Pierre Cardin, visionário e empresário multifacetado
Filho de imigrantes italianos, ele nunca pensou na aposentadoria e conseguiu levar a alta-costura às ruas, com o lançamento de uma linha de prêt-à-porter desde 1959
"Eu inventei tudo", gostava de afirmar o estilista Pierre Cardin, que faleceu nesta terça-feira (29) aos 98 anos, e que deixa um legado como pioneiro do prêt-à-porter, do estilo futurista e da diversificação mundial de sua marca.
Sua empresa, ao lado do Palácio do Eliseu, onde exibia fotos que o mostravam ao lado de Fidel Castro ou Louis Aragon, assim como antigos artigos de imprensa e diversos objetos, é um testemunho da excepcional trajetória deste personagem histórico da moda francesa.
Filho de imigrantes italianos, ele nunca pensou na aposentadoria e conseguiu levar a alta-costura às ruas, com o lançamento de uma linha de prêt-à-porter desde 1959.
Antes de muitos outros, ele abriu um "posto de venda" em uma grande loja de departamento e incluiu homens nos desfiles. Além disso, adotou um sistema de licenciamento em larga escala que assegurava a presença da marca em todo mundo. A estampa de seu nome passou a ser vista em produtos variados, que incluíram gravatas, cigarros, perfumes, ou água mineral.
Ele foi o pioneiro na Ásia desde cedo, região em que teve grande notoriedade: viajou ao Japão em 1957, depois organizou desfiles a partir de 1979 na China.
O estilista, cujos ternos sem colarinho inspiraram os que foram usados pelos Beatles, também era um homem de grande cultura e um mecenas comprometido com o teatro, a dança e a música, por meio do Espaço Cardin em Paris e do festival de arte lírica e do Teatro Lacoste, em Lubéron (sul da França).
Multifacetado, ele também embarcou na criação de móveis, assim como na indústria hoteleira e no setor de restaurantes, com a rede Maxim's.
- Vestido bolha e cosmocorps -
Embaixador honorário da Unesco, ele foi também foi o primeiro estilista acadêmico.
No fim de novembro de 2016, na grande sala de reuniões da Academia de Belas Artes ele apresentou aos 94 anos um dos desfiles intermináveis com os quais estava acostumado, por ocasião dos 70 anos de carreira.
Incansável, em julho de 2016, pouco antes de apresentar uma nova coleção, ele explicou que sempre tinha a "necessidade de se expressar".
Nascido em 2 de julho de 1922 perto de Veneza, Pierre Cardin se mudou da Itália para a França aos dois anos com os pais, que fugiram do fascismo. Depois de estrear como aprendiz de alfaiate em Saint-Etienne e de trabalhar como contador para a Cruz Vermelha em Vichy durante a guerra, ele desembarcou em Paris em 1945.
Depois de trabalhar com Paquin e Schiaparelli, se uniu a Christian Dior, com quem participou na revolução do "New Look", antes de criar a própria marca.
Criador da estética futurista, assim como André Courrèges e Paco Rabanne, Pierre Cardin fez sucesso desde o início com seu 'vestido bolha'. Ele usou materiais inovadores, cores e formas geométricas, desenhou vestidos inspirados na "op art", vestidos moldados, calças elipse, casacos coloridos e ternos masculinos com gola Mao.
Fascinado pela conquista do espaço, se inspirou na aventura para criar trajes unissex "cosmocorps".
- Um legado essencial -
O sistema de licenças, contratos que encomendavam a fabricação de produtos a uma terceira empresa em troca de royalties pelo uso do nome, rendeu uma fortuna (ele possuía quase 350, contra 900 no auge do sucesso, em uma centenas de países).
A diversificação extrema teve o efeito de popularizar seu nome, mas também de desvalorizar a marca e provocou o desprezo de alguns de seus colegas.
Tanto que atualmente, com exceção de Jean-Paul Gaultier, que trabalhou com Cardin no início da carreira, nenhuma figura importante da moda menciona sua contribuição, que de qualquer maneira é essencial. De fato, ele recebeu, por exemplo, três "Dés d'or" (Dedal de ouro), prêmio da moda francesa concedido até o início dos anos 1990.
Pierre Cardin foi até o fim um grande trabalhador que controlou 100% de seus negócios, o único de sua geração que permaneceu independente. Em 2011, anunciou que pretendia vender seu império por um bilhão de euros, mas não encontrou comprador.
Em 2019, o Brooklyn Museum de Nova York organizou sua primeira grande retrospectiva em 30 anos, uma maneira de contribuir para a revalorização da imagem do estilista.
O empresário também era alvo de controvérsias. As múltiplas obras de restauração em Lacoste provocam polêmicas há vários anos entre os moradores. O mesmo aconteceu em 2012 com seu projeto faraônico do Palais Lumière de Veneza, que nunca viu a luz do dia.
O estilista não teve filhos. "Eu era atraente, muito bonito (...) Tive muito sucesso com os homens, com as mulheres", contava Pierre Cardin, que teve como companheiro seu assistente André Oliver e viveu uma história de amor de quatro anos com a atriz Jeanne Moreau.