Em terreiro, entrega de doces marca Dia de Cosme e Damião
O terreiro de Candomblé Ilé Axé Pandá Lairá distribuiu as famosas sacolinhas, nesta quarta-feira (27), e fez a alegria de centenas de crianças
Ainda são 14h e as crianças estão ansiosas correndo de um lado para o outro na rua, os olhos atentos são direcionados para a casa de número 146, no bairro do Ibura, Zona Sul do Recife. Daqui a duas horas, pontualmente às 16h, o terreiro Ilé Axé Pandá Lairá vai iniciar a tradicional distribuição de sacolinhas com doces em devoção ao Dia de São Cosme e São Damião, nesta quarta-feira (27). A casa distribui os brindes há mais de 70 anos e, mesmo com as dificuldades, resiste para manter a tradição e respeito aos orixás.
O Dia de São Cosme e Damião é celebrado pelos católicos e religiões afro-brasileiras em datas diferentes. Os seguidores do candomblé e da umbanda festejam os santos gêmeos no dia 27 de setembro. Já a Igreja Católica, 26 de setembro. De acordo com Natali Anselmo, de 34 anos, à frente da organização da festividade no terreiro de Candomblé, a religião de matriz africana também homenageia os santos católicos. “Na época, os escravos aproveitavam os festejos dos santos católicos pelos senhores de engenho para realizarem os seus rituais”, conta.
Segundo a versão contada por Natali, Cosme e Damião são associados com os orixás-crianças, Ibejis e Erês, filhos gêmeos de Iemanjá, que atenderiam aos pedidos de uma pessoa em troca de doces. Daí a origem dos chamados "docinhos de São Cosme e São Damião". No catolicismo, a distribuição de doces se dá porque os santos ofereciam guloseimas para amenizar a tristeza das crianças e enfermos e, por isso, os dois são considerados protetores dos pequenos.
O sacerdote de Jurema Alexandre L'Omi L'Odò explica que o dia 27 de setembro é uma das datas mais importantes para os terreiros de matriz africana. “As crianças são puras e quanto mais a gente as agrada, mais elas nos ajudam espiritualmente. Elas trazem paz, prosperidade e harmonia. É uma reinterpretação de culturas e isso faz parte do nosso Brasil", explica.
Apesar de manter a tradição por anos distribuindo doces, sacolinhas recheadas, montando quebra-panelas e os famosos 'bamburins', o Pai de Santo Nelson Gomes lamenta a diminuição de crianças que vêm buscar o brinde. “A gente fazia antigamente quase duas mil sacolinhas. Hoje em dia, poucos pequenos ainda recebem”. Ele conta que foram preparados cerca de 600 saquinhos e atribui a queda da distribuição à intolerância religiosa por parte de evangélicos.
Para Alexandre, as crianças até querem receber os doces, mas muitos pais não permitem. “Existe hoje um plano de poder evangélico que quer simplesmente fazer o etnocídio das tradições de matriz africana, com um tipo de doutrina religiosa que é racista e intolerante. Eles dizem que o saquinho do Cosme e Damião é do diabo e faz mal”, lamenta.
Mesmo com as dificuldades e o preconceito, o terreiro resiste firme e preparou um dia de muita energia positiva. No altar, a oferenda ao santo estava posta e os saquinhos todos preparados para serem recebidos pelas crianças. Às 16h, a fila no portão já era grande e barulhenta. Mães com bebês no colo, crianças, avós, pais e até os mais velhos queriam uma sacolinha.
Na Zona Oeste do Recife, no bairro da Iputinga, o comerciante Osvaldo da Silva, de 60 anos, também celebra o Dia de São Cosme e Damião. Católico, há mais de dez anos, ele decidiu seguir a tradição de sua tia, que faleceu na década de 1990 e tinha o dia 27 de setembro como um dos mais importantes do ano.
Para dar segmento a tradição, Osvaldo e seu companheiro Robson Alexandre, 29, compram chicletes, doces, pipoca e montam um verdadeiro festejo na comunidade que vivem. Este ano, eles prepararam 300 sacolinhas para distribuir entre as crianças. Além das guloseimas, Osvaldo também gosta de doar brinquedos aos pequenos, mas por causa de problemas financeiros, em 2017, apenas doces serão distribuídos.
O umbandista Antônio do Sopão, como é conhecido, também celebrou a data no Recife e há quatro anos decidiu começar a distribuir as guloseimas. “Sou da Umbanda há 30 anos e quando chega a época de Cosme e Damião, faço essa festinha para as crianças de rua e mais carentes. Pelo quarto ano, levo a alegria a elas”, diz.
Por causa do trabalho, Antônio teve que realizar a festividade no último domingo (24). No evento, muitos doces, sacolinhas, bandas, músicas e brinquedos para a criançada. A festa foi realizada no bairro do Sétimo RO, em Olinda e ele pretende mudar o local a cada ano.
De acordo com registros históricos, os portugueses trouxeram para o Brasil suas crenças e santos e foi assim que a devoção por Cosme e Damião começou a ser difundida. Com a chegada dos negros por causa da escravidão, as religiões africanas também foram trazidas. Acontece aí, a fusão de crenças nativas, europeias e africanas fez surgir o sincretismo e a reinterpretação de elementos.