semestre deste ano no curso de inglês afrocentrado da UFPE, destinado aos estudantes que desejam aprender a língua inglesa através da leitura de textos produzidos por autores negros.

Reinvenção

Manuseando a caneta pelas folhas do caderno pequeno de capa verde sobre a mesa de jantar, Hallana, concentrada na aula remota, captura, através da escrita, tudo o que consegue absorver de informação. O conhecimento agora partilhado via internet é a nova realidade para muitos estudantes. 

Tradicionalmente, pós-graduandos dizem que seus docentes cobram intensamente de seus alunos um desempenho quase que impecável. Hallana, porém, reconhece que, nesta crítica fase de pandemia e ensino remoto, os educadores estão mais maleáveis. “Os professores, neste contexto da pandemia, têm sido bem solícitos na medida do possível. Eles exigem o mínimo do que é preciso para a disciplina”, conta a mestranda.

Ela ainda relembra que, antes da pandemia, os professores pediam as atividades no prazo, mas chegavam a até mesmo adiar a data caso algum aluno tivesse problemas ou dificuldades na execução.

Assim como a mestranda teve que aprender a lidar com as novas ferramentas, os docentes tiveram que se reinventar. Hallana relata que a didática que se tinha na sala de aula não é a mesma de hoje e, assim como ela, os professores também compartilham do processo de aprender a manusear as novas plataformas digitais. Em casa, Hallana, que reside com sua mãe, tem os livros como a sua maior ferramenta para os trabalhos acadêmicos, porém, neste período de isolamento social, ela comenta que a internet tem a qualificado muito para suas pesquisas.

“Eu, por exemplo, tenho procurado muitos cursos sobre internet, sobre metodologias de pesquisa através da internet, já para tentar encarar um pouco melhor esse período por causa da minha pesquisa”, diz. A mestranda, que não pode desfrutar da estrutura que a universidade lhe oferece, devido à paralisação das atividades presenciais, precisa dar conta das demandas que sua pesquisa exige. Para isso, ela tem buscado se qualificar no conforto da sua casa. “Eu fico acompanhando os minicursos e os cursos de extensão oferecidos pelas universidades e quando aparece algo que me interessa, eu vou fazendo. Eu tenho tentado me qualificar neste sentido e venho buscando explorar mais a internet para descobrir outros recursos e programas que possam me ajudar na pesquisa”, conta a estudante.

Apoio familiar

Um dos papéis mais sensíveis está no ato de ser mãe. Olhar para um filho imerso nos estudos preenche o coração de orgulho e dá aquela sensação de “trabalho bem feito”. Hallana relata o quão importante foi a presença da mãe, Rosete Maria de Almeida, na sua vida acadêmica. A jovem acredita que se não fosse o incentivo dela, ela não teria seguido os rumos da educação.

“No meu próprio processo de formação enquanto professora, aprendi o quão é importante o incentivo de alguém da família”, explica a estudante. A psicopedagoga Juliana Lapenda esclarece que esse impacto é decorrente do apoio familiar que ela teve na infância. “É muito importante a presença dos pais na educação dos filhos, pois da mesma forma que a criança sente a presença, ela também sente a ausência e isso interfere no seu emocional que está interligado ao seu aprendizado”, explica a especialista.

Dona Rosete, a matriarca da família, acompanha de perto os estudos da filha em meio à pandemia da Covid-19. Para Hallana, a mãe foi a mulher que mais deu suporte para ela conseguir chegar onde está. “Além do olhar de orgulho, eu sinto um olhar de incentivo. Aquele olhar que diz ‘estou no caminho certo’. Eu percebo que a minha relação no dia a dia com a minha mãe tem muito desse olhar que diz: ‘contínua que está dando certo’”, comenta.

Educação do futuro

Ante à nova realidade, muitos estudantes especulam sobre o futuro da educação. Hallana, primeira da família a ter um ensino superior, incentiva seus parentes, principalmente seus primos mais novos, a buscarem uma educação superior. Ela entende, ao ter uma visão clara sobre a realidade em que vive, que a universidade é algo distante para muitas pessoas.

Questionada sobre o futuro da educação no Brasil, ela responde: “Nesse contexto em que estamos vivendo, fica até um pouco difícil saber o que vai acontecer com a educação futura, já que temos essa troca constante de ministros”, diz. Ela complementa: “Eu penso muito que a saída para a educação no futuro é através do investimento na educação pública em todos os seus níveis, desde o ensino fundamental ao ensino superior. Outra saída para a educação é por meio do incentivo à pesquisa acadêmica nas universidades públicas do país, afinal, se não tivesse a bolsa, provavelmente eu não teria como me manter na pós-graduação”, conclui.

Confira, abaixo, as demais matérias do especial “Estudante, você também é herói”. Nossos repórteres mostram as rotinas de alunos, da educação infantil à pós-graduação, durante a pandemia do novo coronavírus:

--> Pequenos 'grandes' estudantes e o ensino remoto

--> Isolamento social e a ansiedade na preparação para o Enem

--> A perseverança de Ana e o carinho pela pedagogia

--> Formatura mais cedo: estudantes trocam aulas por hospitais

--> O que o futuro reserva para os estudantes após a pandemia?

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