Márcia Souto: “O morador tem orgulho de ser olindense”

Secretária de Patrimônio e Cultura de Olinda conversou com o LeiaJá sobre os trinta anos do título de Patrimônio Cultural da Humanidade concedido pela Unesco

por Felipe Mendes dom, 12/08/2012 - 08:00

Em dezembro de 1982, a cidade de Olinda recebeu da Unesco o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Em 2012, os trinta anos do reconhecimento do valor cultural de Olinda começam a ser comemorados com a V Semana do Patrimônio de Pernambuco, que começa nesta segunda (13), com uma programação toda dedicada à Cidade Patrimônio Histórico e Cultural. Em entrevista exclusiva para o leiaJá, a Secretária de Patrimônio e Turismo de Olinda, Márcia Souto, fala sobre a relação da cidade com seu patrimônio, dos desafios da gestão pública, e adianta em primeira mão a inauguração do Teatro do Bonsucesso, localizado no mesmo bairro que abriga a sede do homem da Meia-noite.



O que significa, para a cidade de Olinda, o Título de Patrimônio Cultural da Unesco? Que impacto isso tem no dia a dia de seus moradores?

Acho que o título de Patrimônio Cultural da Humanidade tem um significado especial para a cidade de Olinda pela forma que foi conquistado. Foi uma coisa muito trabalhada pela comunidade, o que fez com ela se apropriasse deste título. A gente sente que o olindense tem todo um apego muito grande a esse título, um carinho, e o valoriza muito como algo que faz parte da vida dele. O morador tem orgulho de ser olindense e entende Olinda como uma cidade diferenciada, não é uma cidade qualquer nem é apenas um título, tem uma relação sentimental com a cidade.

Como é gerir este patrimônio? O que há de diferente na gestão da cidade por conta do patrimônio histórico e cultural de Olinda?

Uma cidade como Olinda é difícil em vários aspectos. É uma cidade que não tem arrecadação grande, a arrecadação anual gira em torno de R$ 300 milhões. Tem uma população imensa, cerca de 377 mil habitantes e é a quinta maior densidade demográfica do país, a primeira do Estado de Pernambuco. É uma cidade muito pequena, de apenas quarenta quilômetros quadrados, sem saneamento básico ainda. Agora é que a Compesa (Companhia Pernambucana de Saneamento) está trabalhando esta questão. Para se ter uma ideia, enquanto a arrecadação média por habitante no Brasil é R$ 1.574, em Olinda é R$ 750 de arrecadação por habitante para o município por ano. Então é uma situação muito difício para acidade, e Olinda também fica muito colada na capital, então tem uma demanda muito forte.

Mas tem um potencial muito positivo também: o título de Patrimônio Cultural da Humanidade, um sítio histórico belíssimo, diferenciado pelas colinas, pelo mar, pela vegetação, que é um diferencial enorme e, principalmente,  por ser um sítio histórico ocupado por moradores. Esse é o diferencial principal na questão da preservação. A questão de ter moradores, ter uma vida no local. As dificuldades são enormes de modo geral, e especialmente quando você vai fazer a gestão da área de patrimônio Cultural.

Pensar em preservar um patrimônio deste, tão rico, tão importante para a história do nosso país, sem recursos é muito difícil. Mas, ao mesmo tempo, temos o outro lado, que é exatamente por ter essas qualidades todas, ter um povo criativo, um patrimônio imaterial, a gente consegue fazer captação de recursos bem. A gente consegue fazer com que o governo federal e o governo do Estado se sensibilizem e invistam na cidade.

O Alto da Sé, em Olinda, é o ponto turístico mais visitado de Pernambuco. Depois da requalificação, então, está um espetáculo, um sucesso, os turistas, a comunidade, os frequentadores elogiando. E não é só uma questão de requalificação da estrutura urbana, a gente procurou valorizar o que ela tem de tradição, procurou-se fazer com que tivessem espaços ali em que a vida cotidiana do olindense acontecesse. Então ali tem uma escola, tem as igrejas, o museu, o observatório, tem todo um funcionamento que independe do turismo também, tem vida própria. Isso é muito importante na preservação, é o que garante mais a preservação.  As pessoas são fundamentais, o morador especialmente.



E quais são as ações realizadas pela prefeitura para a manutenção deste patrimônio?



Nós temos algumas ações permanentes e outras focadas em alguns monumentos, alguns espaços. Existe um programa de manutenção do sítio histórico.  Nós temos a secretaria de Serviços Públicos, que recolhe lixo, tapa buraco, faz calçamento, iluminação pública, tudo isso. Só que a gente não tinha muita integração desta equipe conosco. Tapar um buraco numa via comum é uma coisa, tapar um buraco de paralelepípedo numa cidade histórica é outra.

Conseguimos avançar e hoje temos uma licitação especial só para o sítio histórico, em que nós fizemos o termo de referência junto com eles, com a colaboração do Iphan, e construímos uma situação em que a empresa que cuida disso no sítio histórico cumpre um padrão diferente do resto da cidade. Tudo isso é um processo que foi sendo construído e temos hoje uma manutenção integrada, em que uma equipe circula no sítio histórico olhando sob o aspecto da preservação e manutenção da cidade e preparam boletins que vão para as secretarias competentes. Esta é uma ação continuada que ninguém vê, mas que acontece. O recolhimento de lixo é diferente no sítio histórico, onde se recolhe duas vezes por dia e é o único lugar em que se recolhe lixo no domingo por conta do turismo. Mas a gente precisa também da colaboração da população.



Além desta ação, temos também o financiamento para a restauração de imóveis privados, feito junto com o Iphan. O proprietário tira o empréstimo para fazer a reforma na casa dele, retira o dinheiro direto no banco com a aprovação nossa e paga sem juros, apenas com a correção monetária, parcelado em até 20 anos. E este dinheiro volta para o Fundo de Preservação e a gente o aplica na cidade de novo. É um dinheiro que a gente diz que reproduz, né? (risos) Ele vai para a conta do Conselho de Preservação e é aplicado na cidade novamente.

Como funcionam o conselho e o fundo de preservação?



O sistema de preservação avançou muito. Nós temos um sistema de preservação em Olinda desde 1979, do qual fazia parte a fundação, o fundo e o conselho. No entanto, o Conselho não era paritário, estava nos moldes daquela época. O Conselho vem cumprindo seu papel ininterruptamente e com um resultado positivo, mas a gente tinha dificuldades por que ele não tinha uma participação efetiva da sociedade civil, então precisávamos reformá-lo. Reformulamos o Conselho, fazendo com que ele fosse paritário e incluímos as representações de alguns segmentos que consideramos muito importantes. Por exemplo, consideramos muito importante que a universidade, a academia, se aproxime deste debate, então trouxemoa a Universidade Federal de Pernambuco. Também achamos importante a presença da igreja católica, que afinal é detentora de grande parte deste patrimônio. Os moradores precisavam ter representantes no conselho, então a Sodeca (Sociedade de Defesa da Cidade Alta) está representada, também achamos importante trazer o CREA. Assim fomos criando, com a participação de todos, um ambiente favorável a esse debate. E ainda o Iphan, a Fundarpe, que já participavam. Também regulamentamos o Fundo, que já está em funcionamento, o que foi um grande avanço pra gente. Também fizemos a regulamentação do registro do patrimônio imaterial, que tem uma legislação própria, também regulamentamos isso. Hoje temos a legislação toda desta área formatada, em funcionamento, o que é muito importante.



Quais são as próximas ações previstas na área do patrimônio em Olinda?



Já temos em andamento, sendo licitada, a conclusão do Cine Olinda, vamos inaugurar logo o teatro do Bonsucesso. Estamos licitando a requalificação do Mercado Eufrásio Barbosa, que vai ser um centro de arte. Além disso, temos os projetos já aprovados para a captação de recursos do Cine Duarte Coelho, o embutimento da fiação, a requalificação do Largo do Amparo, o Memorial Dom Hélder Camara, que vai ser na Sé, ao lado da igreja. Estamos lançando também as primeiras Parceria Público-privadas, que vão explorar a área do Carmo para potencializar ali como polo cultural. Também será iniciado e está sendo licitado pela Compesa todo o esgotamento do sítio histórico, o que é uma ação estruturadora importantíssima, já foi assinado o convênio. Nós teremos o sítio histórico de Olinda com saneamento, o que é uma questão estrutural na preservação, porque existe um problema até de deslocamento das colinas por causa da drenagem falha. Tem muita coisa vindo por aí ainda, tem muita coisa para fazer e nunca acaba.

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